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Com efeito, várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram impetradas no

Supremo Tribunal Federal contra o Estatuto do Desarmamento, pelas mais variadas

classes e segmentos da sociedade, como o Partido Trabalhista Brasileiro, a Associação

Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas, a Confederação Nacional do

Comércio, a Associação dos Delegados de Polícia, o Partido Democrático Trabalhista,

dentre outros.

No dia 02/05/07, o pleno do STF julgou o conjunto de Ações Diretas de

Inconstitucionalidade, relator Ministro Ricardo Lewandovsky, (ADIns 3112, 3137, 3198,

3263, 3518, 3535, dentre outras) contra o Estatuto, que atacavam os seguintes pontos

da Lei:

I- Inconstitucionalidade formal do Estatuto, por usurpação pelo Congresso

Nacional de atribuições de competência exclusiva do Presidente da

República, explicitadas no art. 61, § 1º, II, alíneas “a” e “e” da CF

(iniciativa legislativa sobre matérias que disponham sobre criação de

funções e órgãos na Administração Pública). Essa argüição teve por

base a criação de funções à Polícia Federal por meio do Estatuto;

97

GARCIA, Roberto Soares. Estatuto do desarmamento: um tiro “na mosca”; outros, no próprio pé. In: DAOUN,

Alexandre Jean et al... op. cit. p. 166-167.

II- Ofensa ao princípio federativo, por ter a Lei usurpado dos Estados a

atribuição de emitir os registros e portes de armas de fogo, contrariando

a competência residual dos Estados para legislar sobre segurança

pública;

III- Lesão ao direito de propriedade pela necessidade de renovação dos

registros das armas de fogo;

IV- Proibição da fiança e liberdade provisória;

V- Afronta ao princípio da razoabilidade relativamente aos dispositivos que

versam sobre o cadastramento dos canos das armas, das impressões

do raiamento e de microestriamento do projétil disparado, bem como

das munições que devem trazer marcas identificadoras;

VI- Idade mínima de 25 anos para aquisição de armas de fogo;

VII- Afronta à competência exclusiva do Congresso Nacional para

determinar a realização de um referendo, que não poderia ter sido feito

por lei ordinária.

Num posicionamento bastante conservador e pouco democrático, o STF julgou

todas as alegações improcedentes, à exceção da proibição da liberdade provisória e

fiança. Nesse quesito, diz o Ministro Relator que a proibição de estabelecimento de

fiança para os delitos de "porte ilegal de arma de fogo de uso permitido" e de "disparo

de arma de fogo", mostra-se desarrazoada, porquanto são crimes de mera conduta,

que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à

propriedade.

Quanto à insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos

elencados nos arts. 16, 17 e 18, a inconstitucionalidade foi reconhecida, visto que o

texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de

inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela

autoridade judiciária competente.

Como não encontraram eco no Supremo, os demais dispositivos não merecem

uma análise mais apurada. Contudo, chega a ser curiosa a justificativa dada pelo

Ministro Relator à alegação de constitucionalidade da idade mínima de 25 anos para a

aquisição de armas: a maior mortalidade dos jovens de 20 a 24 anos por armas de

fogo. Ora, é até ingênuo achar que o aumento da mortalidade dessa faixa etária em

conseqüência da violência urbana tenha se dado pelas ínfimas armas de fogo vendidas

aos maiores de 21 anos, sob a égide da Lei 9.437/97. É de conhecimento público e

notório que a grande maior parte das mortes violentas dos jovens está ligada a acertos

de contas do tráfico de drogas, que por certo não são levados a cabo com armas

adquiridas legalmente.

Perdeu o Pretório Excelso a chance de amenizar o impacto social do malfadado

Estatuto. Contudo, ao menos reconheceu a flagrante e indubitável inconstitucionalidade

da proibição da fiança e liberdade provisória.

Por fim, é cabível inferir que, na análise dos descompassos do Estatuto com a

Carta Magna, o intérprete não está autorizado a levar raciocínios a contrariu sensu às

últimas conseqüências, sob pena de chegar a conclusões absurdas, com as quais um

jurista sensato não pode concordar. Um bom exemplo dessa interpretação

demasiadamente extensiva da Constituição está no artigo de CASTELO BRANCO, que

diz:

A nossa Constituição, muito embora não traga em seu bojo qualquer

determinação expressa outorgando ao cidadão o direito de possuí-las e

portá-las, em uma oportunidade descrita no art. 5º, XVI, proíbe, especificamente, o

porte de armas: em reuniões celebradas em locais abertos ao público – ‘todos

podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,

independentemente de autorização...’. Esta disposição proibindo o porte em

uma situação específica, poderia levar o intérprete à conclusão de que nos

demais casos o porte estaria autorizado

98

.

No mesmo sentido, por mais que se queira dar respaldo constitucional à posse

de armas pelos cidadãos comuns, não se pode concordar com TEIXEIRA, que defende

que o art. 5º, XI, da CF dá direito ao uso e posse de armas de fogo, como meio

necessário para impedir que alguém adentrasse seu domicílio

99

. Parece claro que a

vontade do constituinte ao garantir que “a casa é o asilo inviolável do indivíduo”, era

garantir os cidadãos contra as arbitrariedades das autoridades estatais, não autorizar o

uso de armas de fogo.

98

CASTELO BRANCO, Fernando.A insegurança pública... op. cit. p. 131.

Deste modo, afere-se que a Carta Magna é omissa quanto ao direito dos

cidadãos terem ou portarem armas. Não se pode, contudo, levar alguns incisos do art.

5º ao extremo, com o intuito de se conseguir uma falsa autorização do constituinte para

o uso ou posse das armas de fogo. Assim, cabe ao legislador infraconstitucional

disciplinar integralmente a matéria, com a estrita observância dos preceitos fundantes

do Estado brasileiro, dispostos no Texto Maior. Contudo, como se viu, não é o que

ocorre com o Estatuto do Desarmamento.

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