• Nenhum resultado encontrado

2.4.   A educação superior 24

2.4.1.   O estudante de ensino superior e suas peculiaridades 24

Desde a década de 90, o estudante de ensino superior tem sido visto como um consumidor e o mercado de educação superior reconhecido como bastante heterogêneo (Tonks & Farr, 1995). No entanto, mesmo enquanto consumidor, o estudante não pode ser analisado como um consumidor comum de algum produto ou serviço corriqueiro. Ele pode ser considerado um consumidor de habilidades e conhecimento, que busca por meio da educação um aperfeiçoamento intelectual e profissional, um aumento de seu capital intelectual. Supõe-se que quando reconhece a necessidade de buscar um curso superior, reconhece que precisa ampliar seus conhecimentos e habilidades acadêmico-profissionais, que por sua vez poderiam melhorar sua vida de alguma forma. Para cada tipo de estudante pode existir uma série de questões incentivadoras da busca por essa formação educacional. Na presente proposta de pesquisa, baseada no estudo sobre comportamento do consumidor, o estudante será considerado um consumidor, mas será muitas vezes referenciado como um estudante. Mesmo que a relação estudante-IES não seja típica de consumo, envolve relações formais ou comerciais, como a contratação do serviço por meio da matrícula, seja em IES privadas ou públicas. Portanto, optou-se por considerá-lo um consumidor e por analisar esta relação estudante-IES por meio de um modelo de comportamento do consumidor.

Embora o consumo esteja inserido em um contexto cultural que envolve pensamentos, sentimentos e comportamentos dos consumidores (Arnould, Price & Zinkhan, 2004), isso não significa que todos têm as mesmas necessidades e expectativas. O mesmo ocorre no mercado educacional superior, onde segmentação é utilizada como estratégia para a melhor compreensão e adequação do serviço às necessidades específicas

de cada tipo de consumidor. A segmentação, de acordo com Statt (1997), busca o posicionamento do produto ou serviço, que é peça fundamental para a preferência e escolha do consumidor. Arnould et al. (2004) definem segmentação de mercado como o processo de dividir o mercado em grupos identificáveis de consumidores similares. Já o posicionamento do produto é definido por Mowen e Minor (2003) como uma tentativa de influenciar a demanda do produto por meio do desenvolvimento e da promoção de um produto com características específicas que o diferenciem dos concorrentes. Essa é uma questão que tem levantado interesse dos pesquisadores focados em comportamento do consumidor, principalmente no que tange aos fatores ambientais e individuais que estão envolvidos no processo de consumo. Para que isso seja investigado no mercado de educação superior é preciso analisar o comportamento de cada segmento de estudante.

O mercado educacional brasileiro mudou muito nos últimos anos e tem experimentado novos desafios continuamente. A ampliação do número de instituições privadas, em 152% entre 1997 e 2006, por exemplo, vem acirrando a competitividade e propiciando um grande crescimento dos investimentos em publicidade no setor. Não basta, no entanto, apenas aumentar os investimentos em publicidade, é fundamental que estes sejam feitos de forma adequada, com pesquisas de mercado embasadas nas reais necessidades do estudante. Isso significa que, antes de iniciar qualquer análise do mercado educacional superior ou de estabelecer uma linha de comunicação com o estudante de modo geral, na tentativa de oferecer um serviço adequado, é necessário conhecer tal estudante, conhecer suas características e demandas específicas.

Os estudantes podem ser divididos em dois grandes grupos com perfis distintos. Esses dois segmentos são de estudantes tradicionais e de estudantes não-tradicionais. Os estudantes tradicionais de ensino superior são aqueles que estudam e não trabalham, têm entre 18 e 24 anos de idade, ingressaram na educação superior pouco tempo após a conclusão do ensino médio e são sustentados pela família (pais ou parentes). Os estudantes não-tradicionais, conforme definição de Ely (1997), são mais velhos, com 25 anos de idade ou mais, mantêm responsabilidades adicionais da vida adulta, tais como: emprego, família e compromissos financeiros (Senter & Senter, 1998). Além disso, os não-tradicionais, após a conclusão do ensino médio, geralmente passaram vários anos sem estudar até decidirem ingressar em uma instituição de ensino superior. Bean e Metzner (1985) apontam que os motivos que levam esses estudantes a deixar sua formação acadêmica após o ensino médio são geralmente desconhecidos, mas que o ambiente externo afeta muito mais o estudante não-tradicional que o tradicional.

Dentre os estudantes não-tradicionais e tradicionais, existe um grupo de estudantes que vem crescendo continuamente no Brasil devido ao seu histórico sócio-cultural de baixa escolaridade. São chamados de estudantes de primeira geração e definidos como pessoas que quebraram a tradição familiar de baixa escolaridade e são os primeiros da família a ingressar em um curso superior, ou seja, seus pais possuem nível de escolaridade de até, no máximo, ensino médio (Billson & Terry, 1982; Inman & Mayes, 1999; London, 1989; Nunez & Cuccaro-Alamin, 1998; Terenzini, Springer, Yaeger, Pascarella & Nora, 1996).

Hodgkinson (1985) e Upcraft (1996) desenvolveram estudos identificando que as IES estadunidenses se tornaram mais acessíveis a mulheres, minorias raciais e estudantes de baixa renda. Isso permitiu que o perfil tradicional do estudante do ensino superior mudasse com relação à idade, classe social, sexo, raça e até mesmo saúde. Esse quadro possibilitou que muitos estudantes fossem os primeiros de suas famílias a possuir uma educação superior, ou seja, a primeira geração.

Nos Estados Unidos há uma considerável preocupação com o mercado de IES que vem crescendo desde os anos 1980, sendo objeto freqüente de estudo. No Brasil, por outro lado, pouco tem se estudado com relação aos estudantes de primeira geração e menos ainda quanto aos não-tradicionais. Polydoro e Freaza (2004a, 2004b) identificaram que os estudantes de primeira geração apresentam diversas características distintas dos das demais gerações e aparentemente enfrentaram mais dificuldade no processo de ingresso na universidade estadual brasileira investigada.

Outro estudo relativo a estudantes de primeira geração foi desenvolvido por Alfinito, Torres e Barros (2007a) com estudantes de uma universidade pública na capital do país. Os resultados mostraram que aqueles de primeira geração têm maior tendência a fazer um curso superior com o objetivo de fazer concurso público que os demais alunos; que eles, em maior proporção que os demais, tendem a não fazer o curso que realmente gostariam; dão mais prioridade à sua formação superior; durante o ensino médio, declararam ter um ambiente de estudo menos favorável ao estudo; não avaliaram seus pais como referência acadêmica em suas vidas.

Talvez a reduzida preocupação no Brasil em aprofundar estudos sobre o novo perfil do corpo discente deva-se ao fato do crescimento deste mercado ser recente. O grande aumento de IES privadas no país ocorreu a partir de 1997, influenciado pelas mudanças promovidas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sancionada em dezembro de 1996 (Brasil, 2006a). Considerando este complexo mercado e a ausência de estudos específicos para o Brasil, a segmentação quanto aos tipos de estudantes brasileiros merece

uma atenção particular, pois pode prover informações fundamentais para a melhor comunicação e atendimento aos mesmos.