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A Sociolinguística, como área de estudos linguísticos, surgiu na década de 60 do século XX, a partir das pesquisas que relacionavam as questões sociais e culturais da linguagem, desenvolvidas por pesquisadores das áreas da Antropologia, da Sociologia e da Linguística, tais como: Gumperz (1962), Hymes (1962), Labov (1963), Fishman (1968), Bright (1974), dentre outros.

A constituição da Sociolinguística fez-se, claramente, a partir das atividades de vários pesquisadores que deram continuidade à tradição, iniciada no início do século XX, por Franz Boas e seus discípulos mais renomados, Edward Sapir e Benjamin L. Worf, membros da chamada Antropologia Linguística, vertente que concebe a linguagem, a cultura e a sociedade como fenômenos inseparáveis.

Entretanto, o termo “Sociolinguística” foi usado pela primeira vez em 1964, durante um congresso realizado na University of California, Los Angeles (UCLA), organizado por William Bright. Dois anos mais tarde, em 1966, Bright organizou e publicou os trabalhos apresentados nesse congresso com o título Sociolinguistics (ALKMIM, 2006).

A caracterização dessa nova área apareceu, primeiramente, na obra As

dimensões da Sociolinguística, de William Brigth. Para o autor, a tarefa da

Sociolinguística seria “[...] demonstrar a covariação sistemática das variações linguísticas e sociais e, talvez, até mesmo demonstrar uma relação causal em uma ou outra direção [...]” (BRIGHT, 1974, p.17).

Assim, a fixação do campo dessa nova área de estudos linguísticos deu-se com a definição do seu objeto de investigação que é: “[...] a língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações de uso” (ALKMIM, 2006, p.28-31). Desse modo, a Sociolinguística passou a estudar a variação, entendendo-a como um princípio geral e universal de todas as línguas, passível de ser descrita e analisada cientificamente (MOLLICA, 2003).

Em outras palavras, a Sociolinguística surgiu com o objetivo de analisar e sistematizar o aparente „caos‟, fruto das variantes linguísticas, usadas pelos membros de uma mesma comunidade de fala (c.f. TARALLO, 1985). Nesse sentido, podemos dizer que a Sociolinguística busca “[...] descrever o comportamento

linguístico do falante nas diferentes situações em que há covariação entre o linguístico e o social [...]” (VANDRESEN, 1973, p.607).

A variação ocorre em todos os níveis da língua (fonético-fonológica, morfológico, sintático, semântico, lexical e estilístico-pragmática), de modo que “[...] a variação não é aleatória, fortuita e caótica, muito pelo contrário, ela é estruturada, organizada e condicionada por diferentes fatores” (BAGNO, 2007, p.40).

Alkmim (2006) afirma que os falantes podem mudar de variedades linguísticas sem que seja preciso mudar de comunidade ou posição social. Desse modo, toda comunidade linguística usa as variantes linguísticas que lhes são adequadas, isto é, utiliza-se de um sistema próprio que lhe permita comunicar sem se preocupar com as regras gramaticais da norma padrão.

Para Camacho (2006), um mesmo falante pode usar diferentes variantes linguísticas, dependendo do contexto social em que está inserido, adequando-se a determinadas situações de comunicação. De acordo com Aguilera (2008), a variedade linguística consiste em um traço definidor da identidade do grupo (etnia, povo), e, desse modo, qualquer atitude em relação aos grupos com determinada identidade pode tratar-se de uma reação às variedades usadas por esse grupo ou aos indivíduos usuários dessa variedade.

Segundo Calvet (2002), a variação linguística está distribuída em três tipos: variações diatópicas, diastráticas e diafásicas. Os tipos de variação que mais sofrem com a questão do preconceito linguístico são as variações diatópicas e diastráticas, pois as primeiras contemplam o falar regional, que, dependendo do status socioeconômico do lugar, pode ser avaliado de forma negativa; já com relação às variações diastráticas, há uma estreita relação entre o nível de escolarização e a camada social, aos quais o indivíduo pertence; neste caso, quanto maior for a escolaridade do sujeito e a classe social a que ele pertence, maior é a apreciação da variante que ele utiliza (PAIVA; SOARES, 2009).

A Sociolinguística, enquanto área da ciência dos estudos linguísticos, ocupa- se em investigar a relação entre língua, cultura e sociedade, já explorada por estudiosos de outros campos das ciências humanas e sociais, antes mesmo de seu surgimento. Na visão de Vandresen (1973), o que a Sociolinguística traz de novo é a concepção de que tanto a língua como a sociedade são estruturas, e que, por isso, as variações na estrutura linguística estão sistematicamente relacionadas às variações na estrutura social.

Nesse contexto, a Sociolinguística estabeleceu uma área de estudo voltada para a investigação do fenômeno linguístico no contexto social, contrapondo-se à tendência tradicional nos estudos da Linguística que não considerava relevante as relações entre a língua e a sociedade. A partir da década 60 do século XX, surgiram várias correntes de investigação centradas no tratamento do fenômeno linguístico e relacionadas ao contexto social e cultural, mas que se diferenciavam, sobretudo, pela vinculação ao campo das ciências humanas, a saber: Linguística, Antropologia e Sociologia.

Conforme Bortoni-Ricardo (2005), existem duas grandes tendências dentro da Sociolinguística: uma abordagem proposta pelos teóricos enquadrados na Sociolinguística Variacionista de William Labov (1963, 1972), para os quais as normas e as categorias sociais são pré-existentes e atuam como parâmetros influenciadores dos usos linguísticos; e outra abordagem proposta pelos seguidores da Sociolinguística Interacional de John Gumperz (1968), que consideram a interação constitutiva da própria ordem social, linguística e cultural.

A vertente de estudos sociolinguísticos de cunho quantitativo iniciou-se nos Estados Unidos com William Labov (1963), que publicou os resultados de uma pesquisa realizada na comunidade da ilha de Martha`s Vineyard em Massachusetts. Nessa obra, o autor destacou a interferência exercida pelos fatores sociais (sexo, idade, ocupação, origem étnica, atitude e comportamento dos falantes da ilha) no fenômeno da variação linguística (ALKMIM, 2006).

No entanto, foi em 1964, ao investigar a estratificação do inglês em New York, que Labov deixou uma de suas maiores contribuições – o modelo de descrição e interpretação dos fenômenos linguísticos no contexto social – denominado de Teoria da Variação e/ou Sociolinguística Variacionista (ALKMIM, 2006). E, até hoje, a Teoria Variacionista tem grande destaque nos estudos linguísticos, dentre outros motivos, pela possibilidade de sistematizar as variações da língua em diferentes contextos de uso (LOPES, 2000).

De acordo com os postulados da Teoria Variacionista, a língua e a variação são inseparáveis. As línguas não são homogêneas e a variação/diversidade linguística é observável em todas as línguas (ALKMIM, 2006). De fato, a natureza variável da língua é um pressuposto básico da Sociolinguística:

[...] a natureza variável da língua é um pressuposto fundamental, que orienta e sustenta a observação, a descrição e a interpretação do

comportamento linguístico. As diferenças linguísticas, observáveis nas comunidades em geral, são vistas como um dado inerente ao fenômeno linguístico (ALKMIM, 2006, p. 42).

Paralelamente aos estudos da Sociolinguística Variacionista, também se destacaram os estudos sociolinguísticos de natureza qualitativa de base antropológica, cuja preocupação principal é a articulação da língua e dos aspectos de natureza social e cultural.

A Sociolinguística Interacional (SI) foi desenvolvida por John Gumperz com o propósito de estudar o uso da língua na interação social, levando em conta o contexto sociocultural dos falantes. Ribeiro e Garcez (2002, p.8) explicam que essa abordagem de base fenomenológica fundamenta-se “[...] ancorada na pesquisa qualitativa empírica e interpretativa [...]” para investigar as interações sociais (relações interpessoais), apoiando-se não apenas no aspecto linguístico, mas também no aspecto social e cultural (CASTANHEIRA, 2007).

Ao conceber a linguagem como meio de interação, considera-se o uso da língua como atividade de interação humana através da qual os indivíduos praticam ações de fala ou de escrita, considerando o contexto comunicativo. Para os defensores dessa concepção (crença), a língua é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas, em diversas esferas da comunicação da atividade humana (BAKHTIN, 1988). Sendo assim, reconhecer a língua como forma de interação significa entendê-la em sua natureza social e histórica. Nessa perspectiva, a diversidade linguística é extremamente importante, pois se validam os diferentes modos de usos linguísticos, isto é, a variação linguística.

A concepção assumida pelos sociolinguistas é a de que a linguagem é uma forma de constituição das relações sociais, ou seja, é na interação que se estabelecem os discursos e, consequentemente, a comunicação, uma vez que as condições sociais e históricas em que o ato comunicativo ocorre são consideradas partes integrantes da interação (SOARES, 1998).

Nessa direção, a Sociolinguística, enquanto área dos estudos linguísticos “[...] pode ser vista como o ponto de partida de novas correntes e orientações de pesquisas, centradas no trato do fenômeno linguístico relacionado ao contexto social e cultural [...]” (ALKMIM, 2006, p.43). Desde então, os pressupostos da Sociolinguística têm trazido muitas contribuições para subsidiar os currículos e as práticas pedagógicas de ensino de língua materna e de língua estrangeira no Brasil.

A publicação do trabalho de Labov e de seus seguidores da dialetologia, acerca da interferência da língua materna dos alunos na aprendizagem da leitura e escrita, possibilitou o surgimento de uma nova vertente de estudos dentro da área de estudos sociolinguísticos, preocupada em compreender os fenômenos linguísticos no ambiente escolar (COOK-GUMPERZ, 1987). Essa vertente atualmente é denominada de "Sociolinguística Educacional", termo usado por Bortoni-Ricardo (2005, p.128) para representar, de modo geral, “[...] todas as propostas e pesquisas sociolinguísticas que tenham por objetivo contribuir para o aperfeiçoamento do processo educacional, principalmente na área do ensino de língua [...]”.

A partir de então, os pressupostos teóricos da Sociolinguística (Variacionista, Interacional e Educacional) têm contribuído para a discussão acerca da variação linguística, especialmente, no ambiente acadêmico, através dos programas dos cursos de formação de professores de língua materna (LM) e de língua estrangeira (LE), e por meio dos processos de ensino/aprendizagem de línguas em sala de aula.

Ao trazer essas considerações para o universo das crenças, dizemos que os pressupostos da Sociolinguística também podem influenciar a mudança das crenças de alunos/formandos sobre a variação linguística. E, dessa forma, podem trazer muitas implicações para os processos de ensino/aprendizagem de línguas e para a formação de professores de línguas (LM e LE).

Barcelos (2004) destaca três possíveis implicações das crenças para o ensino e aprendizagem de línguas, bem como a formação de professores, a saber: a relação entre as crenças e ações (as crenças tanto podem influenciar o comportamento de alunos e/ou professores, como também ser influenciada por diversos fatores); o incentivo da tomada de consciência dos alunos (futuros professores); isso requer formar professores críticos e reflexivos sobre suas próprias, crenças e as crenças de modo geral; a necessidade de orientar os alunos (futuros professores) a trabalharem com a diversidade das crenças e os possíveis conflitos em virtude dessas crenças (BARCELOS, 2004; SILVA, 2005; 2007).

Nesse sentido, reiteramos a importância dos pressupostos teóricos da Sociolinguística para a discussão e a reflexão acerca da abordagem da variação linguística nos cursos de formação de professores de língua materna e de língua estrangeira. Dessa forma, a prática reflexiva destaca-se por ter um papel importante

no processo de mudança das crenças acerca da língua/linguagem, dos mitos linguísticos e da diversidade linguística.

Acreditamos que, nos cursos de formação de professor de línguas, as discussões sobre a variação linguística contribuem de forma decisiva para a reflexão dos alunos sobre língua e seus usos. E, assim como propõe Dogliani (2008), entendemos que na Universidade o desencadeamento da consciência crítica frente à variação/mudança linguística pode ser fomentado por meio de um trabalho interdisciplinar entre as licenciaturas de LM e de LE. A proposta é que a didática integrada das línguas possa sensibilizar os alunos quanto à questão da diversidade linguística.

3 METODOLOGIA