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O estudo da variação linguística em função da dimensão estilística

4 VARIAÇÃO ESTILÍSTICA DA LINGUAGEM: A DIMENSÃO DO

4.2 O estudo da variação linguística em função da dimensão estilística

O estruturalismo saussuriano, ao realizar um recorte nos fenômenos da linguagem, priorizou, em seus estudos, a langue, como objeto de análise, concebida como um fato social48, separando, nos fenômenos linguísticos, aquilo que é geral e social, do que é particular e individual. E conceituou dessa forma a língua como um “sistema de signos, onde de essencial, só existe a união do sentido a imagem acústica.” (CLG, 1916, p. 23), argumentando que essas unidades que constituem a língua mantêm entre si uma relação de interdependência. E é a partir dessa ideia que o autor fixa, no campo dos estudos da linguagem, o conceito de estrutura atrelado à noção de língua como um sistema, constituído por signos definidos a partir de relações interdependentes, dualistas e opositivas.

Ao adotar esse viés metodológico, Saussure opta por não envolver a fala – parole -

48 A língua é vista em Saussure como um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções, adotado pela sociedade para permitir o desenvolvimento dessa faculdade, “ela existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos.” (CLG, 1916, p. 27).

tida como um fator externo à língua, na sua abordagem teórica, e institui, portanto, um objeto próprio para a ciência da linguagem, criando um recorte epistemológico com apenas um aspecto da linguagem, a língua. E por argumentar que é o ponto de vista que cria o objeto (CLG, 1916, p. 15), Saussure seleciona somente os aspectos do fenômeno linguístico que presume constituir o ponto de vista teórico sobre a linguagem. Por isso que, para Camacho (2013, p. 40), “a língua saussuriana é, em última análise, uma essência que representa exatamente a subordinação do objeto à determinada perspectiva metodológica.”

Isso, segundo o autor, cria um objeto científico segregado da teia de relações sociais constitutiva de todo discurso. Tem-se, assim, um objeto de estudo de natureza estritamente linguística, já que o essencial à linguística é a estrutura interna dos fatos da linguagem, desvinculada de qualquer motivação externa que possa intervir na homogeneidade da linguagem.

Embora rompa com o paradigma estrutural de Saussure, Chomsky (1975) é conivente com a escolha do objeto da linguística, ao adotar também a língua, e não a fala, como objeto de estudo, porém, não a vê como uma instituição social. Para Chomsky, a língua é um conhecimento natural concebido como patrimônio biológico que o falante possui. Este conhecimento é denominado de competência linguística.

Dessa forma, tanto Saussure ([1916], 1974), com o objeto centrado na forma da linguagem, quanto Chomsky (1975) pela abstração de um falante-ouvinte ideal, descartaram, em seus recortes teórico-metodológicos, a fala e todos os fenômenos empíricos nela observáveis, tornando o objeto da linguística abstraído de toda heterogeneidade existente na linguagem falada em uma dada comunidade linguística, manifestada pelo uso real da língua.

E foi em decorrência da adoção desse percurso teórico-metodológico pelo estruturalismo e gerativismo, que a variação social, e mais especificamente a variação estilística, ficou à margem das abordagens linguísticas das escolas do início do século passado, pois o estilo relaciona-se intimamente às situações de fala, referindo-se, segundo Labov, às escolhas linguísticas realizadas no contexto de fala imediato. Esse descarte da variação dos fatos linguísticos resultantes da variação de estilo representou, no âmbito dos estudos linguísticos, carência significativa de estudos que revelassem os padrões que governam as opções de fala individuais e a interferência da comunidade de fala na definição de tais padrões.

4.2.1 Estilo: alguns conceitos mais gerais

Segundo Labov (2001), o desenvolvimento da metodologia sociolinguística tem assistido a uma contínua tensão entre duas abordagens para o estilo contextual: a primeira, que concebe a mudança de estilo como fenômeno naturalístico e etnográfico, e a segunda, que a vê como dispositivo controlado para medir as dinâmicas da variação sociolinguística. Para o autor, a abordagem mais coerente e satisfatória é a naturalística, a qual poderá levá-lo a compreender como os falantes mudam as formas linguísticas no decorrer da interação comunicativa.

Por isso, Labov (2001) argumenta que a “mudança de estilo parece ser uma das chaves para o que é visto como problema central da teoria da mudança linguística: o problema da transmissão49”. (2001, p. 85 – tradução nossa), pois é perceptível que as crianças aprendem a falar com traços linguísticos diferentes de seus pais, da mesma forma que seus pais aprenderam a falar diferentemente dos pais deles.

De forma mais geral, a variação estilística refere-se às alternâncias no uso do código linguístico, tanto nos níveis fonológico, sintático, morfológico, lexical ou semântico- pragmático. Para Corvalán (2001) é fato que os indivíduos mudam a sua maneira de falar de acordo com o contexto físico e comunicativo em que se encontram. É recorrente essa adaptação às diferentes situações e condutas sociais. Por isso, certos termos lexicais podem ser apropriados em determinada situação de fala, mas não em outras, o que demonstra que a língua não é insensível às características sociais e contextuais de quem a usa.

O estudo inicial da variação estilística centrou-se mais nos aspectos fonológicos, como a própria pesquisa inicial feita por Labov sobre o /r/ na cidade de Nova York. Porém, nos anos recentes, ela vem se alargando a outros aspectos, por isso há motivação aqui em analisar a variação de estilo no uso das formas de referência à segunda pessoa do Português falado em Cametá (zona urbana), objetivando abstrair os fatores sociais/estruturais que estão associados à variação estilística, fazendo com que haja o favorecimento pela escolha de uma entre as três variantes (tu, você, e o(a) senhor(a)) que compõem a variável em estudo.

Outro ponto de vista sobre a mudança de estilo é o adotado por Bell (1984). O autor centraliza seu objeto de análise não mais no falante, como fez Labov, mas sim no ouvinte, isto é, na audiência do falante50, sendo esta a responsável pela mudança nos parâmetros

49

No original: “Style- shifting seems to be one of the keys to what we now see as the central problem of the theory of language change: the transmission problem.”

linguísticos adotados pelo falante. A proposta de Bell é uma crítica ao modelo de Labov sobre o estudo da variação estilística, pois, para aquele autor, o falante não alterna a maneira de falar porque atribui maior ou menor atenção a sua fala, mas sim porque deseja acomodar sua linguagem ao seu público interlocutor. Por isso, a mudança de estilo, de acordo com Bell, é uma resposta do falante ao seu público, logo, centra suas observações nas relações entre os falantes - interfalante -, observando como a linguagem deste é moldada em função de sua audiência, ou seja, como o destinatário afeta na alternância de estilo do falante. Segundo o autor,

A inter-relação da variação interfalante, variação intrafalante e avaliação linguística é uma prova crucial sobre a derivação e a natureza da mudança de estilo. Qualquer estrutura que desenvolvemos para descrever mudança de estilo deve dar uma explicação satisfatória desses relacionamentos51. (BELL, 1984, p. 150-151 – tradução nossa).

Torna-se necessária, então, a correlação de uma mesma variável linguística entre as duas dimensões, social e estilística, no dizer do próprio Labov (1972). Para Bell (1984), a inter-relação existente entre essas duas relações extralinguísticas deve ser vista como uma derivação, expressa como um axioma da estrutura sociolinguística, que chama de axioma de

estilo52. Assim, acredita que “a variação na dimensão de estilo dentro do discurso de um único falante deriva e ecoa da variação que existe entre os falantes na dimensão ‘social’53”. (BELL, 1984, p. 151 – grifos no original - tradução nossa).

E para justificar isso, Bell (1984) ilustra seu posicionamento teórico a partir de uma relação de causa e efeito, mantida em três níveis. O primeiro nível opera no eixo sincrônico para um único falante que, em situações específicas de fala, alterna o seu estilo a fim de igualar a sua linguagem a de outro falante. O segundo, atua diacronicamente para falantes individuais que, com a evolução do tempo, muda seus padrões gerais de fala para igualar com outros falantes. Cita, como exemplo, aquelas pessoas que ao mudarem de regiões acabam assimilando o dialeto das pessoas daquele lugar. O terceiro nível age diacronicamente para todo um grupo de falantes que, com o tempo, muda a fala e passa a assemelhar-se linguisticamente a outro grupo.

É por isso que, para Bell, a variação estilística ocorre primeiro entrefalantes, e

51

No original: “ The interrelation of interspeaker variation, intraspeaker variation, and linguistic evaluation is crucial evidence on the derivation and nature of style shift. Any framework we develop to describe style must give a satisfying account of these relationships”.

52

No original: “Style Axiom”. 53

No original: “Variation on the style dimension within the speech of a single speaker derives from and echoes the variation which exists between speakers on the “social” dimension”.

posteriormente acontece subjetivamente na mente do indivíduo, através das escolhas por este realizadas no momento da fala. Então,

Se a variação de estilo deriva da variação social, esta vem em primeiro lugar. Então podemos esperar que, qualitativamente, algumas variáveis linguísticas terão tanto variação social e variação de estilo, algumas apenas variação social, mas nenhuma apenas variação de estilo – porque o estilo pressupõe o social54. (BELL, 1984, p. 151-152 – tradução nossa).

Contudo, o autor chama atenção para o fato de não se conceber necessariamente a variação entrefalantes, como decorrente da estratificação social dos falantes e de sua língua (idade, sexo, escolaridade, procedência), pois esta é apenas uma forma de variação entrefalantes, a qual igualmente pode fornecer o recurso para a variação intrafalante.

Seguindo o raciocínio do autor, diríamos então que a variação de estilo é derivada da variação social e que esta vem primeiro. Se assim for, poderíamos correlacionar mudança de estilo aos traços qualificadores, mas não do falante e sim do ouvinte. Logo, entenderíamos o porquê da audiência do falante - Audience design - pois este, tende a acomodar ou adequar o seu estilo de fala, aos traços característicos de seu interlocutor, o que torna este o motivo principal da alternância de estilo pelo falante. E não são os traços sociais do falante (idade, sexo, faixa etária) que interferem em sua mudança de estilo, como pensado nos estudos sociolinguísticos labovianos. Esse público ouvinte não se constitui necessariamente somente do destinatário, segunda pessoa do discurso, mas de todos os ouvintes reconhecidos ou não pelo falante ou que fazem parte do processo de interação verbal.

A característica principal da audiência é a segunda pessoa - addressee – a qual é reconhecida, ratificada e endereçada pelo falante. Poderá haver outros participantes da interação, classificados como terceiros, estes podem ser: auditores – auditors - presentes e de reconhecimento pelo falante, mas que não são diretamente endereçados; ouvintes não ratificados – overhearer, mas o falante possui consciência de sua presença; os presentes, mas que não são ouvintes ratificados; e os ouvintes, cuja presença não é reconhecida pelo falante –

eavesdropper, ou seja, o falante não tem nem mesmo consciência de sua presença.

Esses papeis desempenhados pela audiência possuem função estabelecida pelo falante, ordenada de acordo com o grau de reconhecimento ou não. E a mudança de estilo irá depender justamente da distância estabelecida entre o falante e tais papeis interacionais.

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No original: “If style variation derives from social variation, social variation comes first. So we can expect that, qualitatively, some linguistic variables will have both social and style variation, some only social variation, but none style variation only – because style presupposes the social”.

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