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O estudo de Labov na ilha de Martha´s Vineyard

CAPÍTULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E

2.1 Sociolinguística – Teoria da Variação e Mudança

2.1.1 O estudo de Labov na ilha de Martha´s Vineyard

Labov na ilha de Martha´s Vineyard. Labov afirma que dificilmente compreenderíamos o desenvolvimento de uma mudança linguística deixando de lado o contexto social da comunidade em que ela ocorre. Nos termos do autor, “as pressões sociais estão operando continuamente sobre a língua, não de algum ponto remoto no passado, mas como uma força social imanente agindo no presente vivo” (LABOV, 2008 [1972], p.21).

Os critérios usados pelo autor para fazer a seleção da variável linguística que seria analisada por ele, foram: a frequência de sua ocorrência na fala espontânea, seu caráter estrutural e a distribuição estratificada do traço, de modo que fosse possível mapear seus contextos de uso. Nos termos do autor:

Primeiro, queremos um item que seja frequente [...] Segundo, deve ser estrutural: quanto mais integrado o item estiver num sistema mais amplo de unidades funcionais, maior será o interesse linguístico intrínseco do nosso estudo. Terceiro, a distribuição do traço deve ser altamente estratificada: ou seja, nossas explorações preliminares devem sugerir uma distribuição assimétrica num amplo espectro de faixas etárias ou outros estratos ordenados da sociedade. (LABOV, 2008 [1972], p.26).

Labov buscava um traço que fosse perceptível tanto pelo falante como pelo pesquisador. Para que pudessem ser mais claras as relações diretas entre as atitudes sociais e o comportamento linguístico. Com base nesses critérios, considerou que a variável mais interessante seria a centralização dos ditongos /ay/ /aw/: “A propriedade desse traço de centralização que o faz parecer excepcionalmente atraente, até mesmo à primeira vista, é a indicação de um complexo e sutil padrão de estratificação.” (LABOV, 2008 [1972], p.28). Ao invés de classificá-la simplesmente como “livre” ou “esporádica”, Labov vai mais a fundo e investiga o padrão que regula a distribuição dos ditongos centralizados na ilha.

A partir dos resultados de sua investigação, Labov acredita que o significado social da centralização está diretamente ligado à questão da identidade, ou melhor dizendo, à questão da identificação dos habitantes com a Ilha de Martha’s Vineyard. Nas palavras do linguista: “Quando um homem faz uso do traço fonético centralizado, está inconscientemente expressando o fato de que pertence à ilha: de que é um dos nativos a quem a ilha realmente pertence.” (LABOV, 2008 [1972], p. 57).

Nessa perspectiva, a centralização distingue um dialeto local, assim como acontece com outros traços em diversas outras regiões. Esse traço identitário parece ter se desenvolvido de maneira complexa, pois, devido à existência de diversos grupos na ilha que, por pressões econômicas e sociais reagem de maneira distinta ao afirmarem seu status de autêntico ilhéu, não temos algo que se possa chamar de uniforme ou padrão. Labov aponta algumas explicações possíveis para o aumento da centralização dos ditongos analisados que se referem a cada grupo (particularmente de origem inglesa, portuguesa e indígena) de maneira distinta.

No grupo de origem inglesa, mais especificamente as famílias mais antigas, existe uma luta contra a decadência da economia e contra o

aumento cada vez maior dos veranistas que compram muitas de suas terras ao longo da ilha. Esse grupo se localiza mais na área rural da ilha, especialmente em Chilmark, local tipicamente de pescadores. Nesse mesmo grupo, os mais jovens buscam sua referência nos seus “ancestrais”, ao tentarem afirmar sua identidade, carregando também a convicção de que a ilha lhes pertence. Sendo assim, ao desejarem permanecer na ilha se fazem valer desse modo de pensar. Por outro lado, caso queiram sair da ilha, adotam um grupo de referência externo. Assim, o significado social da centralização nesse grupo evidencia os valores locais, tomando como referência os valores das gerações passadas.

Já os indivíduos do grupo de origem portuguesa, que sempre tiveram como referência o grupo dos ingleses, ao alcançar posições sociais mais privilegiadas socialmente, buscam não mais se firmar como portugueses, e sim, da mesma maneira que grupos mais antigos, fixando sua identidade como nativos. Como os portugueses não enfrentam o dilema ‘ficar ou sair’, seu maior desafio é igualar-se ao grupo dos ingleses. Entre eles, torna-se menos urgente minimizar os efeitos de ser português e mais urgente assentar sua identidade como ilhéu; daí o significado social da centralização nesse grupo.

O grupo indígena, por sua vez, vivencia um contraste de valores: de um lado, gostariam de manter sua identidade indígena, mas não conseguem fazer valer esse desejo; por outro lado, acabam adotando muitos dos valores de Chilmark, ou seja, referentes aos antigos descendentes dos ingleses.

Na Tabela 1 a seguir, podemos notar que os dados indicam um alto grau de centralização nos ditongos por parte do grupo de etnia inglesa com idade entre 31 e 45 anos. A respeito disso, Labov acredita que, uma vez que esse grupo experienciou tensões mais incidentes, por ter convivido, mais de perto, com o declínio da economia pesqueira e com o respectivo aumento da economia turística, e mesmo assim não abandonou a ilha, seu sentimento de diferenciação em relação aos turistas é grande. O mesmo também ocorre nos outros grupos étnicos. Sendo assim, os nativos acentuam o uso do traço característico de sua fala como um modo de se opor ao grupo dos veranistas – “invasores”. Isso também pode ser entendido com uma tentativa de delimitação de um território pelo seu dialeto – a língua com um fator preponderante de identidade social.

Tabela 1: Centralização do ditongos [ay] e [aw] em Martha’s Vineyard, por grupos étnicos e faixa etária.

Ingleses Portugueses Indígenas Faixa etária (ay) (aw) (ay) (aw) (ay) (aw)

Mais de 60 36 34 26 26 32 40

46 a 60 85 63 37 59 71 100

31 a 45 108 109 73 83 80 133

Menos de 30 35 31 34 52 47 88

Todas as Idades 67 60 42 54 56 90

Fonte: Labov. (In: Labov, 2008 [1972], p. 46)

Labov resume a explicação sobre o valor social da centralização nos seguintes termos:

Em suma, podemos dizer que o significado da centralização, a julgar pelo contexto em que ocorre, é uma atitude positiva em relação a Martha’s Vineyard. Se agora desconsiderarmos a faixa etária, a ocupação, o grupo étnico e a geografia para estudarmos a relação da centralização com esta variável independente, poderemos confirmar ou rejeitar essa conclusão. Um exame completo da entrevista de cada informante nos permite situá-lo em uma destas três categorias: positiva – exprime sentimentos definitivamente positivos acerca de Martha’s Vineyard; neutra – expressa sentimentos nem positivos nem negativos acerca de Martha’s Vineyard; negativa – indica desejo de ir viver em outro lugar. (LABOV, 2008 [1972], p.59). Concluindo esta subseção, salientamos que, ao levar em consideração a Teoria da Variação e Mudança no tocante ao nosso trabalho, cabe também lembrar a afirmação de Le Page (1980) de que todo ato de fala é um ato de identidade. A linguagem é o índice por excelência da identidade. As escolhas linguísticas podem ser processos inconscientes e/ou conscientes que o falante realiza e estão associadas às diversas dimensões constitutivas da identidade social e aos múltiplos

papéis sociais que o usuário pode assumir na comunidade de fala. O que determina a escolha de uma ou outra variante é a situação concreta de comunicação. Sobre as escolhas linguísticas, que remetem mais especificamente a atitudes e crenças em relação à língua, trataremos na seção seguinte.