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O ethos corporativo

No documento RETÓRICA E MEDIATIZAÇÃO II (páginas 167-171)

Depois desta breve apresentação da estratégia de comunicação e relações públicas centrada nos valores ecológicos da Renova podemos questionar-nos sobre quais os elementos fundamentais à persuasão dos públicos alvo, desde os consumidores à sociedade como um todo. A nossa tese é que o sucesso de estratégias persuasivas centradas em va- lores ecológicos está directamente dependente da construção eficaz de um ethos corporativo verde.

Aristóteles definiu a retórica como a faculdade de descobrir especu- lativamente, o que, em cada caso, pode ser susceptível de persuadir. Na concepção clássica de retórica a persuasão é considerada um processo através do qual o orador, dotado de um certo carácter ou credibilidade (ethos) procura levar um determinado auditório, com as suas emoções próprias (pathos), mediante um discurso com um certo conjunto de argumentos lógicos (logos), a fazer um juízo relativo a uma determi- nada acção, à condenação ou absolvição de alguém, à apreciação ou depreciação de alguém ou alguma coisa. Ao apresentar os elemen- tos fundamentais da persuasão, no Livro I da Retórica, certamente que Aristóteles pretendia educar o orador individual e não o orador corpo- rativo. No entanto, parece-nos que o processo de esculpir e comunicar um determinado carácter apelativo é, em muitos aspectos, similar aos dois casos.

Investigadores no âmbito da comunicação, como os estudos do “Grupo de Yale” (Hovland, Janis & Kelley, 1953) identificaram o ethos de Aristóteles com a “credibilidade da fonte”. A credibilidade da fonte é a atitude em relação à fonte de comunicação tomada em determinado momento pelo receptor. Esta atitude é multidimensional. Ou seja, o êxito do orador não depende apenas do que disser mas também da ima- gem que projectar de si próprio no auditório. As pessoas são mais facilmente convencidas por oradores em quem confiam, mesmo que o argumento não seja muito forte. Já pelo contrário, se o argumento for forte, mas o receptor não confiar no orador ou não gostar dele, o apelo

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único à lógica raramente irá persuadir. Daí que o ethos do orador seja essencial.

Para despertar confiança no auditório o orador precisa que lhe reco- nheçam três qualidades: “sageza, virtuosidade e boa vontade” (Aristó- teles, 1378a). Segundo McCrosky & Teven (1999: 90), apesar das dife- rentes nomenclaturas é comummente aceite a existência de três dimen- sões de ethos/credibilidade da fonte: competência (qualificado, perito, inteligente), honradez (carácter recto, seguro, honesto) e boa intenção para com o receptor. É com base nestas dimensões que, de seguida, se ensaia uma proposta de análise do ethos corporativo produzido pe- las diferentes ferramentas comunicacionais da Renova. E, em última análise, demonstrar como o seu sucesso persuasivo depende da comu- nicação desse mesmo ethos.

1. Competência.

Se o orador conseguir projectar a imagem de ser alguém sagaz, qualificado, inteligente, mais facilmente a audiência irá confiar nos seus juízos de opinião. No caso da Renova Green, esta di- mensão do ethos sobressai, especialmente, na comunicação so- bre o Eco-label, uma “eco-ideia” Renova. O facto dos produtos serem certificados implica que houve peritos envoltos tanto na produção como na avaliação desse mesmo produto. Uma vali- dação claramente destacada pela peça televisiva “Minuto verde” da Quercus. Logo, a Renova transmite a imagem de que se trata de uma fonte de informação credível e de confiança quando fala de produtos amigos do ambiente, e também quando se afirma uma empresa verde. Ora, desde Edward L. Bernays que as rela- ções públicas são pródigas na “engenharia do consenso” ou seja, no desenho de estratégias persuasivas: não se limitam a emitir mensagens directas ao consumidor (como a publicidade faz suge- rindo “compre isto”) mas comunicam, também, através de peças informativas, nos meios de comunicação (onde líderes de opinião endossam mensagens e validam a credibilidade do emissor).

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2. Honradez.

Se o orador conseguir projectar uma imagem de virtuoso, possui- dor de bom carácter moral, a audiência irá pensar que se trata de um pessoa de confiança. Para se projectar uma imagem de honra- dez deve-se, por um lado, evitar afirmações que possam levar as pessoas a suspeitar de que o orador pode fazer algo pouco ético e por outro, ter em conta os valores do auditório. Ora, no caso da Renova, a identificação do orador com o seu auditório é cla- ramente visível na afirmação “Quando a gente ama é claro que a gente cuida!” e, na interpelação directa à acção ecologicamente responsável, com a mensagem inserida nas próprias embalagens Renova Green (ver figura 2). Também a própria Declaração Am- biental toma a forma de uma promessa que o orador corporativo pretende honrar:

“Esta Declaração Ambiental representa o nosso compromisso inequívoco com a Sustentabilidade e a sua importância no futuro da Renova, satisfazendo as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vindouras de satisfazer as suas próprias necessidades (. . . ) a Renova as- sume as suas responsabilidades e compromissos ambientais, permitindo a todas as partes interessadas partilhar os nossos esforços de minimização do impacto ambiental.”6

3. Boa intenção.

Se o orador estiver a tentar enganar, de alguma forma, o seu audi- tório, vai sempre transmitir essa sensação de suspeição. Se, pelo contrário, o orador tiver em mente as melhores intenções para com a audiência e não tiver nada a ganhar (ou nada de signifi- cante) com a mensagem transmitida, então, o auditório irá sen- tir que o orador está do seu lado. Segundo McCrosky & Teven

6Declaração Ambiental da Renova (pg. 2) in http://renova.ficheirospt.com/doc/

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(1999: 92) o mais importante sobre a dimensão da “boa von- tade/intenção para com o receptor” é que se trata de um “meio para abrir mais amplamente os canais de comunicação” e por- tanto, um importante factor persuasivo. Nesta dimensão, acres- centam ainda, podem-se identificar outros três elementos: com- preensão, empatia e sensibilidade – que, em conjunto, contri- buem para que o receptor da mensagem sinta que o emissor se preocupa com ele. A maneira mais óbvia de projectar essa boa vontade parece ser através do recurso a explicações sobre os be- nefícios de uma ideia ou sugestão. No caso da Renova, mais uma vez, esta dimensão do ethos parece sobressair nas próprias pala- vras do Director de Marketing da Renova, quando explica que os preços dos produtos Renova Green são iguais aos produtos Re- nova clássicos, para que fique ao critério do consumidor a opção de ter uma atitude amiga do ambiente.

Em suma, as três dimensões do ethos/credibilidade da fonte pa- recem ser contempladas, de forma clara, nas opções de comuni- cação desenvolvidas pela Renova Green. Publicidade, press rele- ases, os próprios produtos enquanto suportes informativos con- tribuem, em uníssono, para a construção de um ethos verde e ambientalmente responsável. Se o bom ethos for definido em re- lação à confiança depositada num orador, que consegue mostrar à audiência que pertence à mesma comunidade e, que partilha os seus objectivos e valores, então, em última análise, o processo persuasivo da Renova Green parece ser correcto e eficaz. Um exemplo, portanto, que pode ser seguido por todas aquelas em- presas que procurem construir uma identidade corporativa fun- damentada em valores ecológicos e sustentáveis.

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No documento RETÓRICA E MEDIATIZAÇÃO II (páginas 167-171)

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