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1. LITERATURA À SOMBRA DO DESABRIGO

1.1 PREÂMBULOS DO DESABRIGO

1.1.3 O exílio republicano de 1939

O exilio republicano espanhol representa um extenso campo de estudos. Servem como mostra desta afirmação a significativa ampliação, nas últimas duas décadas, da bibliografia que se dedica ao tema; e iniciativas, no âmbito acadêmico, como a criação do GEXEL (Grupo de

Estudios del Exilio Literario), dirigido por Manuel Aznar Soler; ou da Biblioteca del Exilio, portal alojado na Biblioteca Virtual Cervantes.

Frente à constatação de que por mais atraente que seja percorrer este campo31, era preciso delimitá-lo, optou-se neste trabalho por fazer uma

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Uma aproximação mais geral ao tema pode ser feita com a leitura de:

Andaluces en el exilio (con motivo de la Guerra Civil, 1936-1939). Coord.

Alfonso Ramos Torres. Sevilla: Consejería de Cultura, 2009; Literatura y

abordagem sumária e restrita às experiências de Aub, autor-chave da pesquisa.

Assim, a intenção deste item do capítulo é basicamente chamar a atenção do leitor para o intenso êxodo provocado pela Guerra Civil na Espanha, movimento que ajuda a compreender o que levou Max Aub a buscar refúgio na França, bem como as consequências daquele que foi o segundo exílio do autor.

Nesse sentido, o primeiro ponto a ser considerado relaciona-se com a dificuldade de quantificar o êxodo republicano em território francês, pois como observou Dora Schwarzstein (2001), as estimativas divergem e alguns autores chegam a calcular que no final da Guerra Civil Espanhola havia um milhão e meio de refugiados na França. Por esta razão, e considerando o fato de que a França se constituiu como um lugar de passagem para a maioria dos exilados republicanos, adotamos como parâmetro para a estimativa, dados do Relatório Valière (Rapport

Valière), documento divulgado pela Comissão de Finanças da Câmara

de Deputados do governo francês, em 9 de março de 1939, e citado por diversos autores – entre os quais Schwarzstein (2001) e Ferran de Pol (2003). O número de exilados à época de divulgação do documento seria, portanto, de 440 mil pessoas, número que muito provavelmente incluía os milhares de refugiados que cruzaram os Pirineus logo após a ocupação de Barcelona pelas tropas de Franco, em 26 de janeiro de 1939.

Segundo Bocanegra (2009), a expressiva leva de refugiados republicanos que cruzou as cordilheiras nos meses de janeiro e fevereiro de 1939 dirigiu-se aos postos fronteiriços de Latour-de-Carol, Bourg-

Madame, Pratts-de-Mollo-la-Prest, Le Perthus e Cerbère, na região dos Pyrénées-Orientales, departamento francês situado no sudoeste da

França. O grupo incluía intelectuais, profissionais liberais, militares e também operários.

A dura travessia pelos Pirineus – além das dificuldades geográficas do caminho, a fuga pelas cordilheiras era feita sob os ataques aéreos das tropas nacionalistas –, foi agravada pelo rigoroso inverno de 1939. Para os que não conseguiam embarcar em veículos, seguir o caminho a pé significava vencer também o frio e a neve.

Aznar Soler (eds.). Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2002. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/nd/ark:/59851/bmcwh2k7 Acesso em março de 2016; BRAVO-TELLADO, A. A. El peso de la derrota,

1939-1944. La tragedia de medio millón de españoles en el exilio. Madrid,

Muitos, principalmente os mais velhos e as crianças, não suportaram e acabaram morrendo no trajeto. Um terror e desamparo que foram reconstituídos por Max Aub em Campo francés, que foi publicado em 1965 e tem como cenário inicial a Catalunha, em 30 de janeiro de 1939:

El cielo: los aviones más cerca. Ametrallamiento lejano. La carretera, los coches, cachivaches abandonados; el camión de gasolina; a lo lejos un puente, un riachuelo. Nadie.

Ruido de aviones, más cerca. Sobre el riachuelo ráfaga de ametralladora. Ídem en la tierra. La ráfaga pasa sobre un hombre con las manos en el cogote, la sangre empieza a manar entre sus dedos. En la carretera, ristra de bombas incendiarias en busca del camión. Tras cada explosión, caras de hombres, mujeres, niños, el perro. El techo del cobertizo, visto al principio, de pronto, acribillado a balazos. La carretera: el camión quemándose. Un niño que corre a campo traviesa, lejos, pequeño, sosteniéndose un brazo. Cae. Ruido de aviones alejándose. Un grito. Una queja. Un mojón: A Francia, 35 kilómetros. (AUB, 1998b [p.7])

Segundo Aub, Campo Francés foi escrito ao deixar o campo de Djelfa, em setembro de 1942, durante os 23 dias da travessia de Casablanca (Marrocos) a Veracruz, no México (AUB, 1998b). Sobre o texto, Gérard Malgat observa: ―Campo francés manifiesta el sufrimiento moral que ha padecido Aub (…) es también y ante todo un diario de la desgracia, de la espantosa maquinaria de la denuncia que se instaló en Francia, en París, en 1939‖ (MALGAT, 2007, p. 184).

Em nota que abre a primeira edição de Campo francês, datada em fevereiro de 1964, Aub (198b, [p. 3]) escreve: ―Había vivido todos sus cuadros todos sus encuadres‖. De fato, e ainda que o autor afirme em seguida não estar representado entre os personagens – ―Fui ojo, vi lo que doy, pero no me represento; sencillamente: apunto con mi caletre, que no peca de agudo; una vez más, cronista‖ (AUB, 1998, [p.4]) –, Aub conhecia o significado daquela fuga: em 1939, ao lado de André Malraux, ele também cruzou os Pirineus para chegar à França.

Aub e Malraux estavam envolvidos na gravação de cenas finais para Sierra de Teruel, quando a ofensiva franquista na região da Catalunha interrompeu as filmagens obrigando-os a terminar o filme na França. A amizade entre Max Aub e o escritor francês perdurou até a

morte de Aub, em 1972. Neste período, ambos mantiveram uma profícua correspondência – parte dessas cartas foram abordadas por Gérard Malgat no livro Max Aub y Francia o la esperanza traicionada (2007).

Da Espanha, país onde se naturalizou – ―Soy español puesto que uno es siempre de donde hace el bachillerato; de donde se hace uno hombre‖ (AUB, apud MALGAT, 2007, p. 40) –, Aub levaria o idioma – ele aprendeu a falar o castelhano e o catalão – e as lembranças de um lugar que jamais voltou a ser seu. Em 1969, quando esteve no país após 30 anos de exílio, Max Aub foi categórico ao afirmar publicamente: ―He venido, pero no he vuelto‖ (AUB, 2009, p. 7).