• Nenhum resultado encontrado

1. LITERATURA À SOMBRA DO DESABRIGO

1.1 PREÂMBULOS DO DESABRIGO

1.1.5 O testemunho exilado

A maior parte da obra produzida por Max Aub a partir de 1936 tem como marcos o compromisso com a memória e o testemunho37. Nesse sentido, é solidária ao movimento que caracterizou parte da literatura produzida a partir da segunda metade do século XX: a dos sobreviventes dos campos de concentração nazistas, como Primo Levi, Paul Celan, Jorge Semprun, David Rousset, entre outros.

No que diz respeito ao testemunho, é possível dizer que em Aub ele está relacionado tanto à violência vivida pelo autor nos campos de Roland Garros, Le Vernet e Djelfa –―No llega ahora frente al público el sufrimiento del hombre, sino el de una nación, el de una clase‖ (AUB, 2007, p. 81) – quanto às fraturas do exílio: ―Fuimos; No somos Historia. La Historia está hecha de cenizas. No somos viejos, ni siquiera arrinconados; sencillamente, la gente olvida‖ (AUB, 1985, p. 17), escreveria Max Aub pouco antes de sua morte. O desabafo de Aub faz parte de suas anotações para o livro Conversaciones con Buñuel, obra póstuma que, segundo o autor, começou a ser organizada em 1971, dois anos e meio após a viagem que fez à Espanha: ―Hoy, domingo 3 de enero de 1971, trás dos años y medio de preparación, empiezo a poner en orden mis papeles acerca de Luis Buñuel, que pasa a ser personaje‖ (AUB, 1985, p. 27).

36

Seu valor, se é que tem algum, radica em outro plano: a desoladora epopeia do exército espanhol destroçado nos campos de concentração franceses. (Tradução nossa)

37

Para esses temas na escrita de Max Aub, ver: SOLDEVILA DURANTE, Ignacio. La obra narrativa de Max Aub (1929-1969). Madrid: Gredos, 1973; AZNAR SOLER, Manuel. Los laberintos del exilio. Diecisiete estudios sobre la

obra literaria de Max Aub. Sevilla: Renacimiento, 2003; SÁNCHEZ

ZAPATERO, Javier. Max Aub y la escritura de la memoria. Sevillha: Renacimiento, 2014.

A constatação do autor do Diario de Djelfa nos anos 1970 diz um pouco do sofrimento e das consequências da longa e irrecuperável espera. Seis anos antes de morrer, Aub dava mostras de que a esperança alimentada nos primeiros anos do exílio mexicano não tinha mais como ser a mesma:

En 1944 creí – y no sólo yo – que a lo sumo un par de años más tarde podría ponerse en escena esta obra en Madrid. Con dificultades y generosidad, otra generación la lleva de nuevo al papel en vez de a su lugar natural: las tablas, en que ha de morir cualquier drama. No pueden más. Y, volviendo los ojos atrás, sin duda, como Sancho, me troqué «tomando los ojos por los dientes» y mis armas dan risa para quienes sigo fuera de camino. (AUB, 2007, p. 84)

O trecho citado acima foi escrito por Aub em 1966 para a segunda edição de Morir por cerrar los ojos, peça que assim como outras do teatro aubiano38 continuava longe dos palcos espanhóis, situação que o levaría a afirmar: ―Cuando leo tantas publicaciones que tratan del teatro español contemporáneo y no veo aparecer mi nombre, me entristezco (…) no cuento, no me tienen en cuenta, por la sencilla y evidente razón de que mis obras no se representan en Madrid‖ (AUB, 2007, p.87). Tal desabafo nos remete ao silêncio imposto pela ditadura de Franco não somente às obras de Aub, mas também a outras produzidas por diversos autores do exílio republicano. Pois como lembra Malgat (2011), a maior parte das obras com teor testemunhal foi proibida pela censura durante o regime franquista, ―los 115 informes de censura conservados en el Archivo General de la Administración en Alcalá de Henares prueban, si es que hubiera necesidad, el vigor de la represión editorial franquista‖ (MALGAT, 2011, s/p). Situação que após a morte de Franco deu lugar a outro tipo de silêncio, aquele nascido da necessidade de esquecer os anos sombrios: ―esta literatura de la memoria sufre un olvido voluntario durante una Transición deseosa de evitar las secuelas de la dictadura y preocupada por no despertar los

38

Sobre o teatro de Max Aub ver: AZNAR SOLER, Manuel. Max Aub y la

vanguardia teatral. Escritos sobre teatro 1928-1938. Valencia: Universidad de

Valencia, 1993; AZNAR SOLER, Manuel. Los laberintos del exilio. Diecisiete

estudios sobre la obra literaria de Max Aub. Sevilla: Renacimiento, 2003;

VENEGAS GRAU, Carmen. ―Introducción‖, in: AUB, Max. Morir por cerrar

antagonismos ni avivar las heridas aún vivas del conflito‖ (MALGAT, 2011, s/p).

As marcas deste silêncio, Max Aub sentiu na pele ao viajar para a Espanha franquista, em 1969, com o intuito de fazer entrevistas para o livro sobre o cineasta Luis Buñuel, encomendado a ele pela editora Aguilar. A dura experiência resultaria na escrita de La gallina ciega.

Diario Español, lançado pela primeira vez no México, em 1971, pela

editora Joaquín Mortíz – a mesma que publicou, em 1970, a edição ampliada do Diario de Djelfa.

Nas mais de 400 páginas de La gallina ciega, a escrita de Max Aub guia o leitor pelos tortuosos caminhos do retorno a uma Espanha diferente daquela ansiada em versos escritos no campo de concentração de Djelfa – ―¿Dónde estás España? Siempre, siempre España‖39 (AUB, 1998, p. 82) –, uma Espanha que Aub não reconhecia mais: ―Estos españoles de hoy se quedaron con lo que aquí había, pero son otros‖ (AUB, 2009, p. 403).

O alheamento político local e a constatação do total desconhecimento, mesmo entre poetas, de suas obras – ―jamás oyeron el santo de mi apelido‖ (AUB, 2009, p. 41) –, assim como a de outros exilados, foi para Aub uma das mais dolorosas experiências do retorno à Espanha. No prólogo de La gallina ciega, após comentar o desinteresse da juventude da época e da imprensa local pela Guerra Civil Espanhola, Aub resume o alheamento da Espanha franquista e, consequentemente, o apagamento da literatura exilada da qual ele fazia parte: ―Nadie me preguntó por Paulino Masip, ni por Rafael [Alberti] o María Teresa [León]. ¿Quién por [José] Gaos – que acababa de morir –, por Emilio Prados, o quién me pidió detalles de la muerte de Luis Cernuda?‖ (AUB, 2009, p. 24).

Aquela Espanha de 1969 era o retrato de uma dupla e violenta derrota para os escritores exilados republicanos. Pois se por um lado a violência que os levou à fuga durante a guerra civil, sobretudo após a vitória de Franco em 1939, era inquestionável; por outro o apagamento – que para Aznar Soler surge no rastro da despolitização, da desmemoria e do esquecimento ―que los han convertido (...) en unos fantasmas desconocidos‖ (AZNAR SOLER, in: AUB, 2009, p. 13) – resultante da ditadura sugeria fraturas ainda mais profundas. E que acreditamos estarem sinalizadas na seguinte afirmação de Max Aub: ―España está mal. Ya se le pasará. No hay razón en contra, ni en pro; pero si basta para la Historia, para mí, no‖ (AUB, 2009, p. 408).

39