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3 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O CONTROLE DE

3.2 O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL PELO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SUPREMA CORTE OU CORTE

CONSTITUCIONAL?

Influenciado pelo modelo de controle de constitucionalidade dos Estados Unidos, o Brasil, a partir da Constituição de 1891 (com previsão expressa nos arts. 59 e 60)109, passou a permitir a qualquer juiz ou tribunal a possibilidade de poder declarar a inconstitucionalidade de uma lei questionada frente à Constituição, em um caso concreto, adotando assim o controle difuso de constitucionalidade. Na história dessa modalidade de controle, a norma declarada inconstitucional não é excluída do ordenamento jurídico e o seu efeito prático no caso concreto é a simples recusa de sua aplicação.

Como a norma declarada inconstitucional permanecia no ordenamento jurídico, mesmo que fosse reconhecida como incompatível com a Constituição pelo próprio Supremo Tribunal Federal110, vez que no Brasil não existe o princípio da stare decisis, isso acarretou o surgimento de decisões contraditórias entre os órgãos da Justiça, trazendo a sensação de insegurança jurídica e abalando a certeza sobre o Direito e a credibilidade do Judiciário.

Neste sentido, esclarece Rothemburg:

Nos ordenamentos jurídicos de filiação romano-germânica, as decisões proferidas em fiscalização incidental e concreta de constitucionalidade não vinculam, em princípio, senão em relação ao caso resolvido. Mas a matriz do sistema difuso, incidental e concreto do controle de constitucionalidade – os Estados Unidos –

“sistema austríaco” de Justiça constitucional (MOREIRA, Vital. O Tribunal Constitucional português: “A fiscalização concreta” no quadro de um sistema misto de justiça constitucional. Direito Público. Porto Alegre,

ano 1, n.3, jan./mar.2004, pp. 62-88).

109 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 7. ed. São Paulo:

Saraiva, 2012, p.85.

110

A razão maior disso reside no fato de que o Brasil embora tivesse importado o sistema americano de controle de constitucionalidade, continuou a adotar o modelo do sistema jurídico da civil law (também chamado de sistema romano-germano), onde a principal fonte do direito é a lei, de tal maneira que os precedentes judiciais no Brasil não têm a mesma força do stare decisis dos Estados Unidos, vez que neste país (EUA) prevalece o sistema jurídico da comom law (também chamado de anglo-saxão), onde as normas gerais são inferidas a partir dos costumes e das decisões judiciais proferidas.

conhece a força vinculante conferida aos precedentes (stare decisis), sobretudo das cortes superiores, com o que se verifica na prática uma certa vinculação dos demais órgãos judiciários.111

Com isso, através da Constituição de 1934, o constituinte inovou e resolveu introduzir o instituto da suspensão da execução da lei ou ato normativo pelo Senado Federal112, na hipótese de o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de lei em sede de controle difuso, emprestando assim eficácia genérica ou erga omnes à decisão daquele Tribunal.

Destarte, a norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal só seria suspensa do ordenamento jurídico brasileiro mediante uma decisão política do Senado Federal neste sentido. Com exceção da Constituição de 1937, todas as constituições brasileiras que se sucederam mantiveram o instituto da suspensão da lei pelo Senado Federal113, estando tal previsão na atual Constituição no art. 52, X.

Em 1965, através da Emenda Constitucional nº 16, ao lado do controle difuso de constitucionalidade introduziu-se no Brasil114 o modelo de controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos federais e estaduais em face da Constituição Federal, com a criação da ação de representação de inconstitucionalidade, manejada pelo procurador geral da República e tendo o Supremo Tribunal Federal como o único órgão do Judiciário competente para seu julgamento. Incorporava-se de tal sorte, também, no Brasil, algumas das características do sistema austríaco de controle de constitucionalidade.

A Constituição atual procura mesclar os mecanismos próprios do sistema americano de controle de constitucionalidade com os do modelo austríaco, instituindo desse modo um modelo misto de controle de constitucionalidade, que permite o exercício da jurisdição constitucional

111 ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por omissão e troca de sujeito: a perda de

competência como sanção à inconstitucionalidade por omissão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 196.

112

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito brasileiro. 2. ed. rev., atual. e ampl., 2.tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 66.

113 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na

Alemanha. 5º. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 21.

114 MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito constitucional. 6. ed. São

tanto de forma difusa, por qualquer órgão do poder Judiciário, como pela via concentrada, através do Supremo Tribunal Federal.

A Constituição em vigor asseverou claramente ser o Supremo Tribunal Federal o seu maior guardião, pois no artigo 102, caput, expressa que “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição...”. E esse guardião da Constituição está inserido em nosso ordenamento jurídico tanto como uma instância máxima do poder Judiciário (se comportando como uma Suprema Corte), com competência para analisar questões de ordem constitucional nos casos concretos, como se comportando como Corte Constitucional ao analisar, com exclusividade, o controle em abstrato de constitucionalidade de normas, tendo como somatório dessas duas atribuições a importante tarefa de dizer a palavra final sobre a interpretação e aplicação da norma constitucional.

Além disso, a Constituição de 1988 e as Emendas Constitucionais que se sucederam deram ênfase ao controle concentrado de constitucionalidade ao ampliar sensivelmente os mecanismos de controle115 e o rol de legitimados para a propositura das respectivas ações, deixando assim o procurador geral da República de ser o único legitimado para o manejo das respectivas ações. Some-se a isso que a Emenda Constitucional nº 45/2004, criou a súmula vinculante e o instituto da repercussão geral, mostrando claramente a intenção do constituinte de ampliar o alcance das decisões do Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional.

Não obstante o Supremo Tribunal Federal ser a última instância do Judiciário brasileiro, não detém ele, na Constituição de 1988, todas as características de uma Corte Suprema como nos Estados Unidos da América, pois na função de guardião da Constituição não atém apenas ao controle de constitucionalidade de uma norma a partir do exame de um caso concreto, mas também exerce o controle em abstrato da norma em face da Constituição, o que não é uma

115 Ao lado da ação de direita de inconstitucionalidade foram criadas a ação declaratória de constitucionalidade, ação de descumprimento de preceito fundamental e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

atividade típica do poder Judiciário, que fora idealizado para solucionar conflitos concretos. Nessa linha de pensamento, expressa Nery Junior, afirmando que:

(...) como órgão do poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal só teria legitimidade para interpretar a Constituição em casos concretos que lhe chegassem pelas vias normais de competência originária e recursal, a exemplo do que ocorre no sistema norte-americano, do qual o brasileiro foi cópia fiel, como demonstra a organização do sistema de poder na CF republicana de 1891. Decidir, em abstrato, dizendo a última palavra sobre a constitucionalidade ou não de atos típicos dos outros dois poderes, Executivo e Legislativo, é irregularidade que salta aos olhos. Portanto, as ações declaratórias de constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade são institutos absolutamente irregulares dentro do ordenamento constitucional brasileiro. São importações incorretas do direito estrangeiro, que não servem, com correção, ao modelo constitucional brasileiro.116

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal não tem todas as características das Cortes Constitucionais da Europa, como por exemplo, de ser um Tribunal organicamente independente do Judiciário e dos demais poderes do Estado, de exercer o monopólio da jurisdição constitucional e de ter seus membros escolhidos, também, proporcionalmente pelo parlamento. Porém, ainda assim é considerado por parcela significativa da doutrina brasileira como uma verdadeira Corte Constitucional, em razão de o Supremo Tribunal Federal exercer o controle abstrato de norma de forma exclusiva (concentrada).

Neste sentido, expressa Temer:

(...) essa competência é privativa do STF, verdadeira Corte Constitucional, dado que o artigo 102, I, estabelece competir-lhe processar e julgar originariamente tais representações. Tanto em face da atividade dos órgãos do poder, geradora de atos normativos tidos por inconstitucionais, como também pela inatividade dos mesmos órgãos, geradora da inefetividade da norma constitucional.117

Da mesma forma é o pensamento de Nery Júnior, em que pese não concordar ter o constituinte escolhido o Supremo Tribunal Federal, órgão do poder Judiciário, para o exercício do papel de Corte Constitucional:

116

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8ª ed., São Paulo: Revista do Tribunais, 2004, p. 33.

(...) no atual sistema constitucional brasileiro, temos realmente uma Corte Constitucional Federal, consubstanciada no STF, conclusão que se extrai da competência que o legislador constituinte conferiu àquela corte de justiça. (...) (...) verificamos, entretanto, que o perfil constitucional do nosso Tribunal Federal Constitucional não se nos afigura o melhor, porquanto não nos parece que um órgão do poder Judiciário possa apreciar, em último e definitivo grau, as questões constitucionais que lhe são submetidas de forma abstrata, cujos membros são nomeados pelo Presidente da República sem critério de proporcionalidade ou representatividade dos demais poderes.118

Outra parte da doutrina argumenta que o Supremo Tribunal Federal não pode ser considerado uma Corte Constitucional segundo os parâmetros clássicos do modelo austríaco, seja pelo fato de ter uma competência ampla, não se limitando apenas ao controle de constitucionalidade e aos conflitos entre órgãos estatais, bem como, pelo fato de não deter a exclusividade do controle de constitucionalidade e fazer parte do Poder Judiciário atuando como um Tribunal de Apelação, onde se constitui em uma última instância, e ainda em razão de seus ministros serem indicados exclusivamente pelo Poder Executivo para mandatos vitalícios, não possibilitando aos outros poderes a escolha de seus membros.

Neste sentido é o pensamento de José Afonso da Silva:

A outra novidade está em ter reduzida a competência do Supremo Tribunal Federal à matéria constitucional. Isso não o converte em Corte Constitucional. Primeiro porque não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional, já que o sistema perdura fundado no critério difuso, que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. Segundo, porque a forma de recrutamento de seus membros denuncia que continuará a ser um Tribunal que examinará a questão constitucional com critérios puramente técnico-jurídicos, mormente porque, como Tribunal, que ainda será, do recurso extraordinário, o modo de se levar a seu conhecimento e julgamento as questões constitucionais nos casos concretos, sua preocupação, como é regra no sistema difuso, se dará primazia à solução do caso e, se possível, sem declarar inconstitucionalidade.119

No entanto, em razão do que foi exposto nesse tópico, infere-se que em razão de o Supremo Tribunal Federal ter a possibilidade de exercer tanto o controle difuso de constitucionalidade como o controle concentrado, concebeu o constituinte brasileiro, em seus

118 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8ª ed., São Paulo: Revista

do Tribunais, 2004, pp. 29-30; 35.

119 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003,

moldes, um tribunal híbrido, não podendo ser considerado uma autêntica Corte Suprema nem muito menos um Tribunal Constitucional. Porém, por exercer a jurisdição constitucional, tanto na via concentrada como difusa, e ter sido escolhido, pelo Poder Constituinte Originário, como o guardião da Constituição, cabe a ele dizer a última palavra sobre o que é constitucional ou não, sem perder de vista que tal interpretação deverá ser buscada a partir da realidade político-social brasileira.