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O fazer pedagógico no texto: os sujeitos do discurso

4. CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DO DISCURSO PEDAGÓGICO

4.2 O fazer pedagógico no texto: os sujeitos do discurso

Na composição de um projeto, toda comunidade escolar deveria ser envolvida na solução de problemas relevantes para o grupo, construindo conhecimento, a partir do processo interativo, e não por imposição de um indivíduo (ou do sistema).

O ofício docente pressupõe as interações humanas em diferentes instâncias e, no trabalho por projetos e no texto do PPI essa inter-relação deve estar evidenciada. Logo, escolha do tema é, na verdade, a identificação de um problema relevante para o grupo, a ser solucionado seguindo-se dado(s) objetivo(s) pré-estabelecidos por todos.

O trajeto para chegar ao(s) objetivo(s) nada mais é do que a estruturação para a apreensão de informações necessárias para a construção de conhecimentos nas diferentes áreas. Assim, seguindo-se essa filosofia de trabalho, que envolve a heterogeneidade humana, a diversidade de saberes e um tema (um problema central) a ser desenvolvido; uma aula pode constituir-se no projeto individual de determinado professor.

Certo é que para constituir um PPI, em sua verdadeira acepção, é preciso que haja envolvimento entre alunos, professores e demais componentes do grupo social ou, pelo menos, professores de diferentes disciplinas. Os participantes exercem determinados papéis na elaboração e na execução das atividades, de tal sorte que, são muitos os interagentes. Mas, professores e alunos são, sem dúvida, o centro dessa abordagem.

O projeto, de certo modo, (re)constrói as relações interativas, indicando certos caminhos para a ressignificação da aprendizagem.

Dar sentido novo a algo estabelecido é um processo lento e gradativo, fato que o próprio discurso desses sujeitos professores-autores revela.

Em certa medida, o Modelo Situacional Sala de Aula , vivenciado pelos docentes, apresenta-se na constituição do discurso pedagógico do PPI, conforme podemos observar no Quadro 1135.De modo que, o fazer pedagógico é denunciado no texto, o qual revela as relações de poder, os procedimentos interativos e a visão que os professores têm com relação aos alunos.

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Quadro 11 Modelo situacional e fazer pedagógico no texto. [1] Projeto Publi o q?

Esperamos que os discentes vejam as propagandas enquanto técnica de comunicação; Abordaremos campanhas institucionais;

Esperamos possibilitar ao discente o reconhecimento dos elementos de construção da propaganda.

[2] Projeto Educação e Mídia: O jornal na sala de aula

Os meios de comunicação fazem parte da vida dos estudantes, influenciam na aprendizagem e diminuem as distâncias. Devemos então aproveitá-los e dar condições aos nossos alunos de selecionar tudo de positivo que os meios de comunicação oferecem.

As atividades com jornal têm por objetivos estimular o aluno a ler e aprender mais sobre a cidade, país e o mundo, formando assim cidadãos críticos e participantes do processo social e político. Mediante agendamento prévio e acompanhamento pelo professor (es).

Podemos, facilmente, observar nos fragmentos acima, que diferentes escolhas lexicais permitem identificar os sujeitos professor(es)-aluno(s). Tal procedimento apresenta um posicionamento discursivo diante do próprio texto, bem como, apresenta também, pistas do exercício docente diante do processo de interação.

Tanto em [1] Publi o q? quanto em [2] Projeto Comunicação e Mídia: O jornal na sala de aula, há o sujeito elíptico em 1ª. pessoa do plural, pressupondo uma inclusão do sujeito- professor ao grupo, porém em [1] observamos que a utilização do termo discente (em todo o projeto), cria um falseamento discursivo, num pedagogês administrativo-burocrático , que está mais a serviço do leitor- instituição (diretor da Instituição, capacitador, pais e/ou outros

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professores), do que, verdadeiramente, a serviço da inclusão do aluno e da escrita em prol do desenvolvimento e acompanhamento das atividades por todos os participantes.

Por outro lado, em [2], a inclusão do aluno no processo de interlocução é mais evidente, pois além de nomear o aluno/estudante, os autores ainda utilizam o pronome possessivo plural nossos, e caracterizam esse aluno como cidadão participante, ou seja, um indivíduo inserido na mesma comunidade desse professor, também nomeado no texto. Além disso, ao declararem os meios de comunicação como parte da vida dos estudantes, não estão excluindo o tema de suas próprias vidas, mas, partindo de suas experiências, evidenciando uma atitude responsiva na enunciação.

Curiosamente no Projeto Educação & Mídia, de temática semelhante, os professores-autores utilizam apenas o verbo pretendemos como marca de sua presença; o aluno é o foco na escrita, mas como um sujeito descaracterizado e idealizado; enquanto no Projeto Comunicação e Mídia: Televisão, nem alunos, nem professores são identificados no texto como um todo; o termo alunos só aparece no item Recursos humanos , e o termo professor(es) aparece toda vez que se referem a acompanhamento e avaliação. Em ambos os casos, aparentemente, o projeto é feito para o leitor-instituição, que controla e manipula o discurso.

Essas diferentes posturas discursivas deveriam ser tomadas não somente para atender ao leitor-instituição, mas, sobretudo, para responder às necessidades do fazer pedagógico e, portanto, preveriam um leitor-coletivo (alunos, professores e comunidade escolar), visto que o texto dos PPIs é um texto em processamento continuum, que deveria ser (re)planejado, constantemente, a partir da variedade de pressupostos educacionais vigentes na contemporaneidade.

Na elaboração do texto de um projeto integrado, o autor, mesmo sem uma preocupação consciente, imprime na constituição textual características necessárias à eficácia e adequação do projeto, como texto e como ação pedagógica.

À pedagogia contemporânea caberia a difícil tarefa de coadunar as diversas dimensões do trabalho docente, e dos processos interativos instituídos em sala de aula e fora dela.

As dimensões pedagógicas compreendem tanto a elaboração de uma atividade simples quanto a sua aplicação e, necessariamente, levam o profissional a lidar com diferentes situações, as quais podem interferir na execução da atividade proposta, algumas delas previsíveis e outras imprevisíveis.

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Nessa miscelânea de aspectos a serem considerados, o(s) autor(es) e o redator,na produção, relacionam não somente conteúdos, mas sobretudo, suas concepções teóricas, diferentes procedimentos de aprendizagem e diferentes posturas diante do ensinar e do aprender.

Resgatando, os pressupostos apontados por Pozzo (1999) referentes à nova cultura da aprendizagem, explanados no primeiro capítulo percebemos que esses aspectos manifestam-se no texto, mesmo que de forma inconsciente.

O Modelo Situacional contexto de aprendizagem , que faz parte das representações mentais desses professores, abarca alguns dos aspectos ressaltados e são recuperados na ação pedagógica e no texto.

No Projeto Publi o q?[1], por exemplo, percebemos uma postura sócio-cognitivo- interacionista, já que os professores propõem trabalhar com a linguagem da propaganda para que

o discente identifique a sua função e o seu uso social, levando as discussões para além do estudo dos recursos lingüísticos com uma possibilidade de visão histórica e sociológica da propaganda.

Entretanto, de um modo geral, há uma preocupação maior com os conteúdos a serem trabalhados, do que com os outros fatores importantes e necessários para a construção de conhecimento.

Ainda que na prática o ensino-aprendizagem comporte, nas ações pedagógicas, momentos de aprendizagem significativa, cooperativa, participativa, construtiva e qualitativa; no texto, apenas permanecem os aspectos associativos e reestruturativos.

O caráter interdisciplinar permanece em nível multidisciplinar (Zabala,1999: 144 145), havendo apenas correlação temática, em que as atividades restringem-se aos limites entre as disciplinas:

[Para Língua Portuguesa coube a:

- Demonstração da importância dos recursos técnicos para a qualidade do texto; - Diferenciação da propaganda comercial e a institucional;

- Criação de propagandas apropriadas36 para cada gênero de cliente, produto e público alvo. ]

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A frase impositiva inicial Para Língua Portuguesa coube indica que a cada professor caberá um papel, dentro dos limites de sua disciplina, quando na verdade se o PPI fosse respaldado pela abordagem de trabalho por projetos, todos interseccionariam as diferentes informações para a construção de conhecimentos no âmbito do Saber.

Além disso, não há clareza sobre quais foram os critérios utilizados para que se julgasse o que é ou não apropriado para determinados clientes, e permanece a postura do professor provedor no discurso manipulador, que carrega as ideologias e a subjetividade do grupo, fato que estabelece a primeira lacuna nítida entre a escrita e o desenvolvimento do trabalho sob uma abordagem de projetos.

O projeto não deixa claras as condições contextuais geradoras do tema, bem como as condições específicas que levaram a sua concretização, muito menos qual foi o percurso seguido no cumprimento dos objetivos.Todavia, são apresentados resultados concretizados em duas produções de alunos, como exemplificação e constatação da execução do que foi planejado.

A segunda grande lacuna desse projeto está na seleção dos textos que serão utilizados e na reduzida bibliografia selecionada. Os anexos denotam incoerência parcial com a proposta de início, uma vez que não houve seleção de propaganda local e entre os textos há tiras da Mafalda, que nada têm a ver com o gênero.

O aluno, interlocutor principal desse processo de construção de conhecimento, não aparece como co-participante em nenhum projeto; seu papel tanto textualmente quanto efetivamente é de coadjuvante, é de comprovador de uma ação pedagógica ou de receptor das propostas elaboradas, de tal sorte que os projetos impõem um querer-fazer, rompendo assim, com a primeira característica específica da concepção estudada por Hernández (1998) que seria partir de um tema ou problema negociado com a turma, transcendendo de uma ação construída para uma ação coagida.

Até poderíamos generalizar e dizer que essas produções textuais apenas respondem às necessidades impostas pelo curso de capacitação e pelas Diretorias de Ensino, mas, o fato de muitos professores ter anexado os resultados obtidos demonstra uma preocupação com o fazer pedagógico, e com a execução das atividades, deflagrando o desconhecimento da concepção de trabalhos por projetos.

Por fim, é importante salientar que essas lacunas podem ter sido preenchidas por ações de linguagem, durante o processo interativo, mas o processamento textual continuum do

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gênero, pressupõe acréscimos e adaptações, durante o desenvolvimento, previstos na primeira redação. Esse dado é extremamente significativo para que iniciemos nossa reflexão sobre as ações com a linguagem, que são feitas e previstas no período Pré-textual, na elaboração e na produção efetiva.