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O foco de atuação e o processo de screening, seleção e análise

No documento Venture Capital (páginas 40-48)

4. A TESE DE INVESTIMENTO DE UM FUNDO DE VENTURE CAPITAL

4.2. O foco de atuação e o processo de screening, seleção e análise

O foco de um fundo é de extrema importância para determinar o grupo de empresas que serão possíveis alvos de investimento. Este foco pode ser constituído por uma combinação de três características: localização geográfica, segmento de atuação na economia e tamanho das empresas (faturamento).

O foco geográfico representa a região de onde serão originadas as propostas de investimentos. Dada a natureza do VC, é importante que se escolha uma região com alto

dinamismo tecnológico e vocação empreendedora, pois estas tendem a concentrar um número significativo de empresas. Regiões que possuem arranjos produtivos locais (APLs, ou clusters) são característicos focos de atuação dos fundos por possuírem não só uma grande concentração de empresas, mas, também, pelo fato destas empresas terem claras vantagens competitivas geradas pela estrutura do próprio APL (a grande concentração de empresas de um mesmo segmento tende a atrair fornecedores e mão-de-obra específica, diminuindo, assim, os custos atrelados a atividade das empresas).

Mesmo que a região escolhida não seja de alto dinamismo tecnológico, nem possua vocação empreendedora, a quantidade de empresas na região deve ser grande o suficiente para atender as necessidades do fundo em relação ao número de empresas aptas a receberem investimentos. Isto faz com que seja considerável o número de fundos que possuem foco multi-geográfico, pois isto lhes dá a liberdade necessária para buscar as melhores empresas existentes, e em quantidade necessária.

Abaixo segue um gráfico das principais regiões nos EUA que receberam investimentos de VC no primeiro trimestre de 2009 (Q1 2009).Este serve para demonstrar o fato de que regiões que possuem APLs tendem a concentrar este tipo de investimento. O melhor exemplo disto é o Vale do Silício que concentrou, neste período, 38,60% dos pouco mais de US$ 3,0 bilhões de investimentos de VC realizados nos EUA. Estão apontadas as principais regiões que receberam investimentos, demonstrando, claramente, o foco em regiões de intensa atividade empresarial.

Gráfico 4.2.1: Investimentos por Região nos EUA em Q1 2009

Silicon Valley

Silicon Valley (US$ 1160 M) New England (US$ 376 M) NY Metro (US$ 323 M) LA/Orange County (US$ 208 M) Texas (US$ 156 M) Northwest (US$ 130 M) Midwest (US$ 122 M) Southeast (US$ 113 M) San Diego (US$ 87 M) Colorado (US$ 77 M) Philadelphia Metro (US$ 61 M) North Central (US$ 61 M) DC/Metroplex (US$ 59 M) SouthWest (US$ 40 M) South Central (US$ 17 M) AK/HI/PR (US$ 7 M) Sacramento/N.Cal (US$ 7 M) Upstate NY (US$ 1 M)

Fonte: PricewaterhouseCoopers Moneytree Report

É relevante, neste momento, fazer um breve comentário sobre a questão da necessidade de proximidade geográfica entre o gestor e as empresas investidas. A presença do gestor na rotina das empresas investidas tende a diminuir de acordo com a evolução nos estágios de desenvolvimento nos quais as investidas se encontram.

Empresas em estágios de desenvolvimento mais avançados já provaram a viabilidade de seu plano de negócios e, pelo menos em parte, a qualidade de sua administração, fazendo com que a presença constante do gestor na rotina da empresa não seja necessária. Normalmente estas empresas já possuem uma estrutura administrativa mais desenvolvida, o que permite ao gestor monitorar e intervir na empresa através de um assento no conselho de administração e não mais através de cargo na diretoria.

Empresas em estágio de desenvolvimento nascente (early-stage) apresentam uma necessidade de maior presença do gestor em sua rotina para dar direcionamento preciso tanto à atuação da empresa em seu mercado, como à sua administração. Isto ocorre porque, nestes casos, a principal motivação do investimento do fundo é, geralmente, o produto e não a empresa em si, já que esta não possui histórico de operação necessário para demonstrar ser um bom negócio. Em alguns casos, a principal motivação do investimento do fundo em uma empresa é o próprio empreendedor. Alguns empreendedores demonstram características invejáveis em suas habilidades para negócios, fazendo com que o gestor do fundo, mesmo acreditando que a empresa em si seja um negócio muito arriscado, decida investir por achar que seu empreendedor é capaz de obter sucesso no desenvolvimento da mesma.25 Outra motivação para o gestor investir por causa do investidor pode ser a vontade de tê-lo presente e próximo em sua rede de contatos para, caso a empresa do empreendedor não dê certo, o gestor possa realocá-lo em outra empresa de seu portfólio.

O foco por segmento de atuação, ou foco setorial, indica o setor ou setores nos quais o fundo pretende atuar. Os setores escolhidos pelos fundos de VC geralmente apresentam uma combinação de características como tecnologia de ponta, possibilidade de crescimento/expansão e possibilidade de consolidação do setor. Embora seja interessante que o gestor do fundo possua experiência relevante nos setores de atuação do fundo, o que possibilitaria a agregação de valor pelo gestor através de sua rede de

25 Como referência, o trabalho desenvolvido por MacMillan et al. (1985) aponta, como principal preocupação na avaliação de empresas-alvo, a personalidade do empreendedor, no questionamento sobre se o “jóquei é o ideal para o cavalo” (sendo, obviamente, o jóquei, o empreendedor, e o cavalo, a empresa).

contatos e de seu conhecimento sobre o funcionamento dos respectivos mercados, isto não é obrigatório, uma vez que seu trabalho pode ser direcionado meramente à melhorias na administração das investidas. Ademais, uma quantidade significativa de fundos apresenta foco multi-setorial, indicando não só a improvável inexistência de experiência relevante do gestor, e de sua equipe, em todos os setores escolhidos, mas como, também, o aspecto de direcionamento dos investimentos de VC aos setores que apresentam grande quantidade de pesquisa e desenvolvimento aplicado (ao contrário de pesquisa e desenvolvimento puro). Ou seja, os investimentos de VC tendem a desempenhar um papel de fomento aos setores que se encontram em momento de transposição das pesquisas científicas a produtos comercializáveis. Isto possibilita a expectativa de rentabilidade advinda de crescimento, pois os investimentos são realizados em empresas que atuam em segmentos de franca expansão, seja criando novos mercados ou revolucionando mercados já existentes.

O gráfico abaixo demonstra a concentração dos investimentos de VC, também no primeiro trimestre de 2009 (Q1 2009), nos EUA. É perceptível a concentração de investimentos nos dois atuais setores líderes em expansão e desenvolvimento no mundo, software e biotecnologia, com, respectivamente, 20,44% (US$ 614 milhões) e 19,21%

(US$ 577 milhões) do total de investimentos. Os outros setores mais relevantes estão explicitados no intuito de evidenciar a concentração dos investimentos nestes, dado que são todos setores em voga na economia mundial atual.

Gráfico 4.2.2: Investimentos por Setor nos EUA em Q1 2009

Software

Software (US$ 614 M) Biotechnology (US$ 577 M) Medical Devices and Equipment (US$ 412 M)

Industrial/Energy (US$ 234 M) Media and Entertainment (US$ 217 M) IT Services (US$ 207 M) Semiconductors (US$ 173 M) Telecommunications (US$ 110 M) Financial Services (US$ 108 M) Networking and Equipment (US$ 83 M) Business Products and Services (US$ 59 M) Consumer Products and Services (US$ 57 M) Healthcare Services (US$ 47 M) Computers and Peripherals (US$ 35 M) Retailing/Distribution (US$ 28 M) Electronics/Instrumentation (US$ 27 M) Other (US$ 16 M)

Fonte: PricewaterhouseCoopers Moneytree Report

A determinação de um foco sobre o tamanho das empresas pode ser utilizada para demonstrar o estágio de desenvolvimento das empresas que serão consideradas alvos de investimento, tendo em mente que o tamanho da empresa deve ser levado em consideração relativamente ao seu segmento de atuação. Este tipo de foco é relevante para determinar o tipo do fundo, tal como sendo de early-stage VC ou growth VC (expansion VC), por exemplo.

A atuação do gestor é caracterizada pelo estágio de desenvolvimento das empresas investidas. O que significa que fundos de early-stage VC auxiliarão as empresas investidas na criação de um mercado para seus produtos, visando rentabilidade através da exploração de novos mercados. Fundos de growth VC atuarão na consolidação dos mercados nos quais as empresas investidas atuam, buscando rentabilidade através da ampliação destes mercados. E fundos de late-stage VC tendem a visar a consolidação do segmento onde as investidas atuam, almejando adquirir rentabilidade através de ganhos de escala e aumento da participação de mercado das empresas com fusões e aquisições.

O gráfico abaixo demonstra a concentração dos investimentos de VC por estágio de desenvolvimento das empresas, mais uma vez, no primeiro trimestre de 2009 (Q1 2009), nos EUA. A concentração maior de investimentos em later-stage VC se deve ao fato destes investimentos caracteristicamente demandarem um volume maior de recursos.

Gráfico 4.2.3: Investimentos por Estágio de Desenvolvimento nos EUA em Q1 2009

Later-stage (US$ 1332 M)

44,34%

Expansion (US$ 820 M)

27,30%

Early-stage (US$ 683 M)

22,74%

Start-up/Seed (US$ 169 M)

5,63%

Fonte: PricewaterhouseCoopers Moneytree Report

A congruência dos três focos apresentados determina o tipo do fundo, ou seja, por exemplo, um fundo de early-stage VC com foco em empresas do setor de tecnologia da informação (TI) localizadas no Vale do Silício. A coerência destes focos é significativa para a estratégia de investimento do fundo, significando que deve haver fundamentação para a afirmação sobre a existência, no Vale do Silício, de uma quantidade razoável de empresas de TI que se encontram em fase de desenvolvimento nascente. Caso contrário, a estratégia de investimento do fundo é inviável uma vez que não há um número suficiente de empresas, com o perfil desejado, aptas a receber investimentos. A determinação bem fundamentada dos focos do fundo permitirá que sejam realizados esforços precisos para a originação de um fluxo de propostas de investimentos (dealflow). Estes esforços serão traduzidos na criação de uma via (pipeline) pela qual as propostas chegarão ao gestor do fundo. Ou seja, a viabilidade da estratégia de investimento do fundo, no que toca a originação de possíveis investimentos, fica determinada pela existência de um pipeline com considerável dealflow.

A formação de um pipeline é o primeiro passo na prospecção de empresas para investimento. Uma vez estabelecido este, dá-se início ao processo de screening, seleção e análise das propostas recebidas. O trabalho empírico desenvolvido por Boocock e Woods (1997)26 sobre o processo de screening, seleção e análise de propostas, utilizado por um fundo de VC no Reino Unido, representa uma valiosa contribuição neste assunto. Em sua revisão literária, ele apresenta os principais critérios de avaliação apontados em trabalhos anteriores e faz sua contribuição averiguando estes e adicionando outros. Tais critérios são divididos em seis grupos. O primeiro deles é referente aos critérios apontados dentre os requerimentos dos fundos de VC, que são relativos ao enquadramento das propostas dentro da tese de investimento do fundo.

Sendo assim, são avaliados aspectos das empresas sobre sua localização geográfica, seu estágio de desenvolvimento, tamanho do investimento requerido, provisões financeiras para investidores, familiaridade dos membros do fundo com a tecnologia, produto e mercado e o potencial de desinvestimento.

No segundo grupo, que trata das características das propostas, foi apontado como critério se houve, ou não, necessidade de requisição ao empreendedor por informações adicionais. O terceiro grupo trata das características dos empreendedores e de suas

26 BOOCOCK, Grahame e WOODS, Margaret em “The Evaluation Criteria used by Venture Capitalists:

Evidence from a UK Venture Fund” (1997), publicado no International Small Business Journal 1997;16;pg. 36-57.

equipes, sendo que foram apresentados como critérios a capacidade destes em avaliar os riscos potenciais atrelados as atividades de suas empresas, seus históricos e experiências profissionais, suas habilidades financeiras, administrativas e de marketing, suas capacidades em manter uma dedicação exclusiva e prolongada para com os objetivos da empresa, a eficácia em atender a demandas dos fundos por informações e o nível de participação societária dos empreendedores em suas próprias empresas. O quarto grupo apresenta os critérios sobre a natureza dos empreendimentos, que são relativos a considerações sobre os produtos das empresas frente aos mercados nos quais estão inseridos. No quinto grupo, que trata do ambiente econômico nos quais as empresas se encontram, é avaliada a atratividade destes mercados, seus respectivos potenciais de crescimento e os riscos/barreiras inerentes aos mesmos. O sexto grupo trata das estratégias de negócios das empresas e são avaliados tanto o grau de diferenciação dos produtos das empresas, como seu poder de monopólio sobre a produção e comercialização dos mesmos.

Além da apresentação dos principais critérios usados pelos fundos na avaliação de propostas de investimentos, Boocock e Woods apresentam os principais motivos para rejeição de propostas. Estes motivos são o produto do acompanhamento feito junto ao fundo de VC no Reino Unido durante seus primeiros dois anos de operação. Neste período, o fundo recebeu 232 propostas, sendo que, destas, somente 206 tinham passado, na data de corte, pelo processo total de screening e análise, e apenas 3 receberam investimentos. Dentre os motivos apontados para a rejeição de propostas, alguns se destacaram por sua maior freqüência. O mais comum, representando 31% das propostas rejeitadas (o equivalente a 63 propostas), foi a falta de algumas informações relevantes nas propostas, aliada a avaliação subjetiva de que estas não mereciam averiguação mais profunda. Ademais, a baixa qualidade das propostas, pela omissão de certas informações, foi vista, pelos membros do fundo, como um reflexo da qualidade empreendedora dos próprios proponentes, apontando, claramente, a falta de atenção a detalhes relevantes. Em alguns casos, a falta informação pôde ser amenizada ou pela percepção dos membros do fundo sobre os mercados nos quais estas estavam inseridas, ou pela capacidade de diferenciação e monopólio que os produtos detinham (a falta desta capacidade foi responsável por 4% das rejeições, o equivalente a 8 propostas). O segundo motivo mais comum foi justamente a percepção de que as características do mercado no qual uma proposta se encontrava faziam com que esta não fosse atraente, representando 13% (26 propostas) das propostas rejeitadas. Empresas que se encontrava

em mercados muito fechados e especializados, maduros e saturados, invariavelmente tiveram suas propostas recusadas, por estas características serem impeditivas ao potencial de crescimento necessário.

Uma combinação de dois fatores foi responsável pela rejeição de um total de 15%

das propostas (31 propostas). Tais fatores foram a inadequação do tamanho do projeto, ou investimento requerido, à tese de investimento do fundo, representando 8% do total de 15% das rejeições, e o estágio muito nascente das empresas proponentes, representando os 7% restantes dos 15%. A combinação se encontra no fato do fundo ter como meta investir o máximo possível, o mais cedo possível, visando a possibilidade de reinvestir os retornos obtidos dentro do período de investimento. Assim, como empresas em estágios muito nascentes normalmente possuem uma demanda por investimentos de pequeno porte, fora determinado um limite de 15% do patrimônio do fundo que poderia ser investido nestas. Em outros casos, alguns investimentos requeridos eram acima do volume apropriado para o fundo, mesmo quando considerada a possibilidade de co-investimento com outros investidores. Isto fez com que algumas boas propostas fossem descartadas.

Outros motivos apresentados tratavam da capacidade/experiência dos empreendedores na administração de seus próprios negócios e de fatores financeiros, representando, respectivamente, 6% (13 propostas) e 3% (5 propostas) das propostas rejeitadas. Embora este último não seja tão significativo na amostra, serviu como sinalizador de qualidade no que tange a capacidade de previsão de crescimento da empresa e a capacidade do empreendedor em conseguir outros investidores para co-investirem com o fundo. Mais uma motivação apresentada foi a avaliação das propostas como tendo riscos excessivos, sendo esta fruto de dúvidas sobre as propostas oriundas de outros fatores e também representando 6% das propostas rejeitadas.

O último motivo apresentado, embora não seja exatamente um motivo de rejeição, foi a desistência dos proponentes em adquirir recursos do fundo. Isto representou 11%

das propostas (22 propostas) que não foram adiante no processo de investimento. Dentre as razões apontadas, duas merecem destaque. Uma delas foi a incapacidade dos empreendedores em atender as demandas do processo de due diligences, mesmo sendo, no caso deste fundo, reduzidos os custos atrelados a este procedimento devido tanto a parceiras feitas entre o fundo e as firmas provedoras dos serviços necessários para tal, como pelo fato dos próprios membros do fundo apresentarem o conhecimento necessário para realizar a due diligence pessoalmente. A outra razão foi a obtenção dos

recursos necessários em outras fontes, pois estas foram ou “mais baratas” ou mais rápidas em seu processo de avaliação do negócio. Esta última razão é deveras preocupante uma vez que, das 232 propostas recebidas, apenas três receberam investimentos do fundo. Isso representa uma razão “propostas recebidas/investimentos realizados” de 1,46%. Esta razão está próxima do padrão aparente apresentado por outros trabalhos, como o de Reid, Terry e Smith (1995) onde, de uma média de 550 propostas recebidas por ano por investidores de VC, apenas 15 receberam investimentos, representando uma razão de 2,73%.27 Isto claramente demonstra dois pontos-chave na atividade de um fundo de VC. O primeiro deles é a necessidade dos fundos de VC possuírem pipelines bem estruturados e com intenso dealflow. O segundo é a necessidade de que se tenha um processo de screening, seleção e análise de propostas que seja, ao mesmo tempo, rápido e eficaz na distinção entre oportunidades boas e ruins.

A importância deste segundo ponto-chave advém da necessidade de realizar a quantidade de investimentos previstos dentro do prazo determinado, ou seja, dentro do período de investimentos. A quantidade de investimentos previstos, ou quantidade-alvo de empresas investidas, é parte essencial na estratégia de investimentos do fundo. Isto porque a determinação prévia desta quantidade na proposta do fundo é um dos fatores determinantes na previsão do fluxo de caixa do fundo, o que, por sua vez, irá fundamentar a taxa de retorno prevista para o fundo. Assim, se faz interessante, agora, explorar alguns aspectos de sua estratégia de investimento.

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