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5.1.4 – O Fundamento da Legitimidade, validade do direito para Habermas

Visando a uma fundamentação jurídica do direito, a partir da teoria do discurso, Habermas se serve de um artifício que consiste nos direitos que “os

cidadãos são obrigados a atribuir-se reciprocamente, caso queiram regular legitimamente a sua convivência com os meios do direito positivo” (HABERMAS,

1997a, p.158-159).

Mas como regular essa convivência com o medium do direito positivo legitimamente instituído? Habermas ao delinear alguns passos para a solução desta questão, destaca que os cidadãos podem certificar-se de que o princípio do

discurso é válido, e que para esses mesmos cidadãos deve-se, clarificar o que implica teoricamente, a idéia da forma do direito que querem reivindicar para a regulação das suas vidas em comum. E, à luz da aplicação do princípio do discurso, Habermas elenca o resultado dessas aplicações no que tange à idéia da forma do direito, quais sejam:

1. A idéia dos “direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma (autonomia do cidadão) do direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas de ação.” (HABERMAS, 1997a, p.159)

2. A idéia dos “direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do status de um membro numa associação voluntária (livre) de parceiros do direito.” (HABERMAS, 1997a, p.159)

3. A idéia dos “direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade da postulação judicial (reclamabilidade) de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção judicial individual.” (HABERMAS, 1997a, p.159)

4. A idéia dos “direitos fundamentais à participação, em igualdade de chances, em processos de formação da opinião e da vontade, nos quais os civis (cidadãos) exercitam a sua autonomia política e através dos quais eles criam (instauram) direito legítimo.” (HABERMAS, 1997a, p.159).

Desta forma torna-se cada vez mais evidente que a validade, a legitimidade do direito, na hermenêutica do princípio do discurso em Habermas, resulta não somente que deve haver, em geral, direitos fundamentais às liberdades de ação, mas fundamentalmente, “...o princípio do discurso revela que todos têm um direito

à maior medida possível de iguais (mesmas) liberdades de ação subjetivas. São legítimas somente as regulamentações que fazem jus a esta condição da compatibilidade dos direitos de cada um com os iguais (mesmos) direitos de todos.” (HABERMAS, 1997a, p.160).

Portanto, o que dá validade ou o que legitima o direito é somente quando todas as pessoas – sem qualquer exclusão ou tentativa de eliminar as diferenças – devem ter as mesmas proteção do direito, as mesmas chances de participação em sociedade. Isso é o que dá validade, legitima o direito.

Somente através do princípio do discurso é que podemos falar em validade, em legitimidade do direito. Pois somente “à luz do princípio do discurso,

é possível fundamentar direitos elementares da justiça, que garantem a todas as pessoas igual proteção jurídica, igual pretensão de ser ouvido, igualdade da aplicação do direito, portanto o direito a serem tratadas como iguais perante a lei, etc.” (HABERMAS, 1997a, p.162).

A teoria não se completa senão pela práxis do discurso, pela participação discursiva do direito. Assim, a práxis torna-se elemento de fundamental importância na construção teórica de Habermas sobre a legitimidade, validade do direito, pois cuida-se de um direito fundamental político. É o que passaremos a destacar.

5.1.4.1 – A legitimidade, validade do direito fundamentado pela práxis

Até o presente momento, tivemos uma compreensão teórica da aplicação do princípio do discurso ao conceito da forma do direito, ou melhor, da idéia de instauração do direito e de sua legislação. Entretanto, temos de dar um passo decisivo para a compreensão da validade, legitimidade do direito e esse, consiste precisamente, em que os cidadãos mesmos assumam o papel de participantes do discurso, e possam realizar praticamente o que antes viram teoricamente, pois “o

teórico diz para os civis quais são os direitos que eles teriam que reconhecer reciprocamente, caso desejassem regular legitimamente sua convivência com os meios do direito positivo.” (HABERMAS, 1997a, p.163).

Trata-se, agora, da realização de mudança de perspectiva, onde os cidadãos, por si mesmos, podem e devem aplicar o princípio do discurso, tornarem-se participantes do discurso, pois, “enquanto sujeitos do direito, eles só

conseguirão autonomia se se entenderem e agirem como autores dos direitos aos quais desejam submeter-se como destinatários.” (HABERMAS, 1997a, p.163).

Doravante, são os próprios cidadãos que aplicam o princípio do discurso à forma do direito, culminando em legisladores historicamente concretos, sem os quais, torna-se impensável a idéia do direito positivo. Tendo presente o princípio do discurso, os próprios cidadãos fixam os direitos fundamentais concretos que são exigidos para a instauração de um código do direito. Não se limitam mais, portanto, à mera indicação formal das categorias de direito.

Os cidadãos, participantes do discurso e, aplicadores desse mesmo discurso à forma do direito, assumem o papel indelegável de autolegisladores, onde através do direito, expressam a sua autonomia. Pois essa

idéia de autolegislação tem que adquirir por si mesma validade no medium do direito. Por isso, têm que ser garantidas pelo direito as condições sob as quais os cidadãos podem avaliar, à luz do princípio do discurso, se o direito que estão criando é legítimo. Para isso servem os direitos fundamentais políticos à participação nos processos de formação da opinião e da vontade do legislador. (HABERMAS, 1997a, p.163-164). (Grifamos) 35

A idéia de autolegislação dos cidadãos ou de autonomia jurídica exige que, aqueles que estão submetidos ao direito como destinatários, possam também ser compreendidos, ao mesmo tempo, como autores do direito. Os cidadãos, assumindo papéis de legisladores, realizam a sua autonomia no próprio medium do direito. A constituição do medium do direito pressupõe direitos que constituem as pessoas de direito como portadora de direitos em geral. Os cidadãos como partícipes da legislação, participam como sujeitos de direito. Assim, a idéia democrática de autolegislação tem que se fazer valer no próprio medium do direito.

Na idéia de democracia autolegislante subjaz a compreensão de que esta se realiza através de um processo, sobretudo a de um processo democrático. Assim, a legitimidade do direito estará sujeita à realização deste processo. Vejamos a seguir a compreensão de uma legitimidade do direito mediada pelo processo democrático.

5.1.4.2 – A legitimidade do direito mediado pelo processo democrático

Habermas destaca que a condição necessária para o surgimento do direito legítimo, como figura concreta do princípio do discurso, é o processo democrático. A fonte de toda a legitimação está no processo democrático de instauração do direito. Processo esse, que implica necessariamente o princípio da soberania.

35 Optamos pela tradução de “direitos fundamentais políticos” e não legítimos, como se encontra na tradução

Pois na questão nuclear da indagação de Habermas, de onde o direito positivo obtém a sua legitimidade, não exita em responder que “certamente a

fonte de toda legitimidade está no processo democrático da legiferação; e esta apela, por seu turno, para o princípio da soberania do povo.” (HABERMAS,

1997a, p.122). Mais adiante Habermas reafirma que “o procedimento democrático

deve fundamentar a legitimidade do direito.” (HABERMAS, 1997a, p.191)

Portanto, Habermas assevera que a fonte de toda legitimação está no processo democrático de instauração do direito. Isso implica afirmar que não há outra forma de obtenção da legitimação a não ser no processo democrático. Um processo democrático interpretado conforme a teoria do discurso. Assim, só podem reivindicar legitimidade, aquelas regulamentações às quais todos os possíveis afetados poderiam assentir como participantes em discursos racionais.

Processo democrático que implica uma formação pública da opinião e da vontade, realizada através do princípio do discurso, pois, “os direitos de

participação política remetem à institucionalização jurídica de uma formação pública da opinião e da vontade, a qual culmina em resoluções sobre leis e políticas. Ela deve realizar-se em formas de comunicação, nas quais é importante o princípio do discurso...” (HABERMAS, 1997a, p.190-191)

Portanto, a forma jurídica construída ou mediada pelo princípio do discurso e realizada num processo democrático desemboca numa Gênese lógica de sistemas de direito. Habermas denomina de gênese lógica de direitos, que pode ser reconstruída passo a passo, como sendo o entrelaçamento em que “o

princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica” (HABERMAS, 1997a, p.158). Através dessa lógica, o

autor procura “fundamentar um sistema dos direitos que faça jus à autonomia privada e pública dos cidadãos. Esse sistema deve contemplar os direitos fundamentais que os cidadãos são obrigados a se atribuir mutuamente, caso queiram regular sua convivência com os meios legítimos do direito positivo” (HABERMAS, 1997a, p.154). Desse modo, o princípio da democracia confere ao processo de instauração do direito a sua força de legitimação.

O conceito discursivo de direito contém, portanto, a autonomia política dos cidadãos e, através do componente da legitimidade, a sua relação com o princípio do discurso e, desse modo, com as condições que possibilitam o exercício dessa autonomia política, a saber, o sistema de direitos fundamentais.

Para uma chave interpretativa de toda a legitimidade do direito deve-se pressupor, primeiramente, sujeitos autônomos legislando que, na aplicação do princípio da democracia, irão obter o direito legítimo. E é dada, a garantia da autonomia política desses cidadãos legislando, a não ser através do sistema de direitos.

Portanto a gênese “começa com a aplicação do princípio do discurso direito

a liberdades subjetivas de ação em geral e termina quando acontece a institucionalização jurídica de condições para um exercício discursivo da autonomia política...” (HABERMAS, 1997a, p.158). Assim, o princípio da

democracia garante normas legítimas e este exercício de aplicação do princípio do discurso na verificação, de quais normas são legitimamente válidas no discurso, de acordo com o princípio da democracia, é o próprio exercício discursivo da autonomia.

O sistema dos direitos “deve conter precisamente os direitos que os

cidadãos são obrigados a atribuir-se reciprocamente, caso queiram regular legitimamente a sua convivência com os meios do direito positivo.” (HABERMAS,

1997a, p.158-159). Mas como descobrir os direitos que os cidadãos tem que se atribuir reciprocamente, se eles querem regular legitimamente sua vida em comum com os meios do direito positivo? Para essa solução Habermas delineia duas etapas decisivas e que correspondem, precisamente, aos dois aspectos da autonomia política, ou seja, os sujeitos devem se compreender como destinatários (autonomia privada) e autores do direito (autonomia pública).

5.1.4.3 – A legitimidade por meio da autonomia privada e pública

Trata-se de descobrir aqui, os direitos fundamentais que garantem a autonomia privada dos sujeitos de direito (liberdades subjetivas de ação; livre arbítrio), na medida em que estes se reconhecem reciprocamente em seu papel de destinatários das leis e, com isso, se outorgam um status pelo qual eles podem reivindicar direitos e podem fazê-los valer entre eles.

Para descobri-los temos que aplicar o princípio do discurso à forma do direito, a partir da visão do teórico, isto é “o teórico diz aos cidadãos quais são os

legitimamente sua convivência com os meios do direito positivo. Isso explica a natureza abstrata das categorias jurídicas...” (HABERMAS, 1997a, p.163). Por

esse primeiro aspecto é dado aos sujeitos de direito o código do direito no qual eles podem expressar a sua autonomia política.

Trata-se de descobrir agora, os direitos fundamentais que garantem a autonomia pública dos sujeitos de direito, isto é, pelos quais os sujeitos de direito podem assumir o papel de autores da ordem jurídica. Habermas destaca que neste segundo aspecto “é preciso, no entanto, empreender uma mudança de

perspectivas, a fim de que os cidadãos possam aplicar por si mesmos o princípio do discurso. Pois, enquanto sujeitos do direito, eles só conseguirão autonomia se se entenderem e agirem como autores dos direitos aos quais desejam submeter- se como destinatários.” (HABERMAS, 1997a, p.163).

Portanto, se ficou claro para os participantes do ponto de vista teórico o que implica abstratamente uma aplicação do princípio do discurso à forma do direito, então, nesse segundo aspecto, e esse é o decisivo, tem que consistir em que os cidadãos mesmo assumam em suas mãos a tarefa e realizam praticamente o que antes perceberam teoricamente.

Assim, se a forma do direito implica: a) a idéia de “liberdades subjetivas de

ação”; b) a idéia de “status de um membro” da sociedade a constituir; c) a idéia de

“ reclamabilidade dos direitos”, (HABERMAS, 1997a, p.159), então na aplicação do princípio do discurso a esta forma do direito resulta: 1) a idéia de “direitos

fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas de ação”; 2) a idéia de

“direitos fundamentais que resultam da configuração politicamente autônoma do

status de um membro numa associação voluntária de parceiros do direito”; 3) a

idéia de “ direitos fundamentais que resultam imediatamente da possibilidade de

postulação judicial de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção jurídica individual” (HABERMAS, 1997a, p.159).

O importante nesse momento é perceber a relação entre o princípio do discurso e a forma do direito, onde as normas de ação que surgem na forma do direito autorizam os autores à defesa das liberdades subjetivas de ação (aqui está presente a legalidade que garante as liberdades subjetivas). Todavia, permanece uma questão importante: quais dessas normas são legítimas?