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O gerencialismo enquanto concepção de gestão da educação

CAPÍTULO II – GESTÃO PÚBLICA GERENCIAL E GESTÂO

2.1 O gerencialismo enquanto concepção de gestão da educação

A principal orientação para aplicação prática das políticas públicas, o gerencialismo enquanto doutrina administrativa concebe que a gestão

burocrática deva ser imediatamente eliminada do serviço público dando lugar a administração gerencial, sem, contudo, negar seus princípios fundamentais.

A concepção empresarial de gestão, como também é chamado o gerencialismo, assume contraditoriamente uma perspectiva de democratização, expressando o padrão prescritivo e normativo dos discursos oficiais cuja finalidade é a descentralização de responsabilidades e concentração de poder.

O cidadão, segundo esta concepção, possui uma conotação meramente, como instrumento do mercado. Sobre este aspecto o Plano Diretor manifesta- se: “[...] administração pública gerencial [que] concebe o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente de seus serviços” (BRASIL, 1995, p. 17).

Revela ainda, uma tendência de empresariamento da educação e de consolidação da participação de instituições do Terceiro Setor no campo educacional, o que resulta na substituição das ações diretas do Estado na área social dentro da lógica de transferências para orientar a administração e funcionamentos das instituições educativas.

A atuação destas instituições é pautada em orientações provenientes das agências multilaterais, inspiradas na lógica da administração empresarial e têm por objetivo um melhor desempenho do sistema escolar a partir da utilização de técnicas e princípios alicerçados na responsabilização, no controle do desempenho e dos resultados através da avaliação, primando pela eficiência, pela eficácia18 e pela produtividade.

Esta concepção de administração está focada em políticas de controle total dos resultados e incorpora a noção de democracia participativa definida pelo macro contexto de reforma do Estado, noção pela qual as políticas públicas permitem e incentivam o envolvimento direto dos atores sociais.

A democracia participativa incorporada pelo gerencialismo mantém como estratégia principal a regulação19, a perspectiva sociológica deste conceito encontra respaldo, conforme Oliveira (2009, p. 9) a partir:

18

Noção incorporada pela nova administração pública que se baseia na modernização da gestão.

19

Entende-se o ato ou efeito de regular, funcionar devidamente, estar bem proporcionado, harmonioso. Tem sua origem na fisiologia.

[...] das contribuições da teoria da regulação social, que se desenvolveu sobre influências funcionalistas e do estrutural- marxismo, compreendendo a noção de que a sociedade é um corpo auto regulável. Assim, o conceito de regulação integra a ideia de conflito, de antagonismo, de contradição e de rupturas.

A teoria da regulação concebe, portanto, que a multiplicidade de instâncias e de atores sociais conduz a sociedade a funcionar a partir deum conjunto de regras e regulamentos que acabam resultando em equilíbrios, tensões, rupturas, continuidades e contradições.

Neste sentido, o Brasil ao conceber o sucesso escolar enquanto objetivo principal dos esforços da educação brasileira se utiliza da regulação por resultados em detrimento dos insumos e dos processos que determinariam o alcance de suas metas.

Geralmente se propõe a melhorar a qualidade dos sistemas de ensino e escolas fazendo forte uso da avaliação e do estabelecimento de contratos. Passa-se da obrigação de meios e conformidade nos procedimentos para uma obrigação de resultados desenvolvendo-se regimes de prestação de contas e de responsabilização20.

Os novos modos de regulação estão associados a modificações na compreensão da relação entre desenvolvimento versus educação e as implicações resultantes disso para a atuação do Estado.

Para Oliveira (2009), o termo ‘regulação’ é considerado como uma categoria analítica que pode fornecer meios à compreensão dos processos políticos, econômicos e sociais mais recentes que vão além da interpretação dos mesmos como meras consequências de crise do capitalismo.

Neste contexto, a gestão é concebida como um conjunto de técnicas prescritas por especialistas, com finalidade pragmática e utilitária específica e orientada para a eficiência e eficácia da ação.

20

Remete à obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados. Quem desempenha funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que anda a fazer, como faz, por que faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir. Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas de auto-avaliar a obra feita, de dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou. A obrigação de prestar contas, neste sentido amplo, é tanto maior quanto a função é pública, ou seja, quando se trata do desempenho de cargos pagos pelo dinheiro dos contribuintes.

Os problemas educacionais passam a ser vistos como problema de gestão. É a gestão da escola que não apresentou soluções, ou intervenções que pudessem resolver seus problemas, havendo, portanto falha no processo de gerir.

No quadro 3, elencamos algumas variáveis convergentes ou antagônicas observadas na comparação dos modelos de gestão pública gerencial e democrática.

Quadro 3: Variáveis convergentes e/ou antagônicas observadas na comparação dos modelos de gestão pública gerencial e democrática.

CONCEPÇÃO Gestão pública gerencial Gestão publica democrática

Origem

Movimento internacional pela reforma do Estado, que se iniciou nos anos 1980 e se baseia nos modelos inglês e estadunidense.

Movimentos sociais brasileiros, que tiveram início nos anos 1960 e desdobramentos nas três décadas seguintes.

Projeto político

Enfatiza a eficiência administrativa e se baseia no ajuste estrutural, nas recomendações dos organismos internacionais e no movimento gerencialista.

Forma de gerir uma instituição, de maneira que possibilite a participação, transparência e democracia, Enfatiza a participação social e procura estruturar um projeto politico que repense o modelo de desenvolvimento brasileiro, a estrutura do aparelho de estado e o paradigma de gestão. Dimensões estruturais enfatizadas na gestão Dimensões econômico- financeira e institucional- administrativa.

Dimensão democrática e participativa.

Organização administrativa do aparelho do Estado

Separação entre as atividades exclusivas e não-exclusivas do Estado nos três níveis governamentais.

Enfatiza a importância de objetivos comuns assumidos por todos, a forma coletiva de tomada de decisões, sem porém, desobrigar a responsabilidade individual. Defende as formas de gestão participativa, sem excluir a necessidade de coordenação, de diferenciação de competências profissionais entre as equipes; a gestão eficaz e avaliação sistemática de execução das decisões tomadas. Abertura das instituições políticas à participação social Participativo no nível do discurso, mas centralizador no que se refere ao processo decisório, à organização das instituições politicas e à construção de canais de participação popular.

Participativo no nível das instituições, enfatizando a elaboração estruturas e canais que viabilizem a participação popular.

Abordagem na gestão

Gerencialismo: enfatiza a adaptação das recomendações gerencialistas para o setor público

Impulsionar a participação popular e inclui os sujeitos nos processos de gestão da política social, de forma a integrá-los nos processos de tomada de decisões, e ampliar o poder de pressão sobre as reivindicações que se pretende incluir nas arenas decisórias políticas.

Estes modelos de gestão apresentam limitações claramente perceptíveis no campo educacional como também possuem aspectos positivos, sistematizamos algumas destas percepções no quadro 4.

Quadro 4: Limitações e pontos positivos dos modelos de gestão analisados

LIMITAÇÕES PONTOS POSITIVOS

Administração pública gerencial

Centraliza o processo decisório e não estimula a elaborações de instituições politicas mais abertas;

Enfatiza mais as dimensões estruturais do que as dimensões sociais e politicas da gestão;

Implementou um modelo de reforma e gestão pública que se inspirou nas recomendações e no modelo sugerido pelo movimento internacional de reforma do Estado;

Não há uma proposta nova para a organização do aparelho de estado.

Possui clareza em relação à organização do aparelho do Estado e métodos de gestão; Alguns métodos gerencialistas vêm melhorando a eficiência do setor público especialmente no campo econômico-financeiro.

Administração pública Democrática

Não elaborou de forma mais sistemática, alternativas coerente com seu projeto político;

Não conseguiu ainda desenvolver uma estratégia que articule as dimensões econômico-financeira, institucional- administrativa e sociopolítica da gestão pública.

Procura elaborar um projeto que atenta os interesses nacionais; Está construindo instituições políticas e politicas públicas mais abertas à participação social e voltadas para as necessidades do cidadão.

Considerando-se os pontos convergentes, antagônicos e os aspectos negativos observadas na comparação dos modelos de gestão pública gerencial e democrática, depreende-se que proposição de um Estado mínimo e de uma administração gerencial pura, nos moldes do setor privado, tal como se atualmente se processa na educação brasileira torna-se inviável, pois na concepção de Silva (1995, p. 52):

A escola implica formação voltada para a cidadania, para a formação de valores-valorização da vida humana em todas as dimensões. Isso significa que a instituição escolar não produz mercadorias, não pode pautar-se pelo zero defeito, ou seja, pela perfeição.

A escola, portanto não pode ser entendida como uma empresa, como querem os elaboradores das politicas públicas. O aluno não pode ser reconhecido como um cliente da escola, mas parte dela. É sujeito que aprende que constrói seu saber, que direciona seu projeto de vida em direção à transformação de uma realidade que é clara aos olhos de todos.

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