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O grau de intimidade do informante em relação ao antropônimo a que se refere

5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

5.2 Análise dos dados

5.2.7 O grau de intimidade do informante em relação ao antropônimo a que se refere

Na subseção 4.3.4.1, viu-se que o fator intimidade é considerado pelas gramáticas tradicionais como fator determinante para o uso ou não de artigo definido diante dos antropônimos; os gramáticos postulam que o uso do artigo definido diante dos nomes próprios denota um tom de familiaridade ou afetividade, assim, antepõe-se o artigo definido diante de antropônimos com o intuito de marcar intimidade.

Porém, ao tratarem o fator intimidade como regra para o emprego do artigo definido nesse contexto, os gramáticos esquecem-se de determinar objetivamente em relação a quem essa intimidade deve estar relacionada, se ao falante, conforme Bechara (1987) e Almeida (1973), ao ouvinte, conforme Souza da Silveira (1960) e Said Ali (1964) ou aos dois. Levou- se em conta, nesta análise, o ponto de vista segundo o qual o fator intimidade está ligado à intimidade que o falante tem com o referente.

Para Amaral (2007), citado na subseção 4.5.6, os falantes usam a variante não predominante, seja ela a ausência ou a presença, para fazer referência a pessoas com as quais não têm nenhum grau de intimidade e a variação predominante para fazer referência às pessoas com as quais possui contato.

A partir desse ponto de vista, essa intimidade foi analisada, inicialmente, de acordo com três divisões: pessoa mais próxima do falante, pessoa mais distante do falante e pessoa pública. Como não houve nenhum caso de figura pública em nenhuma das entrevistas, essa

divisão foi desconsiderada. As tabelas (20) e (21) e o gráfico (8) apresentam o resultado desta análise:

TABELA 20

O grau de intimidade em relação ao referente em Abre Campo

Pessoa mais próxima % Pessoa mais distante %

Presença 68 47% 31 50% Ausência 76 53% 31 50%

Total 144 100% 62 100%

TABELA 21

O grau de intimidade em relação ao referente em Matipó

Pessoa mais próxima % Pessoa mais distante %

Presença 227 89 112 71 Ausência 28 11 45 29

GRÁFICO 8: Grau de intimidade com relação ao referente nas localidades de Abre Campo e Matipó

Em Abre Campo, o fator intimidade não interfere na variação ausência/presença de artigo definido diante de antropônimos com relação a pessoas mais distantes e interfere ligeiramente com relação a pessoas mais próximas. Já em Matipó, percebe-se que o artigo é predominante tanto no emprego com relação a pessoas mais próximas quanto no emprego com relação a pessoas mais distantes, sendo um pouco mais relevante no primeiro caso; em contrapartida, ao se analisar apenas a ausência nessa mesma localidade, fica claro que quando se trata de pessoa mais distante, os falantes empregam muito mais a ausência de artigo definido (29%), ao passo que, ao se referirem a pessoas mais próximas, empregam muito menos essa ausência (11%).

Uma questão discutida na subseção 4.3.4.1 que será retomada aqui, relaciona-se com o fato dos gramáticos colocarem o fator intimidade como regra para o uso do artigo diante de antropônimos, torna-se necessário saber duas coisas: primeiro, o que bloquearia esse sentimento de intimidade em algumas épocas ou em determinadas regiões, pois não se pode dizer que alguns falantes em determinadas épocas ou em determinadas regiões sejam incapazes ou desprovidos de intimidade; nos dados desta dissertação percebe-se que alguns

O grau de intimidade em relação ao referente (%)

53 50 11 29 47 50 89 71 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Pessoa mais próxima Pessoa mais distante Pessoa mais próxima Pessoa mais distante

Abre Campo Matipó

Ausência de artigo Presença de artigo

falantes usam, mais de uma vez, um mesmo nome próprio ora articulado ora não, ou vice- versa, conforme se observa nos exemplos abaixo:

(28) não... nasci na... na Pedra Branca que eu tô falano com cê é quando:: eu casei... que eu tive o... o primero minino... já foi na virada de lá... eu... eu troquei com meu pai né?... eu já tava isperano Ø Eli... já tinha dois ano de casada já... tava isperano o Eli... aí o Juaquim falô... não... agora faz assim... ê::... ê:: ... ele rematô um... o terreno da virada de lá... ê falô assim.. cois assim... agora nóis troca... ocê vem pra cá e:: e... ele passa lá pra... pra casa de lá... e eu... e eu... eu... eu... eu fico aqui... tomano conta aí... aí fiquei lá... tive o Eli lá... quando foi... quasi ganhano Mariquita eu... eu vortei pra cá e ele foi pra lá... (I1F87AC linhas 43-50)

(29) e o Ricardo gritava que num morreu... Ø Ricardo batia até a mão no volante... “num morreu não... Léia!”... falei... “morreu!!”... aí foi mia fia... e acarmô eu... eu pensei assim... (I6F30Mt linhas 659-661)

(30) pro seu avô num gostava de minino no sirviço... eu trabaiava pro Tunim... eu fui cumeçá a trabaiá pro Seu Nhonhô mesmo eu tava cum quinze ano... aí num saí mais não... os zoto num sabe... mais Ø Seu Nhonhô gostava do sirviço bem feito demais... minino era mei maçadô né?... ê num gostava não... (I8M70Mt linhas 506-507)

(31) eu cheguei e fiquei bem na frente do portão assim... bem na frente... sabia que era ela que ia abrir o portão... ela chegô a abrir o portão e olhô bem na minha cara... tava a Madalena e essa menina... essa minina lá... eu isquici até o nome do rai da muié já... nóis tão cunversano aqui... Amélia... tava Amélia e Ø Madalena... abrino o portão... essa sonseira chegô perto de mim e falô assim... “ocê aprendeu?”... eu falei assim... “ô... num tô mexeno com ocê não... cê vai pra puta que pariu e me larga eu quieto”... mandei a mulher pra puta que pariu... falei assim... “ah... arrumei otro pobrema”... a sorte minha é que Ø Madalena falô assim... “ô ... o minino já tá nervoso que ele perdeu aula... perdeu tudo... perdeu matéria... perdeu um punhado de treim aí... e ocê ainda vai mexê com ele?... que que ocê tá cassando?... eu num vô fazê na/... mais nada não”... (I4M29AC linhas 292-302)

Nota-se pelos exemplos (28), (29), (30) e (31) que os falantes ora empregam os antropônimos articulados, ora não. Ao analisarmos o grau de intimidade entre o falante e o referente, percebemos que em (28) a informante fala do filho, em (29) de um vizinho íntimo,

em (30) de um antigo patrão e, em (31), da diretora da escola. Percebe-se que o grau de intimidade com relação aos diversos referentes difere, mas, ao mesmo tempo, ora esses antropônimos são articulados ora não; se é uma regra, como postulam as gramáticas tradicionais citadas na subseção 4.3.4.1, não poderia ser variável. Os dados quantificados e os exemplos acima servem para nos mostrar que o parâmetro intimidade ou familiaridade do referente do antropônimo influi sim no emprego de artigo definido diante de antropônimos – o que pode ser observado na fala dos moradores da zona rural de Matipó –, mas não deve ser visto uma regra categórica.

5.2.8 Antropônimos em estruturas de genitivo

Decidiu-se por verificar se a presença do antropônimo em estrutura de genitivo seria um fator relevante estatisticamente na ausência/presença de artigo definido, conforme citado na subseção 4.3.4.1. A tabela 22 retrata o resultado dessa quantificação.

TABELA 22

Análise das ocorrências de antropônimos em estruturas de genitivo em Abre Campo e Matipó

Abre Campo % Matipó %

Presença 18 54 62 91 Ausência 15 45 6 9

Total 33 100% 68 100%

Antropônimos em estruturas de genitivo em Abre Campo e Matipó 45 9 54 91 0 20 40 60 80 100

Abre Campo Matipó

Ausência de artigo Presença de artigo

GRÁFICO 9: Ocorrências de antropônimos em estruturas de genitivo em Abre Campo e Matipó

Como se percebe, a ausência/presença de artigo definido nas ocorrências de antropônimos em estruturas de genitivo é bem diferente nas duas localidades. Em Abre Campo, há uma ligeira tendência ao uso de artigo definido (54%); enquanto que, em Matipó, a presença de artigo definido nesse tipo de estrutura é quase absoluta (91%). Essa diferença de percentual explica o “estranhamento” percebido por certos falantes e que aparece como marca de distinção da fala dos moradores dessas localidades. São estruturas como as que seguem abaixo que servem de exemplo para os moradores de Abre Campo e Matipó quando querem referir à variação da ausência/presença de artigo definido diante dos antropônimos:

(32) aí ela pegô e ficô naquele treim e falô com a tia de Ø Bráulio... tia de Ø Solange aí... que tava... era cantinera aí... e falô assim... “cê vai ficá com ele aí até meio-dia”... e me largô sem recreio né?... (I4M29AC linhas 61-63)

(33) eu... e a Antônia... Ister... e Sebastiana... istudava lá trás na virada de lá... na casa do... do... do... do Sô Vergílio Queiroiz... (I1F87AC linhas 141-142)

(34) mais lá tinha uma purção de... de rapaiz de Manhuaçu... de Matipó... fio de Ø Chico Toledo... (I3M70AC linhas 17-18)

(35) é igual a Gabriela do Geraldinho ali ó... uma minina daquê tamaninho ó... cê manda êa pegá o livro... ela lê e iscreve normal... (I7M29Mt linhas 167-169)

(36) e eu mais o Gerardim saímo correno... e a estrada aqui era buraco puro... chegamo na casa de Ø Solange... do Ricardo seu irmão... (I6F30Mt linhas 634-635)

(37) era tudo assim... o... a Sinsinha do Zé Pidrim cê sabe quem é né?... num sei se cê lembra... (I5F95Mtlinhas 705-706)

As estruturas acima formam um sintagma preposicional constituído de preposição, ausência/presença de artigo definido e antropônimo. Esse sintagma liga-se a um nome anterior estabelecendo uma relação de posse.

Cabe destacar que na entrevista da informante I6F30Mt encontramos 20 (vinte) casos de antropônimos em estruturas de genitivo; desses 20 (vinte) casos, apenas 1 (um) aparece desarticulado e é justamente o exemplo (36); a informante da zona rural de Matipó refere-se nesse caso a uma amiga e vizinha sua que nasceu no Córrego do Pouco Alto, zona rural de Abre Campo, que possui a fala marcada pela preferência a utilizar estruturas com ausência de artigo definido. Logo após se referir à “casa de Ø Solange”, a informante refere-se imediatamente ao marido dessa sua amiga “do Ricardo”; é interessante pois a preferência à estrutura “casa de Ø Solange” pode estar influenciada pela fala da própria pessoa referida.