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O Grupo de Galilei

No documento Cap´ıtulo 21 Grupos. Alguns Exemplos (páginas 111-116)

21.7 O Grupo de Lorentz em 3 + 1-Dimens˜ oes

21.7.7 O Grupo de Galilei

Para diversos prop´ositos ´e interessante comparar o grupo L

+ com seu correspondente n˜ao relativ´ıstico: o grupo de Galilei68. Excluindo-se a revers˜ao temporal e as reflex˜oes espaciais, as bem conhecidas transforma¸c˜oes de Galilei da Mecˆanica Cl´assica s˜ao fornecidas por matrizes reais 4×4, da forma

G r, ~v

transformam da seguinte forma um vetor com 4 componentes (~xt):

G r, ~v

A interpreta¸c˜ao f´ısica-geom´etrica dessa express˜ao ´e que ela apresenta uma transforma¸c˜ao de sistemas de referˆencia inerciais na qual os eixos espaciais coordenados s˜ao rodados de r ∈ SO(3) e em seguida ´e aplicado um boost n˜ao relativ´ıstico de velocidade ~v ∈ R3, sem alterar intervalos de tempo. Transforma¸c˜oes entre sistemas de referˆencia na Mecˆanica Cl´assica s˜ao estudadas na Se¸c˜ao 44.1, p´agina 2398. Vide, em particular a Proposi¸c˜ao 44.2, p´agina 2406.

E. 21.107 Exerc´ıcio. Mostre que o conjunto de matrizes G+ := n

G r, ~v

, r∈SO(3)e~v∈R3o forma um grupo pelo produto usual de matrizes: mostre que vale a regra de produto

G r1, ~v1

Galileiem(3 + 1)-dimens˜oes. 6

As matrizes G ~v Disso, vˆe-se que

G ~v

, ~v∈R3 ´e um subgrupo Abeliano do grupo de Galilei, denominadogrupo dos boosts de Galilei.

Ao contr´ario do que ocorre com os boosts de Lorentz, os boostsde Galilei formam por si s´o um grupo e esse grupo ´e Abeliano (e isomorfo ao grupo aditivoR3). Esses fatos comp˜oem uma marcante diferen¸ca entreL+ eG+.

68Galileo Galilei (1564–1642).

De (21.232) ´e f´acil constatar que o grupo de GalileiG

+´e isomorfo ao grupo obtido pelo produto semidireto SO(3)sR3, com SO(3) representando rota¸c˜oes e R3 representandoboostsde Galilei.

O conjunto de matrizes SRot = G r, ~0

ou seja, todo elemento de G+ pode ser escrito como o produto de uma rota¸c˜ao seguida de um boostde Galilei (ou na ordem oposta). Compare-se com a afirmativa da Proposi¸c˜ao 21.30, p´agina 1136, e coment´arios que se lhe seguem.

Vamos agora estudar os geradores infinitesimais do grupo de Galilei.

E. 21.108 Exerc´ıcio. Mostre que os geradores infinitesimais dosboostsde Galilei s˜ao as matrizes

M1 =

Compare-os aos geradores infinitesimais dosboostsdo grupoL+dados em (21.217), p´agina 1134. Mostre que os geradores infinitesimais das rota¸c˜oes no grupo de Galilei s˜ao as matrizes

J1 =

Constate que (sem nenhuma surpresa) eles s˜ao idˆenticos aos geradores infinitesimais do subgrupo de rota¸c˜oes do grupoL

+ dados em (21.218), p´agina 1135.

Mostre que os geradores infinitesimais MaeJb, coma, b= 1,2,3, acima, satisfazem as seguintes rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao:

[Ja, Jb] =

Mostre tamb´em que de (21.236)–(21.238) segue que hα~·M~ +β~·~J, ~γ·M~ +~δ·~Ji por todas as combina¸c˜oes lineares reais dos seis geradores infinitesimaisMa eJbformam uma ´algebra de Lie real, a´algebra de Lie do grupo de GalileiG+. Compare essa ´algebra de Lie com a ´algebra de Lie do grupoL+, tal como exibida em (21.219)–(21.221) e (21.222), p´agina 1136.

Mostre tamb´em queG ~v

= exp ~v·M~

, para todo~v∈R3, calculando explicitamente a exponencial do lado direito (isso ´e f´acil, pois as matrizes~v·M~ s˜ao nilpotentes).

Juntando isso `a afirma¸c˜ao de (21.233) e ao fato de todo elementor∈SO(3)ser da formaexp θ~η·J~

, comJ~sendo os geradores infinitesimais deSO(3),θ ∈[0, π]e ~η∈R3 comk~ηk= 1(vide Se¸c˜ao 21.4.2, p´agina 1070), conclua que todo elemento de G+ ´e da forma

G

exp θ~η·J~ , ~v

= exp

~v·M~ exp

θ~η·~J .

Compare com a afirma¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 21.32, p´agina 1138, sobre o grupo de Lorentz. 6

• O grupo de Galilei n˜ao homogˆeneo

O chamadogrupo de Galilei n˜ao homogˆeneo´e o grupo obtido do produto semidireto69deG+ com o grupo aditivo de transla¸c˜oes (R4, +), ou seja,G+s(R4, +). Seus elementos s˜ao, portanto, pares ordenados G r, ~v

, a

comG r, ~v

∈G+ ea∈R4, sendo o produto dado por

G r, ~v

, a

·

G r, ~v , a

=

G r, ~v

G r, ~v

, G r, ~v a+a

. A a¸c˜ao de um elemento G r, ~v

, a

, do grupo de Galilei n˜ao homogˆeneo, no espa¸co-tempoR4´e interpretada como uma transforma¸c˜ao de GalileiG r, ~v

seguida de uma transla¸c˜ao pora∈R4.

A vers˜ao relativ´ıstica do grupo de Galilei n˜ao homogˆeneo ´e o grupo de Poincar´e, apresentado na Se¸c˜ao 21.8, p´agina 1146.

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Nota. Para um estudo mais aprofundado do grupo de Galilei, de suas representa¸c˜oes irredut´ıveis, da ´algebra de Lie dos seus geradores infinitesimais e das aplica¸c˜oes desses temas `a Mecˆanica Quˆantica N˜ao Relativ´ıstica, vide:

1. Jean–Marc L´evy–Leblond,“Galilei group and Galilean invariance”, em [259], vol. 2. p´aginas 221–296.

2. Jean–Marc L´evy–Leblond, “Galilei Group and Nonrelativistic Quantum Mechanics”, J. Math. Phys. 4, 776–789 (1963). Doi.:

10.1063/1.1724319.

3. H. Bacry and J.–M. L´evy–Leblond,“Possible kinematics”, J. Math. Phys.9, 1605–1614 (1968).

4. J.–M. L´evy-Leblond,“Une nouvelle limite non-relativiste du groupe de Poincar´e”, Ann. Inst. H. Poincar´e, Sect. A3, 1–12 (1965).

Vide tamb´em:

5. E. ˙In¨on¨u, E. P. Wigner,“On the Contraction of Groups and Their Representations”. Proc. Nat. Acad. Sci.39(6), 510–524 (1953).

Doi: 10.1073/pnas.39.6.510.

Para uma leitura extremamente interessante e que cont´em coment´arios sobre as contribui¸c˜oes supralistadas de L´evy–Leblond70, ˙In¨on¨u71 e Wigner72, vide: Freeman J. Dyson73,“Missed opportunities”. Bull. Amer. Math. Soc.78, Number 5, 635–652 (1972).

21.7.7.1 Compara¸c˜ ao Entre os Grupos de Galilei e Lorentz. Contra¸c˜ oes

Nesta se¸c˜ao discutiremos de que forma podemos obter o grupo de Galilei como um limite do grupo de Lorentz. Essa quest˜ao ´e relevante devida `a cren¸ca de a F´ısica n˜ao relativ´ıstica ser um limite da F´ısica relativ´ıstica quando a velocidade da luz for formalmente tomada como infinita. Como veremos, essa tomada de limite pode ser formulada de maneira precisa. Come¸camos com uma observa¸c˜ao que aponta para certas sutilizas dessa quest˜ao.

• Uma transforma¸c˜ao de Galilei n˜ao ´e uma transforma¸c˜ao de Lorentz lenta

Uma transforma¸c˜ao de Galilei que n˜ao envolva rota¸c˜oes, mas apenas umboostcom velocidade na dire¸c˜ao 1 ´e da forma

t = t , (21.240)

x = x−vt , (21.241)

y = y , (21.242)

z = z . (21.243)

69A no¸c˜ao geral de produto semidireto de grupos encontra-se definida na Se¸c˜ao 2.2.4.2, p´agina 146.

70Jean–Marc L´evy–Leblond (1940–).

71Erdal ˙In¨on¨u (1926–2007).

72Eugene Paul Wigner (1902–1995).

73Freeman John Dyson (1923–2020).

Sob as mesmas restri¸c˜oes, uma transforma¸c˜ao de Lorentz ´e da forma (vide (21.203)) t = γ(v)

t−v cx

, (21.244)

x = γ(v) x−vt

, (21.245)

y = y , (21.246)

z = z , (21.247)

comγ(v) = 1/

q

1− vc2

. Se desprezarmos termos da ordem (v/c)2, aproximando, portanto,γ(v) por 1, essas expess˜oes ficam

t = t−v

cx , (21.248)

x = x−vt , (21.249)

y = y , (21.250)

z = z . (21.251)

Comparando-se (21.248)-(21.251) a (21.240)-(21.243), vemos que o lado direito de (21.240) e de (21.248) diferem. Com isso, adquirimos o importante entendimento de que uma transforma¸c˜ao de Galilein˜ao´e meramente uma transforma¸c˜ao de Lorentzlenta, ou seja, comv/cpequeno, de sorte que possamos desprezar termos da ordem de (v/c)2.

A diferen¸ca entre que o lado direito de (21.240) e de (21.248) ´e o termo −vcx, que se origina na necessidade de, em uma teoria relativ´ıstica, se considerar tempos de retardo no processo de sincroniza¸c˜ao de rel´ogios em um sistema de referˆencia inercial, devido `a finitude de progaga¸c˜ao de sinais luminosos.

Coloca-se, assim, a quest˜ao de como exatamente devemos proceder se desejamos obter o grupo de Galilei como algum limite do grupo de Lorentz. Como veremos no que segue, a resposta n˜ao ´e surpreendente: devemos tomar de forma apropriada o limite c → ∞ e n˜ao meramente desprezar termos em (v/c)2. Como exatamente fazer isso ´e o que discutiremos no que segue.

• Compara¸c˜ao entre os Grupos de Galilei e Lorentz. Contra¸c˜ao

As express˜oes (21.215)-(21.216) para os boostsde Lorentz foram obtidas adotando-se, por mera conveniˆencia,c= 1.

Para uma compara¸c˜ao com o grupo de Galilei ´e conveniente expressarmos os boosts de Lorentz adotando-se c 6= 1, supondo, al´em disso, que os pontos do espa¸co-tempo sejam representados por coordenadas

t

x1

x2

x3

, comttendo a dimens˜ao de “tempo” e com as coordenadasxk tendo dimens˜ao de “espa¸co”. A passagem das coordenadas

x0

x1

x2

x3

, comx0 =ct, para as coordenadas

t

x1

x2

x3

´e implementada pela matriz

C :=

c0 0 0

0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1

, atrav´es de

x0

x1

x2

x3

= C t

x1

x2

x3

. Assim, a a¸c˜ao dosboosts´e dada por

Bk(z) x0

x1

x2

x3

= Bck(z) t

x1

x2

x3

, k= 1,2, 3, onde

Bck(z) := C1Bk(z)C ,

ou seja,

Os respectivos geradores infinitesimais dosboostsBck(z) s˜ao agora expressos, n˜ao como em (21.217), mas como Mc1 =

Os geradores infinitesimais das rota¸c˜oes n˜ao se modificam. Quanto `as rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao (21.219)-(21.221), usando-se (21.256) e o fato queCeJk comutam para cadak= 1,2,3, obtemos

Verifique! Observe-se que s˜ao as mesmas express˜oes que em (21.219)-(21.221), e constatamos assim que a forma das mesmas independe dec.

Definamos agoraMG, ck :=c1Mck, k= 1,2,3, ou seja,

Com isso, (21.255) fica

Bck(z) = exp

(cz)MG, ck

, k = 1,2,3. (21.261)

As rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao (21.257)-(21.259) tornam-se [Ji, Jj] =

X3

k=1

εijkJk , (21.262)

MG, ci , MG, cj

= −1 c2

X3 k=1

εijkJk , (21.263)

Ji, MG, cj

=

X3 k=1

εijkMG, ck . (21.264)

Tomando-se nas express˜oes (21.262)-(21.264) o limite c→ ∞, obtemos [Ji, Jj] =

X3

k=1

εijkJk, (21.265)

MGi , MGj

= 0, (21.266)

Ji, MGj

=

X3 k=1

εijkMGk , (21.267)

ondeMGk := lim

c→∞MG, ck ,k= 1,2,3, ou seja, MG1 =

0 0 0 0

1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

, MG2 =

0 0 0 0

0 0 0 0

1 0 0 0 0 0 0 0

, MG3 =

0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 0

1 0 0 0

. (21.268)

Esses s˜ao precisamente os geradores infinitesimais dos boostsde Galilei, indicados em (21.234), e as rela¸c˜oes (21.265)-(21.267) s˜ao precisamente as rela¸c˜oes (21.236)-(21.238), que definem a ´algebra de Lie do grupo de Galilei.

Voltando ao lado direito de (21.261), observamos quecz =ctanh1(v/c). Parac→ ∞isso converge ave, portanto, nesse limite osboostsBck(z) convergem a exp vMGk

, agora comv∈R, que s˜ao osboostsde Galilei na dire¸c˜aok.

O processo acima descrito, de transforma¸c˜ao da ´algebra de Lie do grupo de Lorentz (descrita pelas rela¸c˜oes (21.219)-(21.221) ou (21.257)-(21.259)) na ´algebra de Lie do grupo de Galilei (descrita pelas rela¸c˜oes (21.236)-(21.238)) tomando-se o limite em que um parˆametro (no caso,c) vai a infitito junto com alguns reescalonamentos adequados, ´e denominado contra¸c˜ao de ´algebras de Lie, tendo sido estudado por ˙In¨on¨u74 e Wigner75, especialmente em suas implica¸c˜oes sobre a teoria das representa¸c˜oes das ´algebras de Lie. Para o trabalho original, vide [197]. Para estimulantes notas hist´oricas, vide [198].

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