• Nenhum resultado encontrado

O homem e o mundo contemporâneo: busca de identidades?

2 A GEOGRAFIA HUMANISTA CULTURAL: percurso histórico-

3.1 O homem e o mundo contemporâneo: busca de identidades?

O homem contemporâneo, produto de uma internacionalização das relações econômicas, está inserido em um intenso e crescente processo de identificação, no qual nem sempre consegue sentir-se representado. Essa necessidade de representação faz com que ele se volte para si mesmo, tentando encontrar-se. A integração desse homem, que busca referências para formar sua identidade, acaba por acontecer de dentro para fora. Ele procura em elementos exteriores da sociedade global as formas de poder ressocializar-se neste novo contexto.

Isso porque este homem, pressionado por um mundo cada vez mais exigente, complexo e desorganizado, cuja natureza dos problemas cotidianos é constantemente redimensionada, marcada pela ambiguidade, tem sua identidade transformada rapidamente. Contudo, apesar de o homem contemporâneo adotar várias identidades, ele sempre estará buscando a sua identidade, pois o sujeito necessita de reconhecimento. Mesmo que seja somente de um único aspecto social ou pessoal, ele precisa saber que a sua subjetividade existe e está sendo preservada ou globalizada.

Esse fenômeno, comum às comunidades contemporâneas, tem demonstrado a fragilidade e a dificuldade que o homem tem tido na constituição de sua identidade e reconhecimento de sua subjetividade, de forma que cada vez mais se intensifica o processo de deslocamento.

Nesse contexto, os textos literários contemporâneos fazem o mesmo em relação às noções de formação do sujeito e constituição de sua identidade. Segundo Hutcheon (1991, p.15), os romances contemporâneos ―[...] desafiam o pressuposto humanista de um eu unificado e uma consciência integrada, por meio do estabelecimento e, ao mesmo tempo, da subversão da subjetividade coerente [...]‖. Tal constituição está pautada na descentralização e na diferença, o que sugere a multiplicidade, a heterogeneidade e a pluralidade.

A identidade, nesse contexto, caracteriza-se por um processo constante de construção e ressignificação, que se dá ao longo do tempo, através de processos conscientes e inconscientes, e não algo inato, existente na consciência antes mesmo do nascimento. Existe sempre algo imaginário ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece constantemente incompleta, está sempre em processo, sendo formada, transformada, construída, reconstruída.

Segundo Boaventura de Souza Santos (2000, p.135), para compreender como se formam as identidades, seria necessário partir do princípio de que ―Identidades são, pois, identificações em curso. Identificações, além de plurais, são dominadas pela obsessão da diferença e pela hierarquia das distinções. Quem pergunta pela sua identidade questiona as referências hegemônicas [...]‖. Portanto, nenhuma identidade é fixa, está sempre em constante movimento de formação ou

destruição, e cada indivíduo é, ao mesmo tempo, único e múltiplo em sua constituição.

Ao invés de falar da identidade como algo acabado, deve-se falar em identificação e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não da plenitude da identidade que já está dentro dos indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir do exterior, pelas formas através das quais os sujeitos imaginam ser vistos pelos outros. Assim, o indivíduo continua buscando a identidade e construindo biografias que tecem as diferentes partes de seus eus, divididos numa unidade.

Assim, se a identidade remete a traços individuais, naquilo que podemos chamar de identidade individual, em termos gerais, o que confere identidade a um indivíduo está relacionado à sua inserção social. Portanto, não é possível pensar o conceito de identidade sem pensar a sua relação com a alteridade. Embora a identidade esteja atrelada à condição pessoal, é preciso considerar que só se define o eu em relação ao outro. Identidade, portanto, pode ser considerada uma categoria transitiva, o que implica a relação de semelhança e, concomitantemente, de diferença.

O fato é que a sociedade e, consequentemente, os sujeitos, conforme os argumentos levantados por Hall (2001), não são um todo unificado e bem delimitado. Eles estão constantemente descentrando-se, sendo deslocados por forças fora de si mesmos, por isso as sociedades contemporâneas se veem atravessadas por diferenças e antagonismos sociais que produzem múltiplas identidades.

As identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado histórico com o qual elas continuariam a manter uma certa correspondência. Elas tem a ver, entretanto, com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos. (HALL, 2001, p. 109)

O conceito de identidade pessoal também passa por mudanças, na medida em que a visão de um sujeito integrado desfaz-se. Essa perda de um ―sentido de si‖ ocasionou o que se denomina ―deslocamento ou descentralização do sujeito‖, segundo Stuart Hall. O que gera esse fenômeno é a ação conjunta de um duplo

deslocamento: a descentralização dos indivíduos, tanto do seu lugar no mundo social e cultural, quanto de si mesmos.

Também as trajetórias individuais, que conferem aos sujeitos traços de identidade pessoal, são importantes na configuração desse contexto de interações sociais, criando alguns padrões coletivos de identidade. Podemos perceber, então, como as experiências vivenciadas por eles em termos de inserção pessoal e coletiva são fundamentais para a construção de suas identidades.

Neste sentido, outra contribuição relevante para o que aqui se discute pode ser outro trabalho de Stuart Hall acerca dos mecanismos de construção de identidades sociais e culturais na Jamaica. Hall (2002) partilha da ideia de que a identidade não pode ser tomada de forma cristalizada, mas sim como um processo e propõe duas maneiras de se pensar a ―identidade cultural‖, que pode ser tomada como referência para a identidade social. Seria, portanto, uma construção de identidades por um partilhamento de interesses e visões. Para o autor, é impossível pensar a construção das identidades como resultante somente de partilhamentos de pontos comuns ou do estabelecimento de contrastes e oposições. A produção da identidade, enquanto processo, contempla estes dois aspectos.

Há, ainda, a necessidade de se destacar o caráter frágil e transitório da identidade cultural. Zygmunt Bauman (2005, p.12) ressalta que na sociedade contemporânea, em que cada vez mais as identidades sociais, culturais e sexuais têm se tornado incertas e transitórias, ―[...] qualquer tentativa de ‗solidificar‘ o que se tornou líquido por meio de uma política de identidade levaria inevitavelmente o pensamento crítico a um beco sem saída.‖

Este autor ressalta, ainda, que vários autores que têm como objeto de pesquisa os estudos pós-coloniais, como é o caso de Homi Bhabha em O Local da Cultura (2007), já enfatizaram que o recurso à identidade deveria ser considerado um processo constante de ―[...] redefinir-se e de inventar e reinventar a própria história.‖ (BAUMAN, 2005, p.13).

Portanto, a produção literária contemporânea, especialmente em língua portuguesa, tem contribuído nesse processo, à medida que tem permitido a reflexão, a partir da ficção, das relações estabelecidas entre os personagens dos textos

produzidos, bem como a forma como os sujeitos se vinculam aos espaços por eles habitados e às experiências neles vivenciadas, os quais lhes confere, também, identidade.