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O Horizonte da Educação Superior Brasileira em Face do Avanço Neoliberal

2. CAPÍTULO – AVANÇO NEOLIBERAL E A PRIVATIZAÇÃO DOS DIREITOS

2.3 O Horizonte da Educação Superior Brasileira em Face do Avanço Neoliberal

2.3 O Horizonte da Educação Superior Brasileira em Face do Avanço Neoliberal

Analisar a relação do neoliberalismo e da globalização do modo de produção pós-industrial com os recentes avanços das Tecnologias da Informação (TICs) e os seus respectivos impactos no mundo do trabalho, bem como a consolidação do setor de serviços, torna-se condição necessária à compreensão das contradições estruturais que acompanham em paralelo a metamorfose, no contexto neoliberal, dos direitos sociais historicamente conquistados em bens de consumo. Oliveira (2009, p. 740), em importante diagnóstico, alerta para as consequências desse processo na educação:

Podem ser identificadas quatro consequências da globalização para a educação, todas elas eivadas de tensões e contradições: a) a crescente centralidade da educação na discussão acerca do desenvolvimento e da preparação para o trabalho, decorrente das mudanças em curso na base técnica e no processo produtivo; b) a crescente introdução de tecnologias no processo educativo, por meio de softwares educativos e pelo recurso a educação à distância; c) a implementação de reformas educativas muito similares entre si na grande maioria dos países do mundo; d) a transformação da educação em objeto do interesse do grande capital, ocasionando uma crescente comercialização do setor. (grifos nossos).

Como bem explica Antunes (2017), o séc. XXI se apresenta como síntese temporária dos processos iniciados e acumulados ao longo do séc. XX, no qual a preservação e o aumento das contradições estruturais de acumulação do capital pelo neoliberalismo levaram a crise à classe que sobrevive do trabalho. Em meados da década de 1970, a lógica de produção capitalista foi radicalmente reconfigurada pelos avanços da automação, da robótica e da microeletrônica. Nesse sentido, a nova tecnologia foi incorporada ao emergente conceito de produção toyotista, e a outros setores sociais, por exemplo, à educação.

Assim como o fordismo e o taylorismo promoveram substanciais mudanças na lógica de produção e na mentalidade do séc. XIX e XX, bem como da sociedade europeia e posteriormente no mundo, o toyotismo num curto espaço de tempo incorporou-se e/ou substituiu o fordismo em diversos países, reforçando a nova fase do capitalismo globalizado, reconfigurando a mentalidade cultural e a estrutura social dos países em escala global, precarizando as condições de vida da classe trabalhadora.

Portanto, a “longa transformação” do capital chegou à era da financeirização e da mundialização em escala global, introduzindo uma nova divisão internacional do trabalho, que apresenta uma clara tendência, quer intensificando os níveis de precarização e informalidade, quer se direcionando à “intelectualização” do trabalho, especialmente nas TICs.

Não raro, as duas tendências se mesclam e sofrem um processo de simbiose.

(ANTUNES, 2017, p 35, grifo nosso).

O Estado, nesse contexto, adere a processos de racionalização e organização de caráter empresarial, cujo efeito, sobretudo para a educação, como será mais bem explorado nos capítulos seguintes, é a mercantilização da educação, somado à degradação do trabalho e à perda de autonomia dos professores na realização do seu trabalho profissional uma vez que

“[...] o espírito da racionalização tecnológica do ensino, na qual o docente vê sua função reduzida ao cumprimento de prescrições externamente determinadas, perdendo de vista o conjunto e o controle de sua tarefa.” (CONTRERAS, 2002, p.36).

O avanço do capital financeiro globalizado proporcionado pelas TICs avança em retração às ações do Estado, o que, de acordo com Bianchetti e Sguissardi (2017), possibilitou que os serviços sociais entrassem no circuito global de mercadorias, sobretudo a educação superior que, agora mercantilizada, passa a ser comercializada como “commodities” por oligopólios transnacionais que cooptam cada vez mais redes privadas do ensino superior brasileiro - no qual o Estado assume papel regulamentador - sedento por acumulação de capital. Esse processo ocorre em detrimento da formação educacional superior defendida por Pimenta e Anastasiou (2002), a saber, integral, crítica, autônoma e emancipadora, valores aqui entendido como imprescindíveis à conquista da justiça social num país historicamente marcado pela estrutural desigualdade material e cultural que separa a população em dois polos antagônicos: aqueles, uma minoria, que têm seus direitos assegurados, daqueles, a grande maioria da população pobre da periferia das grandes cidades que, destituídos das condições materiais básicas para viverem incluídos na sociedade, não podem, segundo Antunes (2017) sequer participar do “privilégio da servidão”.

Nesse sentido, é possível perceber que o avanço neoliberal e a consequente mercantilização dos direitos sociais, sobretudo a educação superior, possui poder suficiente para provocar graves fissuras nos alicerces da “jovem democracia” brasileira, pois o Estado enquanto instituição republicana passa a incorporar ao seu modus operandi uma lógica de racionalidade-instrumental-empresarial-excludente contraposta ao caráter universal-includente das instituições públicas, cujo impacto consiste em metamorfosear direitos universais em mercadorias às quais o acesso responde ao crivo seletivo do Capital.

As políticas neoliberais, desde meados da década de 1970, vêm reconfigurando a morfologia social, encontrando no campo educacional importante e novo território para perpetuação do status quo, sobretudo porque a universidade nesse contexto circunscreve a produção do conhecimento aos interesses do mercado. Dessa forma, o conhecimento

“matéria prima” encontra cada vez mais espaço no ambiente universitário muito em decorrência das múltiplas formas que encontrou para ingressar em territórios dos quais antes encontrava certa resistência e, por isso, apresenta-se hegemonicamente na academia como única forma de atender aos interesses societários, além de concordar e reforçar com a concepção de sujeito advogada pelo neoliberalismo na medida em que a finalidade política e social da formação acadêmica é destinada à produção de conhecimento mercantilizável. No caso da EaD, difunde-se a produção de certo conhecimento que poderá ser convertido na prestação de serviços comercializáveis, concepção que legitima “novos processos” de formação subjetiva no qual o trabalhador passa a identificar-se como sujeito competidor e empreendedor das “oportunidades” que estão ao alcance daqueles que se mostrarem resilientes e adaptáveis aos ditames do mercado. Essa lógica se processa, em detrimento de assegurar uma formação acadêmica pautada no exercício da cidadania, cuja finalidade é contribuir para a superação das contradições estruturais de um sistema econômico fortemente excludente.

Assim, o terceiro capítulo se propõe analisar suscintamente os processos históricos, políticos e sociais que legitimaram a emergência da educação à distância no Brasil, bem como os diferentes conceitos e concepções que fundamentaram a adoção da modalidade EaD como importante instrumento de democratização do processo ensino-aprendizagem, além de investigar a evolução e privatização da educação à distância em paralelo crítico com a expansão da EaD na educação superior sob a lógica privada/mercantil.

3. CAPÍTULO – EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA NO BRASIL: UM