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CAPÍTULO II – O ADOLESCENTE COM DOENÇA CRÓNICA E SUA FAMÍLIA

2. O Impacto da Fibrose Quística no Adolescente

O desenvolvimento do conhecimento e a evolução da tecnologia na saúde, possibilitam atualmente que um conjunto de situações incuráveis se prolonguem no tempo. É certo que este fato leva ao aumento da esperança de vida nos indivíduos com doença crónica, mas esse aumento da sobrevivência deve estar intimamente associado à qualidade de vida. O conceito de doença crónica está revestido de complexidade, não existindo uma única definição de doença crónica devido à sua globalidade, pois a sua definição, depende da doença em si, da sua etiologia e duração. Pode-se considerar então, que a doença crónica, segundo a OMS citado por Ordem dos Enfermeiros, (2010, p. 8) são todas as doenças de “duração prolongada e progressão lenta”. Porém, em Portugal, o despacho conjunto do Ministério da Saúde, da Segurança Social e do Trabalho, considera a doença crónica como aquela doença “de longa duração, com aspetos multidimensionais, com evolução gradual dos sintomas e potencialmente incapacitante, que implica gravidade pelas limitações nas possibilidades de tratamento médico e aceitação pelo doente cuja situação clinica tem de ser considerada no contexto da vida familiar, escolar, laboral, que se manifeste particularmente afetado” (Direção Geral da Saúde, 2010, p. 1).

Para Santos, et al. (2011), estima-se que cerca de 10% dos adolescentes em idade escolar têm uma doença crónica. Esta, neste grupo etário pode ser considerada como “uma incapacidade permanente ou residual, uma alteração patológica não reversível ou uma situação que exija um longo período de supervisão, observação, prestação de cuidados

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e/ou reabilitação” (Fonseca citado por Oliveira, 2011, p. 10). Neste sentido, e com o aumento da sobrevivência de jovens com doença crónica, verificam-se um conjunto de alterações nos fatores determinantes da saúde deste grupo, conduzindo notoriamente a um conjunto de novas perspetivas de necessidades a nível da saúde e educação, com carácter global, chamando a atenção para a necessidade de se investir na promoção da saúde, na prevenção da doença, reabilitação e inserção dos jovens com doença crónica na sociedade (Malheiro, 2011).

Cada ser humano ao longo do seu ciclo vital, depara-se com novas e constantes situações que o obrigam a uma contínua adaptação e ajustamento, sendo que a capacidade de cada um em responder a essas transformações, influenciam diretamente o seu processo de desenvolvimento, a sua saúde e bem-estar e a forma como se relacionam com os demais (Pais e Menezes, 2010).

Se é difícil a aceitação de uma doença crónica em qualquer idade ao longo do ciclo vital, mais complicado se torna esse processo durante a adolescência, devido à grande complexidade e a todas as alterações vividas, bem como a múltiplas tarefas desenvolvimentais que estão normativamente a ocorrer (Idem).

O diagnóstico da doença é sem dúvida marcante tanto na vida dos portadores como na dos seus progenitores, sendo “um momento em que os sentimentos de desespero, medo, desamparo e a sensação de impotência tornam-se evidentes” (Costa, et al. 2010, p. 222). Quando falamos de crianças com Fibrose Quística, o significado que as mesmas atribuem ao acontecimento depende em grande parte do que lhes é comunicado, no entanto, à medida que estas crianças crescem, criam um significado da doença mais vasto e amplo, não só pelo conhecimento que possuem mas também pelas vivências, sintomas e manifestações que apresentam. Importa então que o adolescente crie estratégias de enfrentamento positivas, que o ajudará a ultrapassar um cem número de complicações advindas da doença (Pizzignacco e Lima, 2006).

Reportando-nos ao estudo de Oliveira, et al. (2004), quando se deteta o diagnóstico de fibrose quística num recém-nascido, a transmissão dessa doença é efetuada aos pais do portador. Na adolescência, e por conviverem diariamente com a doença, a transmissão do diagnóstico aos mesmos é muitas vezes descurada. No entanto, o convívio com a doença, com os cuidados da mãe, e com os tratamentos na sua rotina diária, são um incentivo para a compreensão gradual da sua situação. Porém, quando o diagnóstico da doença é comunicado ao adolescente pelo seu médico, constatou-se que “em geral (…) reagem (…) com susto e frieza, comportando-se como se não fossem eles os doentes (…)

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resistem ao tratamento, alegando medo da dor e inconformidade com as limitações impostas” (Idem, p. 14).

A maior dificuldade nesta relação estabelecida entre quem comunica e o que recebe o diagnóstico é a comunicação de más notícias, ou seja, a comunicação de um diagnóstico que altera a vida dos doentes (Nonino, Magalhães e Falcão, 2012). Segundo o mesmo autor, nesta comunicação não se pode ficar apenas pela comunicação verbal, mas os gestos, as expressões, a postura e toda a comunicação não-verbal são fundamentais para que a transmissão da informação não seja efetuada de forma agressiva.

Receber o diagnóstico de uma doença é por si só um momento de desespero e angústia (Costa, et al. 2010), sendo importante que quem o recebe conte com a mestria, cuidado, orientação e apoio daqueles que o fazem (Oliveira, et al. 2004, p. 14).

O adolescente que tem conhecimento do diagnóstico de doença, nomeadamente da Fibrose Quística, tem um longo caminho a percorrer e nele terá que vencer muitas barreiras, que vivenciar muitas alterações, modificações a todos os níveis e díspares emoções para poder alcançar a estabilidade emocional e física e construir a sua identidade pessoal, sendo esta uma tarefa árdua devido ao período de transição desenvolvimental que está a vivenciar.

No estudo efetuado por Bizarro (2001), em adolescentes com doença crónica, conclui-se que a doença, ao ser uma condição difícil para o adolescente, pode levar a alterações significativas ao bem-estar psicológico e à adaptação dos mesmos, quando comparados com adolescentes saudáveis. As considerações de Pais e Menezes (2010), corroboram estes resultados, pois para os autores, a doença crónica pode condicionar em determinados casos severamente o desenvolvimento dos que a possuem, seja por fatores associados às características da situação de saúde ou por fatores associados aos contextos de vida e às dificuldades na inclusão dos que são diferentes.

A doença, nomeadamente a Fibrose Quística, é uma experiência devastadora, que acarreta uma vida cheia de incertezas e situações novas e dolorosas, repleta de procedimentos e tratamentos que podem levar ao desespero, à falta de esperança no futuro pelo prognóstico que lhe está subjacente e que traz à superfície a fragilidade do ser humano (Santos, 2010). Desta forma, normalmente verificam-se dificuldades de ajustamento e adaptação ao estado de doença, tendendo a que com o tempo e evolução da mesma, a experiência, o significado e as implicações da doença sejam diferentes, mas a adaptação e a incerteza quanto ao futuro sejam sempre um constante desafio (Barros, 2008). De acordo com Anders e Lima, (2004), a capacidade de adaptação a um processo de doença

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está dependente de um conjunto de fatores, entre eles: as características individuais da pessoa doente, o apoio familiar e social, a complexidade da doença, o acesso aos recursos de saúde e suporte da equipa de saúde.

Importa referir que o adolescente fica fragilizado perante a constatação de que sofre de Fibrose Quística e é assaltado por um conjunto de sentimentos que influenciam o seu estado psíquico. Vivenciam o medo, os sentimentos de dependência, o afastamento com o ambiente social que desejariam usufruir e tantas vezes vivem atormentados pela morte e pelo sofrimento. As perturbações das experiências de socialização são também comuns nestes indivíduos, podendo afetar as vivências do adolescente, (Gomes e Pires, 2004), uma vez que as características específicas do tratamento, as hospitalizações, as rotinas que lhe estão subjacentes, tendem a afastar o adolescente da vida social, das rotinas normais do ambiente escolar e de todo um conjunto de atividades próprias desta idade. Tal fato é constatado por Mello e Moreira (2010), num estudo efetuado a estes doentes, chegando à conclusão de que a doença é limitante e impede a frequência normal da escola. No entanto, muitos adolescentes tentam conciliar as tarefas escolares com as hospitalizações e tratamentos. Porém, num estudo efetuado por Costa, et al. (2010), chegou-se à conclusão de que o relacionamento na escola e com os amigos, é frequentemente prejudicado pela falta de estratégias de enfrentamento positivas do adolescente e não pela presença de uma doença.

É na adolescência que ocorre manifestamente o processo de aquisição de maior autonomia e independência face aos progenitores (Fonseca, 2012), que pode ser um grande obstáculo ao jovem doente, pois encontram-se mais dependentes dos pais no que concerne à ajuda e orientação do processo de doença comparativamente com os seus pares ditos saudáveis.

De acordo com Rocha, Moreira, e Oliveira (2004, p. 29) “a fibrose cística, frequentemente, faz com que os adolescentes dependam física, emocional e financeiramente de sua família, o que pode trazer implicações para a transição da vida em família para a vida independente e dos estudos para o trabalho (…), sendo fundamental que o adolescente consiga manter a sua autoestima e confiança”. O mesmo autor, concluiu também que o adolescente, face a todas as alterações vividas nesta fase, entre elas as mudanças comportamentais, são mais dependentes dos progenitores. No entanto, o adolescente tende a alterar estes acontecimentos, pois na busca pela independência, e embora sujeitos e limitados devido a um cem número de tratamentos e procedimentos, tentam vencer as adversidades, ultrapassando algumas barreiras e obstáculos, adaptando-

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se à sua condição e lutando persistentemente pela sua independência. Nesta fase, ocorre um desinvestimento em relação ao tratamento, não querendo “(…) o auxílio de outras pessoas, principalmente da mãe, o que faz com que muitos deixem de seguir as recomendações até então mantidas (…)” (Idem, p. 33). Num outro estudo, muitos portadores desta doença revelam não gostar de realizar os tratamentos diariamente, ou várias vezes ao dia, pois desta forma a doença torna-se mais presente nas suas vidas. No entanto, realizam os tratamentos pelo receio de recidivas e agravamento do seu estado de saúde (Pizzignacco e Lima, 2006).

Este desinvestimento observa-se também quanto ao cumprimento terapêutico, pois cerca de 30% não cumprem regularmente a terapêutica instituída (Santos, et al. 2011), e cerca de 50% dos jovens com doença crónica não cumprem nenhuma das recomendações terapêuticas estabelecidas (Kyngas, Kroll e Duffy, 2000). Já um estudo efetuado por Dalcin, et al. (2007), constata que os adolescentes com fibrose quística com apresentação mais grave são aqueles que aderem mais ao tratamento instituído.

De acordo com Suris, Micahud e Viner (2004), o adolescente com doença crónica terá a mesma propensão para comportamentos de risco como os demais adolescentes, e para tal contribuem o desinteresse pelo tratamento e rotinas diárias a efetuar. Mas na pesquisa efetuada por Santos, et al. (2011), os resultados são opostos, apresentando os adolescentes mais comportamentos protetores, afastando desta forma os de risco para a saúde e sobrevivência. Porém, Tavares, Carvalho e Pelloso (2010), chegaram à conclusão que os fibrocísticos percebem que a sua rotina diária é stressante e que, muitas das atividades realizadas por adolescentes sãos da mesma idade, não podem ser realizadas por eles, pois não têm capacidade para o fazer da mesma forma, mas em nenhum momento os adolescentes relatam que apresentam risco de morrer precocemente, caso não cumpram o tratamento corretamente.

Viver com Fibrose Quística significa, viver com muitas debilidades e comprometimentos físicos, significa viver com marcas profundas e inalteradas da doença. Assim, a adolescência com esta doença significa “a sobrevivência a uma situação potencialmente fatal, e ao mesmo tempo sinaliza muitas vezes o agravamento da condição de saúde, independentemente da qualidade do tratamento” (Mello e Moreira, 2010, p. 459). Desta forma e para o mesmo autor, a não adesão ao tratamento é sem dúvida uma ameaça ao desenvolvimento psicológico, à continuidade do tratamento e à própria vida. No entanto, a comunicação efetiva entre médico e paciente é favorecedora da adesão ao tratamento destes jovens (Rocha, et al. 2004). Porém, o enfermeiro na sua prática profissional deve

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estabelecer com o adolescente uma relação terapêutica, caracterizada pela parceria entre os intervenientes, no respeito pelas suas capacidades e na valorização do papel, sendo este processo dinâmico, onde se pretende que o adolescente desenvolva projetos de vida (Ordem dos Enfermeiros, 2001).

Transformações específicas desta fase são também as que se verificam a nível corporal, a forma própria de encarar o futuro, o sentido de descoberta em que se idealiza e se procura o mundo por si mesmos, de encontrarem a forma única de ser e de estar e as relações estabelecidas com os pares (Brás, 2008). É com os pares que o adolescente tende a comparar-se, a estar atento a características pessoais diferentes (Fonseca, 2012), que podem acentuar a perceção do adolescente com Fibrose Quística em ser diferente dos demais da mesma idade. Devido à própria doença, e de acordo com Pizzignacco, Mello, e Lima, (2010) estes adolescentes possuem várias alterações corporais, ou seja, são mais magros, com uma estatura menor e com alterações músculo-esqueléticas marcadas, o que torna mais visíveis estas modificações comparativamente aos demais adolescentes, possuindo também “mais dificuldade com a sua própria imagem corporal do que adolescentes com outras doenças crónicas” (Rocha, et al. 2004, p. 31).

Não menos frequente, é a menor capacidade do adolescente em se relacionar com os pares, apresentando mais competências e habilidades no relacionamento com adultos, devido ao contacto diário e sucessivo com os seus prestadores de cuidados, e aos sucessivos internamentos (Santos, 2010). É frequente também a diminuição da auto- estima e o aumento da dependência social comparativamente com os seus pares saudáveis (Santos, et al. 2011).

O fato da doença imprimir diferenças físicas e alterações nas rotinas diárias do adolescente, pode ser motivo de afastamento dos pares e consequentemente o incentivo ao estigma. Porém, também podem sentir medo de serem estigmatizados, pelo fato da doença manifestar alguns sintomas de forma mais visível, como a tosse a expetoração, a cianose, podendo causar impato nos relacionamentos interpessoais (Pizzignacco, et al. 2010). Segundo o mesmo autor, para lutar contra esta discriminação, os adolescentes frequentemente omitem a sua doença, revelando-a apenas às pessoas mais íntimas, tais como os melhores amigos. Para aumentar a sua auto-estima e encontrar novas bases de comparação face a si próprios, tentam encontrar outras pessoas com Fibrose Quística, que os auxilie neste processo, possibilitando-lhes desta forma um sentimento de acompanhamento e a partilha constante de experiências (Idem).

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A busca por pessoas que compartilham as mesmas características é uma maneira de enfrentar todos os problemas que podem advir da doença. Para o mesmo autor “estudos demonstram que o compartilhamento de informações, sentimentos, preocupações e até mesmo características semelhantes de pacientes com FC e seus familiares é um dos suportes sociais mais desejados e significativos para essas pessoas” (Idem, p. 3).