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1. INTRODUÇÃO

2.1. A evolução de um conceito

2.1.2 O Impacto da revelação

Os imensos esforços na busca de fatores associados à aterosclerose e seus eventos clínicos produziram um volumoso contingente de informações, revelando fatores de uma grande diversidade de naturezas e de grande variabilidade nas suas possibilidades de causalidade. Além dos clássicos métodos prospectivos com acompanhamentos de coortes e os resultados apresentados como riscos relativos, os estudos de caso-controle se desenvolveram, com seus resultados apresentados como comparação de chances para sua ocorrência. Outros estudos mostram apenas associações com os fatores já aceitos como convencionais, e há estudos angiográficos e associações teóricas, baseadas nas concepções da aterogênese. Já em 1981 haviam sido listados 246 fatores de risco coronarianos (HOPKINS e WILLIAMS, 1981) favorecendo classificações qualitativas para sua relevância.

Além da procura pelos fatores de risco para as DCV, muitos esforços foram e têm sido feitos continuadamente nas tentativas de diagnóstico precoce ou não invasivo das lesões ateroscleróticas (RAJARAM et al.,2004). Assim são propostos marcadores subclínicos de DCV tais como as medidas de espessura intimal da carótida com ultrassonografia contrastada, a ecocardiografia bidimensional, imagens de cálcio coronariano, ressonância magnética do coração, testes de reatividade da artéria braquial e o índice tornozelo-braquial (ITB).

Entre estes, a medida do índice tornozelo-braquial (ITB), por ser um método inofensivo,de baixo custo, simples e confortável tem recebido considerável esforço na tentativa de ser validado para o propósito diagnóstico, e com bons resultados (ABOYANS et al., 2004; MACDERMOT et al., 2003) para os diversos marcadores clínicos de DCV (VOGEL,2000; RESNICK,2004), incluindo os acidentes vasculares cerebrais (MURABITO, 2003). Há um

progressivo interesse em usá-lo como método de prospecção da doença aterosclerótica ou de seus eventos deletérios (MACDERMOT et al, 2003). Esta pletora de informações e a evolução técnica, exigem que a interpretação dos estudos epidemiológicos seja moldada pela argúcia e animada por um perene espírito crítico (NIETO, 1999; ANGELL,1992). Suas causalidades somente podem ser asseguradas através dos estudos de intervenção, mas critérios para sua relevância podem ser estabelecidos e sugeridos (TAB.3). Estas dificuldades explicam o surgimento do conceito dos “50%”, que propõe serem os fatores de risco convencionais responsáveis por apenas 50% de todas as incidências de eventos coronarianos (SYME,1996), um conceito agressivamente contestado (MAGNUS e BEAGLEHOLE,2001), e progressivamente enfraquecido com recentes evidências (KHOT et al., 2003).

Como evolução destas constatações, estudos foram delineados para avaliar se a ausência de fatores de risco poderia ser protetora, ou quanto de risco se poderia reduzir na suas ausências. O maior destes estudos foi liderado por JEREMIAH STAMLER, desenvolvendo o Multiple Risk Factors Intevention Trial (MRFIT) que examinou, ao seu final, 366559 pessoas, distribuídas estratificadamente quanto às idades e sexos, e sua mortalidade avaliada por 22 anos em média (STAMLER et al., 1999). Os fatores avaliados foram a colesterolemia, a hipertensão arterial e o cigarro e suas conclusões foram que apenas 5 a 10% das pessoas estavam nos grupos de baixo risco cardiovascular, e que este grupo apresentava taxas de mortalidade

TAB.3. FATORES DE RISCO:ASSOCIAÇÃO OU CAUSA? SUGESTÃO DE CRITÉRIOS 1. Tamanho do efeito

2. Dose e resposta

3. Precedência (posição temporal) 4. Consistência

5. Plausibilidade

6. Independência (ausência de confusão) 7. Predição

8. Reversibilidade

cardiovascular intensamente reduzidas, de modo significativo. A expectativa de vida ganha por este grupo variou de 6 a 10 anos.

A partir da década de 70, as populações dos países de economia com altos níveis de renda per capita começaram a experimentar um sensível declínio nas incidências das doenças cardiovasculares, com repercussões tanto na morbidade como na mortalidade, mesmo com aumento da longevidade destas populações (BRAUNWALD, 1997; COOPER et al. 2000). Ao mesmo tempo, como já foi dito, um aumento de grandes proporções na incidência destas doenças se assestou sobre as populações com economias de médio e baixo nível de produto interno (MURRAY e LOPEZ,1997;LOPEZ e MURRAY,1998;WHO,2005), caracterizando uma moderna epidemia. Mesmo que a redução da mortalidade naqueles países tenha sido ocasionada por uma combinação de determinantes, entre eles os avanços no tratamento imediato das síndromes coronarianas agudas (BRAUNWALD,1997), as intervenções a partir de políticas públicas e orientações das equipes de saúde com respeito aos fatores de risco convencionais tiveram papel preponderante (HUNINK et al.,1997;FORD et al.,2007). Entretanto, é notável constatar que o grau de declínio nas taxas de morbi-mortalidade nos países ricos começou a se estabilizar a partir da década de 90, sem manter seu ritmo involutivo (BRAUNWALD,1997;COOPER et al,2000).Com firmeza, o conceito da variabilidade étnica, geográfica, econômica e cultural na incidência das doenças cardiovasculares se validou progressivamente.

A questão dos fatores de risco se tornou de grande relevância pública, e a Organização Mundial Saúde deflagrou o projeto MONICA que, a partir do inicio da década de 1980 monitorizou as mortes por DAC, IAM não fatal, internações em Unidades Coronarianas e os fatores de risco para DCV, por 10 anos em 21 países de 4 continentes (TUNSTALL-PEDOE et al., 1994). O Projeto foi o maior estudo em doenças cardíacas realizado até então, em que se investigou sete milhões de pessoas com idades entre 35-64 anos, mas a diversidade regional de sua competência associada a outros problemas metodológicos a ele inerentes não foi capaz de demonstrar o que se previra quanto aos fatores de risco (KUUSLAMA et al.,2000), com repercussões negativas na imprensa leiga

(TUNSTALL-PEDOE, 1998). O estudo, entretanto, mostrou definitivamente a enorme variação na morbidade causada pelas doenças cardiovasculares entre os países, e a extrema necessidade do monitoramento das doenças cardiovasculares e seus determinantes em populações selecionadas do mundo (BONITA, 1994). O Projeto MONICA, entretanto, não contemplou nenhuma população latino-americana.

No ano 2000 um admirável estudo foi implementado em escala global – o Estudo INTERHEART - para se identificar os fatores de risco para infarto agudo do miocárdio em diferentes etnias de todo o mundo. Seu desenho foi de caso- controle, e sua hipótese era de que o impacto relativo dos fatores de risco para DCV convencionais (tabagismo, hipertensão, colesterol elevado e diabetes) e os descritos como emergentes, tais como anormalidades da glicose, obesidade abdominal, homocisteina, e condicionantes nutricionais e psicosociais diferiam entre as populações de diversas etnias e origens geográficas. A determinação da força de associação destes fatores em toda a população e o cálculo do risco atribuível a cada uma delas foram seus objetivos.

Seus resultados foram apresentados em 2004 (YUSUF et al. 2004; ROSENGREN et al. 2004). Após o exame de 11 119 casos e 13 648 controles, em população de 52 paises, em 62 centros na Ásia, Europa, Oriente Médio, África, Austrália, América do Norte e América do Sul, concluiu-se pela presença significativa de nove fatores, com potencialidades de intervenção. Como fatores promotores o tabagismo, hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade abdominal, um aumento da razão entre apolipoproteina B(Apo B) e ApoA1. Como fatores de associação inversa a atividade física, o consumo regular de álcool, e o uso diário de frutas e vegetais. Também foram avaliados os condicionantes psicosociais e, quando controlados para fatores de confusão, revelaram uma prevalência significativa para as variáveis que mediram estresse no local de trabalho e domiciliar, estresse financeiro, eventos traumáticos na vida e depressão (ROSENGREN et al., 2004).

Neste estudo a América do Sul, Guatemala e México contribuíram com 1237 casos dos quais 1141 latino-americanos. A população brasileira foi

representada nesta investigação por uma amostra de 313 casos e 364 controles.

2.2. As doenças cardiovasculares e seus fatores de risco entre brasileiros