• Nenhum resultado encontrado

Os cursos universitários de graduação em odontologia – como cursos formais da área de saúde que acontecem de forma regular e buscam qualificar profissionais para atuarem nas mais diferentes áreas de competência dessa profissão – possuem docentes em seu quadro de trabalhadores. Esses professores, por dedicarem-se à formação de cirurgiões-dentistas, necessitam ter também essa qualificação. Assim, quando se veem na condição de professores universitários sem a qualificação pedagógica sistematizada para a docência, mas apenas com a preparação para a odontologia, inicia-se uma nova escalada em busca de “ser professor”. Isto é o que será analisado neste capítulo, que tem o objetivo de focalizar o cirurgião-dentista como professor universitário.

Não são poucos os estudantes que imaginam em quais as áreas poderão atuar, considerando as possibilidades ofertadas pelo curso que fazem. Sabe-se que no imaginário deles, construído ainda durante o curso de graduação, passam as perspectivas do mercado de trabalho brasileiro e até mesmo do exterior. Dada tal evidência, há que se considerar também que são escassos os que se graduam em cursos onde a licenciatura não é uma opção e que veem a docência como possível área de atuação profissional. Esses iniciam suas carreiras e,

com dedicação à área escolhida, alcançam algum reconhecimento e sucesso. Muito sabem de sua especialidade.

Nos cursos de odontologia, como em vários outros onde o profissional liberal bem se destaca, não raros são os professores que – hoje como docentes nas universidades federais há aproximadamente 30 anos – iniciaram suas carreiras por convite diante de uma reconhecida competência em sua área específica de atuação ou por necessidade de se formar um quadro de docentes numa instituição que se iniciava.

Apesar das dificuldades encontradas – no que tange aos problemas de adequação didático-pedagógica, estruturais, de logística e baixos salários – esses professores não desistem da carreira. Insistem em dar aulas mesmo sem entenderem o porquê de persistir na carreira, não obstante as complexidades da profissão. Assim, seguindo essa linha de raciocínio, admite-se a hipótese de que eles continuam por vários fatores, entre eles a manutenção do status, já que foram convidados ou concursados.

Segundo Vasconcelos (1996, p. 36)), existem algumas ideias que se formam quando se analisa o profissional liberal enquanto professor universitário.

A primeira delas refere-se ao reconhecimento que a docência em nível universitário empresta ao profissional em sua área específica de atuação: se ele leciona em uma universidade, é porque conhece, e bem, o seu campo profissional. Advém daí um status bastante valorizado socialmente e que é utilizado como diferencial qualitativo no mercado de trabalho.

A relação teoria/prática otimiza o processo ensino-aprendizagem. Para isto, a experiência que o professor adquire em seu consultório deveria ser um “laboratório” para sua atividade docente. Se assim acontecesse, ele seria um professor de profissão. O equívoco da situação, em alguns casos que envolvem profissionais liberais e a atividade docente, é que, devido ao reconhecimento social que recebe advindo da carreira de professor universitário, a sala de aula torna-se um auditório onde o marketing profissional é, conscientemente ou não, o maior objetivo. A docência fica relegada a outro plano, como é o caso do cirurgião-dentista, objeto deste estudo.

Um estreito envolvimento com a profissão docente reflete diretamente na atuação desse cirurgião-dentista enquanto professor e como também na tradução dos currículos vigentes. Certamente, por parte dos docentes, a leitura que se faz dos currículos atuais, inclusive com as sugestões e modificações realizadas neles, é influenciada pelo conhecimento pedagógico que possui quem os lê.

Arcieri e Saliba (2004) consideram a importância e influência do perfil do professor no currículo odontológico e na formação profissional do futuro cirurgião- dentista. Por isso, realizaram uma pesquisa para identificar o perfil profissional do professor cirurgião-dentista da Faculdade de Odontologia da Unesp, Campus de Araçatuba. Eles concluíram que os docentes e profissionais apresentam uma forma racional para a organização de todo o processo de formação acadêmica e avaliação curricular, demonstram alto nível de requisitos técnico-científicos, mas que existe uma falta de ênfase em relação à formação humanista.

Aproveitando a motivação do tema, parte-se agora de uma interpretação inicial do que vem a ser o currículo de acordo com alguns autores. Para Krasilchik (1998, p. 5):

O termo currículo tem múltiplas definições. Para alguns, equivale ao programa, ou seja, o conjunto de tópicos que vão constituir o curso planejado. Para outros inclui o conteúdo e as metodologias que compõem as atividades e os resultados do processo educativo. Sendo o currículo um caminho a seguir, adota-se a definição de que é uma proposta educacional feita por uma instituição que se responsabiliza por sua execução e avaliação.

Segundo Masetto (2003, p. 66), currículo se remete “a um conjunto de disciplinas que transmitem conhecimentos necessários para a formação de profissionais”. Completa Azevedo (2008, p.49): “Normalmente, elas são lecionadas por especialistas e se apresentam justapostas por semestres, sem integração entre si”.

Nessa leitura, o currículo tem como função maior a formação de profissionais. Mas, para formá-los é necessário que tenham capacitação adequada para atender à comunidade em que estão inseridos. Em diferentes grupamentos sociais, diversas necessidades são apresentadas e é para equacionar essas carências e anseios que os profissionais ali ativos devem estar preparados. Considerando ainda que a sociedade é uma estrutura pensante e, portanto, dinâmica em suas posições, buscas, construções coletivas e individuais dos componentes dessa célula local, o currículo que direciona a formação desses profissionais precisa ter essa mesma característica de movimento.

Uma concepção dinâmica do currículo só pode ser construída quando se pensam, conjuntamente, currículo e sociedade. Currículo deve ser pensado respondendo a seguinte pergunta: Qual o tipo de docente desejável para aquele determinado tipo de sociedade? (AZEVEDO, 2008, p. 49 e 51). Dessa mesma forma, olhando a sociedade para construir o currículo, e avaliando o currículo para suprir as necessidades sociais, os cursos de odontologia devem considerar e analisar seus atuais documentos e projetos curriculares.

Na visão de Araújo (2004, p. 63):

[....] Os currículos expressam o modo como a instituição de ensino se vê no mundo, ou seja, qual o seu papel, quem são seus interlocutores, como o conhecimento é produzido, para que serve, e também expressar a concepção que se tem sobre a saúde, sobre o papel do cirurgião-dentista na sociedade, sobre o profissional que se quer formar.

Nos cursos de odontologia, como determinantes do currículo, são considerados: história, ideologia, avaliação, tempo, interesse de grupos profissionais, grupos étnicos e religiosos. Assim sendo, os currículos de odontologia encontram-se fortemente atrelados à sua história, interesses de grupos profissionais, pressões políticas e organismos internacionais (GUTIERREZ, 2008, p.91), o que claramente dificulta uma real adequação deles às necessidades atuais e dinâmicas da sociedade para a qual se está formando profissionais. Além disso, outros problemas aparecem, dificultando uma implantação mais ampla dos currículos, mesmo dos atuais com seus vícios, deficiências e inadequações sociais.

A grande quantidade de conteúdos a serem ministrados – que aumentam a cada dia com as novidades advindas de pesquisas, novos equipamentos e tecnologia de ponta – não cabem na carga horária que os cursos possuem. Os docentes têm dificuldade para selecionar os conteúdos a serem ofertados, porque existe um distanciamento entre a visão/noção das necessidades sociais e o interesse em se apresentar as técnicas e pesquisas inovadoras. Assim, conteúdo e tempo disponível tornam-se incompatíveis.

“Atualmente, nos cursos de graduação em odontologia, os currículos possuem uma enorme carga horária, não havendo tempo para o estudo, o que resulta no repasse de conteúdos prontos e acabados, sem espaço para argumentação e dúvidas” (LAZZARIN, NAKAMA e CORDONI JÚNIOR, 2007, p. 93).

Nesse sentido, Gutierrez (2008, p. 136 e 137) nos diz que:

Existe uma ausência de um concreto dimensionamento das disciplinas em relação aos conteúdos e tempo insuficiente para o desenvolvimento dos mesmos. [...] Entendo que o avanço da ciência e tecnologia influencia significativamente no progresso odontológico e em grande parte só é gerado e expandido pelas escolas de ponta. Naturalmente essas evoluções foram assimiladas pela classe profissional e incorporadas aos currículos como indicativo de modernidade e qualidade das escolas de odontologia.

A mesma autora nos relata ainda (p. 91) que, ao tratar-se de disciplinas clínicas, fatores temporais pressionam o professor, tais como falta do paciente, desistência do

tratamento, entre outros. Além de ser obrigado a cumprir o cronograma, ele se depara com aspectos éticos e, por vezes, faz o trabalho que deveria ser feito pelo aluno. Dessa forma, compromete o aprendizado dele estabelecendo uma descontinuidade entre o que é proposto e o que é realizado.

Ainda convergindo com esse pensamento, Lemos (2004), em sua pesquisa que avaliou contradições entre o currículo real e o formal, concluiu os que objetivos formais da disciplina não são alcançados plenamente e há a presença de um currículo oculto que influencia essa realidade. Denomina “currículo oculto” aquele que impede a realização de determinados procedimentos clínicos como a falta de motivação do aluno; problemas práticos e operacionais da clínica; falta de entrosamento entre colegas, funcionários e professores; o fato de o professor não permitir a realização do procedimento clínico; condições físicas impróprias; desinteresse e má qualidade didática do professor; desinteresse do aluno e a especialização precoce por falta de tempo ou por opção.

Masella (2006) diz que currículo oculto é a interação entre o corpo docente e os alunos em ambientes externos à sala de aula, as interações entre turmas diferentes, as experiências adquiridas fora da instituição e as atividades realizadas no âmbito da faculdade ou fora dela. Tudo isso interfere (positiva ou negativamente) na formação do aluno e o auxilia na construção da identidade profissional dele.

Numa tentativa de solucionar alguns dos problemas que impedem uma melhor elaboração, implantação e execução das atividades propostas nos currículos, Masetto (2003, p. 68) sugere que:

Professores e especialistas saiam de um processo de dentro da universidade, considerem o que está acontecendo na sociedade, as mudanças que estão operando, as necessidades atuais da população, o mercado de trabalho e as novas exigências das carreiras profissionais, que oxigenem suas idéias, bem como as representações e os contatos com a realidade. Em seguida devem voltar para a universidade e procurar compor com o que sentiram e perceberam na sociedade, para então discutirem e repensarem um currículo mais atualizado.

Na contemporaneidade existe uma busca em reformular currículos dos cursos superiores para melhorar a dinâmica deles e alcançar uma eficiente formação dos graduandos. Sendo assim e pressionados pelas Diretrizes Curriculares, desde o final de 2001, os cursos de odontologia começam a buscar caminhos que respondam à construção do projeto pedagógico, mudanças curriculares e profissionalização do trabalho docente (SECCO e PEREIRA, 2004).

Diante dessa necessidade, vários foram os cursos de graduação que iniciaram suas reformas pedagógicas, há alguns anos, até que chegassem a mudanças que foram ou estão paulatinamente sendo implantadas. Em muitos desses projetos, encontram-se cláusulas contemplando novas análises e reavaliações em períodos predeterminados que possam subsidiar reformas realizando adequações, modificações ou complementações vistas como necessárias diante do tempo já decorrido de sua implantação.

Um preocupante problema que se nota nas adequações e reconstruções de projetos curriculares é a falta de percepção/noção global dos docentes cirurgiões-dentistas sobre o que é um currículo, como se constrói e o que se objetiva com esse documento na formação dos alunos. Devido a essas deficiências, as alterações para adequações – que poderiam ser poucas depois de decorrido algum tempo de implantação – apresentam-se em um número tão expressivo que, em alguns casos, praticamente um “novo” currículo é elaborado.

Nesse sentido, Azevedo (2008, p. 49) diz que quando se analisa uma proposta de reforma curricular, o que comumente se vê são disciplinas novas ou antigas, em horários diferentes dos anteriormente ocupados, mas ainda sem integração entre si pouco colaborando para a formação profissional do acadêmico.