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O Intérprete de Língua Gestual Portuguesa

Capítulo I Enquadramento Teórico e Conceptual

3. O Intérprete de Língua Gestual Portuguesa

Uma vez que a comunidade surda e a língua gestual portuguesa se têm afirmado na sociedade, a profissão do intérprete de língua gestual portuguesa (ILGP), consequentemente, foi-se tornando cada vez mais notória e a sua procura cada vez mais frequente e numa maior diversidade contextual (Coelho, 2010).

Essa notoriedade e procura a que se assiste relativamente à profissão de intérprete de língua gestual portuguesa, é regulamentada no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 89/99 de 5 de julho, que considera que são intérpretes de língua gestual portuguesa todos os profissionais que procedem à interpretação da informação da língua gestual para a língua oral e vice-versa. “O intérprete estabelece a comunicação entre o falante de uma língua e o falante de outra língua, sem o qual o significado e o valor das ideias expressas não seriam compreendidos.” (Barbosa, 2019:38)

Para Rosa (2008), o intérprete de língua gestual não pode, nem deve demonstrar graves carências culturais que o impeçam de manter o nível de comunicação existente entre os interlocutores. Este deve ter uma mente aberta e curiosidade pelo que o rodeia para poder manter-se atualizado, uma vez que só assim poderá ampliar a sua formação com vista a conseguir uma interpretação eficaz, independentemente do seu contexto.

A interpretação é, assim, considerada como sendo um ato linguístico-cognitivo complexo, no qual o intérprete procede ao processamento da informação que lhe é dada na língua precedente, fazendo escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo que se devem aproximar de forma apropriada à sua origem (Quadros, 2002). Nas palavras de Magalhães (2013:83), os intérpretes de língua gestual devem esforçar-se por “incorporar conceitos linguísticos e culturais das comunidades envolvidas, para que todo o significado que se transporte da mente de um falante para o outro venha repleto de nuances, de minúcias da língua de quem a transporta para a outra língua”.

Quando se tenta resumir a profissão, no que concerne ao seu papel, muitas vezes o intérprete de língua gestual é encarado como um amigo, confidente e alguém que está disposto a ajudar a comunidade surda, devido à proximidade e aos laços que, inevitavelmente, se criam. “Entende-se que o intérprete de língua gestual assume papéis mais ou menos intervencionistas durante a interpretação, dependendo dos interessados e das circunstâncias em que esta se desenrola.” (Barbosa, 2019:33).

31 3.1. O Guia-intérprete

No que respeita aos profissionais que asseguram a interpretação das pessoas surdocegas, estes são designados por guia-intérprete, uma vez que o trabalho que desempenham é diferente e com diferentes níveis de exigência, apesar de as suas funções serem idênticas às do intérprete de língua gestual, uma vez que o guia-intérprete é um profissional que estabelece a mediação entre a pessoa com surdocegueira e o mundo.

O guia-intérprete “apresenta formação específica para guiar e descrever o ambiente por meio de um sistema de comunicação de acordo com a especificidade de cada indivíduo.” (Villas Boas et al., 2012:410). De acordo com Canais (2016:31), são funções do guia-intérprete: a de guia “na qual ajuda orientar a pessoa surdocega fisicamente, facilitando-lhe a comunicação e a interação com a sociedade e o mundo em seu redor” e a de interpretação na qual “utiliza as diversas formas de comunicação. Recebe a mensagem linguística do exterior e transmite na língua-alvo ao indivíduo surdocego e vice-versa.”

Considera-se relevante que o intérprete da pessoa surdocega tenha consciência da importância do seu trabalho, visto que

“Deve ser uma pessoa preparada para transmitir mensagens faladas e sinalizadas, saber e adaptar-se à distintas habilidades e capacidades de comunicação de cada pessoa com deficiência, para qual possuirá o domínio dos principais métodos de comunicação e saberá guiar com segurança, quando a atividade a ser realizada requerer.” (AHIMSA, 2003 cit in Villas Boas et al., 2012:410)

É fulcral que o guia-intérprete detenha uma conduta extremamente profissional, uma vez que ao exercer a interpretação terá que se posicionar próximo da pessoa surdocega, quer seja de pé, quer seja sentado, realizando os gestos próximos do corpo. “O guia-intérprete deve ser desprendido o suficiente para não se incomodar com essa inevitável aproximação física durante a realização de seu trabalho” (Villas Boas et al., 2012:410) e é fundamental que o guia-intérprete conheça as técnicas de guia- interpretação que se baseiam na interpretação, descrição visual e guia facilitando a orientação e mobilidade da pessoa com surdocegueira. Pois como defende Carillo (2008)

cit in Almeida (2015:180) “para exercer essas atividades é preciso ter conhecimento e

domínio nos diferentes sistemas de comunicação e nas diversas técnicas de locomoção, bem como ter habilidades para realizar as adaptações necessárias a cada surdocego, em cada situação em particular.” Este trabalho desempenhado pelo guia-intérprete contribui

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para que a pessoa surdocega possa ter acesso à educação, trabalho e sociedade, incentivando e favorecendo a sua autonomia e independência.

3.2. A Comunicação e a Intervenção

Considera-se fundamental compreender as formas de comunicação utilizadas pela pessoa com surdocegueira, para que a atuação dos profissionais responsáveis pela mediação de comunicação seja praticada do melhor modo, em diversos contextos, e para que seja possível proporcionar à pessoa surdocega o acesso às informações, como é o caso dos contextos escolares em que a presença do guia-intérprete permite ao estudante surdocego, as condições necessárias que favorecem o seu desenvolvimento de aprendizagem. Para tal, é necessário que sejam formados profissionais específicos, que considerem as especificidades da deficiência, uma vez que o atendimento é diferenciado para cada surdocego.

Como defende Almeida (2015:174), “é através das variadas formas de comunicação que os profissionais poderão estabelecer suas metodologias, permitindo a acessibilidade do surdocego aos espaços escolares, considerando as especificidades da deficiência.” É nesta realidade que o profissional guia-intérprete deve desenvolver as competências necessárias no processo de tradução e interpretação entre as línguas que estiverem a ser contempladas em determinada situação comunicativa.

“Para tanto, torna-se importante que o guia-intérprete descreva o que ocorre em torno da situação de comunicação e facilite o deslocamento e a mobilidade do surdocego. Sua intervenção não exime os surdocegos de fazer julgamentos e tomar decisões próprias, pelo contrário, este profissional deve viabilizar o entendimento do sujeito com surdocegueira e fazer com que este também seja entendido.” (Almeida, 2015:178,179) Espera-se que o guia-intérprete possua um conhecimento aprofundado no que concerne às diversas formas de comunicação que podem ser utilizadas com os surdocegos, para contribuírem com maior facilidade para a compreensão do mundo.

Uma função também muito importante na atuação do guia-intérprete é a contextualização das situações, que consiste em informar a pessoa surdocega das condições do ambiente em que se encontra, descrevendo do geral para o mais específico. Como “por exemplo, descrever um auditório, primeiro explicar o ambiente e a localização em que se encontram, e só depois descrever quem está presente.” (Almeida, 2015:180)

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“O guia-intérprete também informa as expressões e reações das pessoas, porém, sem com isto fazer juízo de valor, pois, na descrição das pessoas e situações, deve-se ter o cuidado de não dar opiniões próprias, buscando ser o mais fiel e discreto possível. No caso da descrição de objetos, deve-se colocar primeiramente o objeto na mão da pessoa surdocega e, só então, descrevê-lo, se ela necessitar.” (ibidem)

Assim, compreende-se que este profissional tem um trabalho exigente e redobrado e que a comunicação necessita de todos estes cuidados para que a intervenção seja bem- sucedida, sendo que para tal podem ser utilizadas técnicas de comunicação especificas como explicado anteriormente, no segundo ponto do presente trabalho.

3.3. Síntese

A importância do intérprete de língua gestual portuguesa consiste em assegurar que as pessoas surdas possam participar ativamente na sociedade, tendo acesso às informações através da comunicação estabelecida pelo profissional que é o mediador de comunicação entre dois ou mais interlocutores.

No caso específico das pessoas surdocegas, estas acedem ao mundo a partir da palma das mãos, através das quais lhes é transmitida toda a informação, de modo a que se sintam parte integrante da sociedade. É através do guia-intérprete que esse acesso é estabelecido, permitindo o acesso à informação, locomoção e à comunicação, desde que neste processo de interação seja utilizando um sistema linguístico capaz de fazer com que a comunicação seja estabelecida de modo eficaz.

Portanto, o guia-intérprete representa um elemento de mediação com o mundo e deve passar pelo processo de formação e de prática para que o objetivo da sua atuação seja alcançado de forma plena.

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