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CAPÍTULO 3: Assim a Manchete e O Cruzeiro apresentavam JK

3.12 O JK “homem como os outros” e o político atuante

A Manchete, ao reportar uma enchente que houve em dezembro de 1956, na cidade de Passa Quatro, em Minas Gerais, registrou o acontecimento com fotos, além de informar que haviam sido enviados gêneros alimentícios, recursos médicos, etc. para as vítimas e assim se referiu à atuação de JK: “[...] o presidente da República (JK iniciou sua carreira política em Passa Quatro, na revolução de 1932, quando era simples major-médico da Polícia Militar de Minas), determinou a construção de 50 casas, pela Fundação da Casa Popular, para abrigá-las [as vítimas].”96

O texto acima tem um significativo título: “JK não se esqueceu”. Isto quer dizer que, apesar de ter se tornado presidente da República, o mineiro Juscelino não mudara. Continuava a se lembrar da pequena cidade do interior onde começara sua carreira como político, nos anos 1930, ocasião em que “era simples major-médico da Polícia Militar de Minas”. O então presidente não iria deixar desabrigados os habitantes daquela cidade, atingidos pela tragédia. É esta figura humana, solidária, que não esquecia suas raízes, que se comovia com o sofrimento dos seus concidadãos e os auxiliava, que a revista Manchete queria destacar.

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Ao mesmo tempo, era preciso mostrar que o nosso presidente era o político indicado para tornar o Brasil uma “grande potência internacional”. A Manchete, em janeiro de 1957, ao se referir a uma avaliação do ano de 1956 no mundo, se refere à América Latina como local de muitas revoluções – “revolução três vezes ao dia”97 - porém como que “isola” o Brasil nesse quadro e o eleva à condição de “líder do bloco”. Segundo a revista, deve-se à atuação política brasileira a criação, à volta do Brasil, de

[...] uma zona de influência que, se ampliada, poderá dar a todo o continente a aglutinação necessária para desenvolver-se.

Os acordos com o Paraguai, as conversações com a Bolívia, e as atuais negociações com o Uruguai são sintomas de que o nosso país caminha no sentido de tornar-se grande potência internacional.98

Embora o nome de Juscelino não esteja explícito no texto, está claro que a responsabilidade pela posição ocupada pelo nosso país é do governante, que sabemos tinha em mente, como um de seus objetivos, transformar o Brasil em potência internacional respeitada pelas demais nações. De quando em quando, a Manchete abria espaço para uma avaliação das realizações governamentais. Tais reportagens eram geralmente feitas sob a forma de entrevistas com JK, nas quais o presidente expunha suas idéias, não só "julgando" o seu próprio governo até aquela data, mas também falando sobre seus planos para o futuro do país. Desta forma, não somente Juscelino tinha oportunidade de apresentar os seus feitos ao povo brasileiro, o que reforçava naturalmente o sentimento de otimismo e esperança em um Brasil cada vez mais progressista, moderno e grandioso, como também era enfatizado o aspecto de um governante muito próximo ao povo, por duas vias: ao fazer um "balanço" do que se passara, ele estava prestando contas do que fizera, o que significava que, para ele, importava que a população estivesse a par do que acontecia na área governamental; por outro lado, a sua figura era sempre apresentada de forma muito humana, simples e simpática --- sem dúvida, um homem do povo.

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Idem, ibidem, p. 18. 98

Um exemplo deste tipo de reportagem é a que Manchete apresentou, em fevereiro de 1957, na qual o presidente falou com exclusividade àquela revista, fazendo uma avaliação do primeiro ano de seu governo. Conforme informava aquele semanário, durante a entrevista JK não escondia "sua preocupação pelo estado de saúde de sua filha Maristela, que acabara de ser operada das amígdalas."99 Como uma espécie de "introdução" à entrevista propriamente dita, a Manchete discorre sobre detalhes pessoais do dia a dia de Juscelino. Conta, por exemplo, a seus leitores, que JK

Continua com os mesmos hábitos alimentares. Prefere ainda um "chico- angu" (frango ao molho pardo, com couve mineira e angu), um mexido de carne e vagem, com ovos. Não gosta de "mayonnaise", detesta creme de aspargos. Não bebe a não ser champanha nas recepções, quando permanece todo tempo com a mesma taça na mão.100

A figura que a revista se propõe a destacar, antes da do executivo, é novamente a de "um homem como os outros": ele é um pai como os outros, que se preocupa com a filha recém-operada; ele não deixara de lado os hábitos que adquirira durante a infância e a adolescência passadas no interior de Minas Gerais, haja visto as suas preferências em relação à comida. Manchete evidencia que Juscelino "gosta e conta anedotas, ri como um colegial quando a história é boa."101. Ele é como muitos brasileiros e, por não ser afeito às formalidades,

[...] é um dos poucos presidentes que atende diretamente a alguns chamados [telefônicos]. Em seu gabinete de trabalho tem no mínimo 5 telefones e à sua cabeceira um aparelho cujo número ele comete a imprudência de revelar a muitos amigos, tendo, por isso mesmo, que trocá-lo regularmente.

[...] Aos íntimos ele confessa que é um rebelde ao cerimonial. Não gosta de casaca, "black-tie", ou fraque. O protocolo cerceia sua liberdade de 99 Manchete, n. 250. 2 de fevereiro de 1957. 100 Idem, ibidem. 101 Ver anexo 19.

movimentos, sua gesticulação exuberante, a palavra fácil de orador de comício."102

Para reafirmar o que dizia no texto, a revista exibe fotos de autoria de Jáder Neves, nas quais se vê JK saboreando sua "dieta simples", pois "ele não perdeu o gosto mineiro pelo angu e pela couve cortada fininha"103. Outras imagens mostram ora a fisionomia de um presidente cansado pelo trabalho incessante, ora a figura simples do homem que, por baixo da mesa, aproveita para tirar o sapato, gesto que Juscelino gostava de repetir, todas as vezes que isto era possível. Além da entrevista, durante a qual o presidente, conforme as palavras da chamada de capa deste número de Manchete, "julga a si mesmo" (e ao seu governo), a reportagem traz os depoimentos de Geraldo Carneiro, encarregado de Audiências e de José Moraes, secretário de Imprensa de JK. Sob o título "Como vemos JK", as palavras destes dois colaboradores do presidente são enaltecedoras.

Para o presidente Juscelino, segundo Geraldo Carneiro, "[...] todos os problemas são urgentes e todas as pessoas são importantes [...]"104. O seu secretário de Imprensa se refere à sua "inteligência poderosa e rápida" e ao seu "coração generoso, [...] incapaz de sentir uma necessidade alheia sem o impulso de satisfazê-la." Ele é o homem do "riso franco, [da] palavra amável".105 Com a publicação das opiniões de tais auxiliares, a revista ressaltava tanto o aspecto do chefe de Estado que toma decisões a cada minuto quanto o lado do "homem da simpatia", características que a Manchete não cansava de valorizar ao se referir a Juscelino Kubitschek.