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o jornal O Globo e as eleições presidenciais de

O principal tema desta tese é a cobertura do jornal O Globo das políticas neoliberais no Brasil, destacando-se as privatizações. De maneira geral, considera-se que o neoliberalismo começou a ser implementado no país de forma mais consistente a partir do governo Fernando Collor de Mello, ainda que medidas liberalizantes já começassem a ser adotadas no governo Sarney. Itamar e Fernando Henrique Cardoso aprofundariam as “reformas” neoliberais iniciadas no governo Collor.

É preciso ressaltar que esses governos neoliberais chegaram ao aparelho de Estado através do voto popular. Nesse sentido, para os grupos sociais dominantes interessados no neoliberalismo, a necessidade de obter convencimento e adesão das classes subalternas era fundamental e requeria ação permanente, em especial nos momentos de eleição.

Nas eleições presidenciais de 1989, especialmente a partir do segundo turno, as classes dominantes mobilizaram-se de modo ainda mais intenso – e até mesmo desesperado – pela vitória de Collor e do projeto neoliberal, pois o oponente deste, Luís Inácio Lula da Silva, acenava para uma direção muito distinta da desejada. Conforme Chomsky, no segundo turno das eleições de 1989 no Brasil, “as diferenças entre os dois candidatos podiam ser detectadas sem microscópio”. Para Francisco de Oliveira, “o segundo turno eleitoral foi uma guerra de classes”: enfrentavam-se dois proponentes à presidência, de raízes sociais e políticas diametralmente opostas, obtendo suporte de associações da sociedade civil bastante diferentes, vide o apoio da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) e da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) a Collor e o da Central Única dos Trabalhadores (CUT) a Lula.180

Neste terceiro capítulo, faremos uma análise da atuação do jornal O Globo durante a campanha eleitoral de 1989. Neste ano, O Globo era o segundo maior jornal em vendas nos dias de semana (258 mil exemplares), perdendo apenas para a Folha de

São Paulo (308 mil). Aos domingos, O Globo superava a Folha (443 mil a 382 mil).

Um fator fundamental que contribuiu para o crescimento de vendas de O Globo foi o fato deste periódico pertencer ao maior grupo de comunicação do país, as Organizações Globo, e poder contar com espaço publicitário nos demais veículos do grupo. Assim, O

180

Chomsky, Noam. Ano...op.cit.p.266, OLIVEIRA, Francisco. Collor: a falsificação da ira. Rio de Janeiro: Imago, 1992.p.17.

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Globoera anunciado dezessete vezesentre as tardes de sábado e as manhãs de domingos

na TV Globo, vantagem que os jornais concorrentes não dispunham.181

O primeiro turno das eleições presidenciais de 1989 ocorreu no dia 15 de novembro e o segundo em 17 de dezembro. Com o intuito de pesquisar os posicionamentos de O Globo durante o processo eleitoral, foram analisadas as publicações de outubro, novembro e dezembro daquele ano. Uma atenção maior foi dada à cobertura do segundo turno, uma vez que a quase totalidade das classes dominantes unia-se para evitar a vitória de Lula e do PT. Algumas temáticas, como as privatizações e as greves do período, não foram exploradas neste capítulo, pois serão tratadas em outras partes da tese, ainda que tenham relações diretas ou indiretas com as eleições de 1989. Afinal, as coberturas contrárias às greves eram explicita ou implicitamente relacionadas ao PT. Matérias ou editoriais que exaltavam a iniciativa privada e ressaltavam os problemas das empresas estatais favoreciam Collor, que empunhava essas bandeiras. Porém, tais questões são mencionadas mais brevemente aqui, aparecendo com mais profundidade noutros capítulos da tese.

Ao longo da pesquisa para este capítulo, foi dada maior atenção às matérias referentes a três candidatos: Collor, Brizola e Lula. Nesse sentido, a cobertura sobre os outros concorrentes, como Afif Domingos, Roberto Freire e Mário Covas, ganharam menos destaque. Tal encaminhamento ocorreu por dois motivos: a) Collor, Brizola e Lula estavam melhor colocados nas pesquisas de opinião; b) fato dessas candidaturas terem sido tratadas por mais matérias do jornal.

Por fim, cabe destacar algumas das dificuldades surgidas durante a pesquisa. Enquanto os exemplares de O Globo dos meses de outubro e dezembro de 1989 se encontravam disponíveis na Biblioteca Nacional (BN), o mesmo não ocorreu quanto ao mês de novembro. A Biblioteca do Estado, instituição que contém a duplicata da hemeroteca da BN, encontrava-se fechada para obras. A solução foi ir ao centro de pesquisa de O Globo, que contém a publicação em microfilme. O problema é que o centro, tal como o periódico, é uma instituição com fins lucrativos, cobrando cinqüenta reais por hora de pesquisa. Assim, optamos por analisar apenas as capas deste mês, de modo a verificar quais questões o jornal procurava destacar. Por fim, quando optamos por retornar à BN para analisar também setembro, uma vez que o horário eleitoral

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94 gratuito na televisão e no rádio havia se iniciado neste mês, além de outras datas consideradas chaves – como o discurso de Covas em junho a favor de um “choque de capitalismo” – novos problemas surgiram: o elevador da instituição que leva os periódicos à sala de consulta encontrava-se quebrado, impossibilitando a pesquisa. Resolveu-se limitar o levantamento de dados aos meses de outubro a dezembro.

Como muitos editoriais serão citados ao longo deste capítulo, vale destacar: estes não se limitavam à página quatro, onde também se encontravam colunistas regulares ou não regulares, as cartas dos leitores e as charges. Também havia freqüentes – e enormes – editoriais na capa, além de outros menores espalhados por diversas páginas dos exemplares. Eles não eram assinados, nem discriminados como “editoriais” ou “opinião”. Percebia-se que tratavam de editorais por eles se encontrarem dentro de um box, ao lado das matérias e reportagens, e por terem um formato de letra diferente e caracteres em negrito.

A seguir, trataremos das matérias de O Globo e, simultaneamente, contextualizaremos as eleições de 1989, descrevendo resumidamente os principais partidos e seus programas, mencionando também os principais episódios do período.

2.1: O Empresariado e as Organizações Globo em busca de um candidato

Logo após a Constituinte de 1988, algumas associações das classes dominantes já tratavam abertamente das eleições presidenciais do ano seguinte. Era importante escolher um candidato viável, que fosse capaz de derrotar as esquerdas – Lula (PT) e Brizola (PDT). A tarefa não era fácil, pois os grupos dominantes não dispunham de nomes confiáveis que não fossem identificados com a ditadura militar ou com a “República Nova”, que já em seus primórdios, encontrava-se com a imagem desgastada. O governador de Alagoas, Fernando Collor, já aparecia como uma opção – a expectativa era que ele fosse o candidato a vice de algum político ou industrial do sul ou sudeste.182

O dono das organizações Globo também procurava seu candidato. Em fins de 1988, Roberto Marinho inclinava-se para o governador de São Paulo, Orestes Quércia, e para o prefeito de São Paulo – e colunista de O Globo no período pesquisado – Jânio Quadros. Marinho chegou a escrever duas notas na coluna “Swan”, de Ricardo Boechat,

95 elogiando a sofisticação e cosmopolitismo de Quadros. Porém, este alegaria problemas de saúde, e não participaria do pleito. E Quércia não foi escolhido pelo PMDB para concorrer pela agremiação.183

Se ainda não tinham candidato definido, as Organizações Globo tinham clareza de quem não deveria ganhar as eleições. No início de abril de 1989, Roberto Marinho escrevia um editorial assinado em O Globo onde repudiava um projeto “caudilhesco-

populista” (referência a Brizola) ou “meramente contestatório” (referência a Lula).184

Ao longo de 1989, diversos candidatos procuravam Roberto Marinho ou contatavam importantes nomes das Organizações Globo para obter apoio. Ulysses Guimarães (PMDB) solicitou mais espaço nos noticiários. A equipe de Collor, como veremos a seguir, procurava Marinho frequentemente. Representantes do PSDB também o fizeram. Disseram que Covas, candidato dos tucanos, faria um discurso ao se desvincular do senado para iniciar a campanha. Roberto Marinho teve acesso ao discurso antes mesmo dele ser pronunciado no plenário.185

Em fins de junho, Covas bradava: “basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção à atividade econômica já amadurecida. (....) Precisa [o Brasil] de um choque de capitalismo, um choque de livre-iniciativa”. O tom neoliberal do discurso agradou Marinho, que deu ordens para que Alberico Souza Cruz (diretor de telejornais da Rede Globo) fizesse cobertura do mesmo. Covas teve um minuto e vinte segundos no

Jornal Nacional, tempo considerável para o telejornal. O candidato do PSDB foi

entrevistado no Bom Dia Brasil e teve bastante espaço em O Globo.186

Em outubro de 1989, Covas repetiu o discurso e teve grande destaque em O

Globo. Na capa do dia 14, um box rosa – chamando atenção pelo contraste de cores –

anunciava: “Covas quer capitalismo sem favores e subsídios”. Dentro do box, havia uma foto de Covas numa carreata e um pequeno texto no qual o candidato explicava ser favorável a um capitalismo “sem subsídios”, baseado em “empresários honrados”.187

O apoio das Organizações Globo não fez a campanha de Covas deslanchar e as pesquisas apontavam que o PSDB não tinha chances de vitória. Já Collor, do obscuro Partido da Reconstrução Nacional (PRN) mostrava mais chances de vencer. Em agosto

183

CONTI, Mario Sérgio. Notícias...op.cit.p.114.

184 Apud Idem, p.154. 185

Idem , p.155 e 166.

186

Apud MARKUN, Paulo. O sapo e o príncipe: personagens, fatos e fábulas do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.p.225, CONTI, Mario Sérgio. Notícias...op.cit.p.166.

96 de 1989, em entrevista a Folha de São Paulo, Roberto Marinho afirmou que Collor era “jovem, mais assentado, mais ponderado, mais equilibrado, com suas boas idéias privatistas”. E acrescentou: “vou influir ao máximo a favor dele. Procurarei ser um homem consultivo, a favor da construção de um Brasil melhor”. As Organizações Globo tinham seu candidato definido.188

2.2: O “Fenômeno Collor” e as Organizações Globo

A carreira política meteórica de Collor fez com que se cunhasse a expressão “fenômeno Collor”. De figura relativamente desconhecida nacionalmente, Collor já aparecia,na primeira metade de 1989, em primeiro colocado nas pesquisas de opinião referentes às eleições presidenciais.

Fernando Collor de Mello era neto de Lindolfo Collor, primeiro Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio e filho de Arnon de Mello, governador e senador de Alagoas pela UDN. Arnon era ligado às mais poderosas oligarquias do estado e, nos anos 50, se associou com Roberto Marinho em alguns empreendimentos imobiliários.189

A família de Collor era proprietária do maior grupo de comunicação de Alagoas, que incluía o jornal Gazeta de Alagoas, estações de rádio, como a Gazeta FM, uma gráfica e a TV Gazeta, afiliada da Rede Globo. Irmãos de Collor tiveram passagens pelas empresas de Marinho: Leopoldo Collor foi diretor regional da TV Globo em São Paulo; Pedro Collor era superintendente da Globo em Alagoas.

Em 1979, Collor foi nomeado prefeito “biônico” de Alagoas. Em 1982, elegeu- se deputado federal pelo PDS. Votou a favor da emenda Dante de Oliveira (pró-diretas já) e, no Colégio Eleitoral, em Paulo Maluf para presidente da República.

Em 1986, Collor elegeu-se governador de Alagoas. A partir daí, começava o grande empenho de Collor em aparecer constantemente na mídia e se tornar conhecido nacionalmente. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação começavam a dar espaço para algumas personalidades “confiáveis” que poderiam ser “úteis” em futuras eleições.

Um dia antes da posse, Collor dava entrevista no Bom Dia Brasil da Rede Globo, anunciando suas medidas contra os “marajás”, funcionários públicos com altos salários. Menos de um mês depois, era capa do Jornal do Brasil e entrevistado nas páginas amarelas de Veja, além de aparecer no Globo Repórter, da Globo. Neste

188 Apud LIMA, Venício de. Mídia: teoria...op.cit.p.226. 189

Esta biografia de Collor se baseia em CONTI, Mario Sérgio. Notícias...op.cit., ABREU, Alzira Alves de (org). Dicionário...op.cit.

97 programa de duração de uma hora sobre os “abusos do funcionalismo público”, Collor não teve uma aparição muito longa – suas falas totalizavam menos de um minuto – e Alagoas ganhou cerca de dez minutos. Assim foi a introdução sobre o estado, narrada por Francisco José: “Palácio dos Martírios, sede do governo de Alagoas. É aqui que o governo Collor de Mello toma providências para combater abusos administrativos do Estado”. A aparição da prefeita petista de Fortaleza, Maria Luiza Fontenelle foi menos feliz: mostravam-se lugares sujos, com serviços públicos sem qualidade.190

O Globo Repórter manteria a temática dos funcionários públicos que ganhavam altas remunerações, como em “Marajás de São Paulo” (28/05/1987), e “Marajás” (10/09/1987). Neste último, Collor aparecia novamente. Assim era a narração do programa: “nessa semana, Francisco José voltou a Alagoas onde o governo Collor de Mello conseguiu acabar com os marajás”. Conforme a pesquisa de Palha, o surgimento do tema dos marajás na pauta do Globo Repórter teve explicações divergentes. Para Ronald Carvalho, ele se originara das reuniões de pauta. Para Jorge Pontual, o tema fora encomendado pela direção da emissora. Mario Sergio Conti relata que, para a realização do primeiro programa, Alberico Souza Cruz, em nome da emissora, ligara para Collor propondo o programa. A partir daí, Colllor teria grande proximidade com Alberico e com a Rede Globo.191

Collor passou a ter grande presença nos noticiários da Globo. Em maio de 1988, a repórter Beatriz de Castro foi transferida da TV Globo-Brasília para a TV Gazeta, para cobrir o governo Collor, assegurando-lhe presença no Jornal Nacional. Por sua vez, Collor sincronizava seus atos para aparecer no JN, chegando até a adiar a assinatura de uma medida para dar tempo para a equipe da Globo cobrir o fato.192

Quando se desligou do governo de Alagoas para atuar na campanha presidencial de 1989, Collor já estava filiado ao PRN. Apesar da retórica moralista contrária à corrupção, o candidato já tinha alguns episódios pouco virtuosos em seu currículo. No seu último dia como prefeito de Alagoas, contratou cinco mil funcionário da Fundação Educacional de Maceió (mais tarde, Collor explicaria que assinou o documento acreditando ter contratato apenas dezesseis pessoas, sem ver os outros milhares de nomes – a afirmação era absurda pois ele rubricara as 131 páginas que listavam todos os

190

CONTI, Mario Sérgio. Notícias...op.cit.p.43, apud PALHA, Cássia Rita Louro. A Rede...op.cit.p.266 e 269.

191 apud PALHA, Cássia Rita Louro. A Rede...op.cit.p.271 e 260, CONTI, Mario Sérgio.

Notícias...op.cit.p.30.

98 contratados). Durante seu governo, Collor nomeou nove parentes seus e dezenove de sua mulher em cargos da Assembléia Legislativa. Já como governador de Alagoas, em 1988, as verbas destinadas a cobrir suas despesas superavam o orçamento da Secretaria de Educação. No fim de seu mandato, deu um “presente” para os usineiros do estado: a justiça tinha determinado que os governadores deixassem de cobrar ICMS. Collor não só seguiu a determinação, como prometeu devolver os impostos anteriormente cobrados aos usineiros, aliviando seus tributos por cerca de cinco anos.193

Nos meses em que pesquisamos O Globo, Collor foi biografado duas vezes. As matérias tinham os títulos “Um jovem que sonha com país um melhor” (16/12/1989), publicada às vésperas do segundo turno, e “´Caçador de marajás‟ nasceu com política

no sangue” (19/12/1989), escrita após a vitória eleitoral. Nenhum dos casos de

corrupção vistos acima foi mencionado. Na primeira reportagem, recordava-se que Collor fora prefeito biônico. Em ambas, foi lembrado que votou em Maluf – “por

fidelidade partidária”, salienta a segunda matéria. Na biografia do dia 16, há seis fotos

– em uma delas, Collor vestia-se como carateca. No texto do dia 19, relatava-se que Collor havia se voltado contra os usineiros: “o caso foi parar na Justiça e Collor e os

usineiros acabaram fazendo um acordo”. Nenhuma palavra sobre a devolução do ICMS

prometida pelo “acordo” que deixou Alagoas quebrada.194

Por que Collor foi apoiado pelas Organizações Globo e por algumas frações das classes dominantes? Como já foi dito acima, Collor era o candidato conservador que mais tinha chances de derrotar as esquerdas – Lula e Brizola. Entre o final de março e meados de maio de 1989, Collor apareceu na televisão em três programas de uma hora cada do PRN, do Partido Trabalhista Renovador (PTB) e Partido Social Cristão (PSC) – o horário eleitoral gratuito diário ainda não havia se iniciado, tratava-se de espaços destinados aos partidos políticos. Os programas se baseavam em modernas – e caras – técnicas de marketing e todas as suas temáticas eram baseadas em pesquisas de opinião. Collor contava com o apoio de Marcos Coimbra, seu amigo de longa data, proprietário do Instituto Vox Populi. Após os três programas, Collor tornava-se o primeiro colocado nas pesquisas, credenciando-se para ser o “anti-PT” e “anti-PDT”.

193 O “acordo” com os usineiros seria anulado pelo sucessor de Collor em Alagoas. CONTI, Mario

Sérgio. Notícias...op.cit.p.87 e 179, ABREU, Alzira Alves de (org). Dicionário...op.cit.p.1441.

194O Globo Repórter especial sobre Collor após sua vitória foi mais generoso. Seu mandato biônico da

prefeitura foi definido simplesmente como “popular”. Também omitiu-se que Collor votara em Maluf no Colégio Eleitoral. O Globo, 16/12/1989. p.12 e 19/12/1989.p.12. PALHA, Cássia Rita Louro. A Rede...op.cit.p. 283.

99 A primeira colocação, por si só, não lhe garantiria o apoio das Organizações Globo. O fato é que o projeto político de Collor afinava-se com o neoliberalismo. No manifesto de criação do PRN em 1989, defendia-se a redução da interferência do Estado na economia e condenava-se “protecionismos descabidos e os cartórios empresariais”. O partido colocava-se em prol dos “ideais de liberdade individual, livre iniciativa com justiça social e solidariedade”. Em vários pronunciamentos, Collor acenava para a “reforma do Estado” e para as privatizações. Em texto de 1988, por exemplo, criticava o “gigantismo”, a “irracionalidade” e a “ineficiência” do setor público, sustentando que o Estado, por defender uma minoria de privilegiados, já estava privatizado. Urgia, portanto, “modernizá-lo”. Os ataques de Collor se centravam nos “marajás” – funcionários públicos de grandes privilégios – e na ineficiência das ações estatais, e não nas desigualdades sociais e na estrutura de propriedade. O ideário do ex-governador de Alagoas era, portanto, bastante “palatável” para os grupos dominantes.195

Porém, a campanha do horário eleitoral gratuito de Collor não se baseava em projetos político-ideológicos consistentes. O candidato adotava um discurso messiânico, explorava sua própria figura, mostrada como dinâmica, jovem, moderna, destemida e combativa. Colocava-se como outsider do sistema político, diferente dos “políticos profissionais” (apesar de ser filho de políticos, ter sido prefeito, deputado federal e governador). Falava das mazelas dos “descamisados” e “pés descalços”, acenava com o fim da pobreza. Se referia ao cristianismo e apareceria frequentemente com Frei Damião, religioso conservador do Nordeste, tido como sucessor do Padre Cícero. Seu alvo eram os eleitores mais pobres e desorganizados da população. Collor procurava canalizar a insatisfação popular, colocando-se indignado contra a corrupção, explorando a falta de credibilidade das instituições políticas. O tom salvacionista da campanha era desmobilizador: caberia a população votar em Collor e aguardá-lo, com sua força magnânima, acabar com o principal problema do país: os marajás. Um exemplo disso

195 Em textos e pronunciamentos posteriores, abundam críticas ao Estado praticamente idênticas aquelas

formuladas pelas associações empresariais. Em texto de 1992, baseado no ideário de José Guilherme Merquior, colunista de O Globo no período estudado, Collor afirmava adotar o social-liberalismo, definido como “um decidido não ao estatismo, ao coletivismo e ao dirigismo (...) protecionismo, paternalismo e populismo”. Afinal, vivia-sea “era do individualismo, da tecnologia avançada, da globalização econômica e da livre-barganha salarial, do neocapitalismo”. Defendia autonomia paras as empresas e para “o jogo das forças de mercado”. Ressaltava: “o capitalismo é o sistema mais eficiente, caminho necessário para a superação das desigualdades”. Apud ABREU, Alzira Alves de (org). Dicionário...op.cit.p.4290, MELLO, Fernando Collor de. Por um Brasil moderno, livre, justo e soberano. Maceió: Secretaria de Comunicação Social do Governo de Alagoas, 1988.p13, MELLO, Fernando Collor de. Agenda para o consenso, uma proposta social-liberal. Brasília: Presidência da República, Secretaria de Imprensa, 1992.p. 11, 13, 15 e 20.

100 foi o programa exibido em 11 de outubro, no qual Collor se encontrava na Rocinha e

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