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O lago de Garda

No documento Três anos na Itália (2.514Mb) (páginas 46-104)

Depois de visitar Bréscia e suas férteis terras semeadas de moi- nhos e usinas, onde se tece a seda (seu principal comércio), a lã e o linho, e também lugar do arroz, das armas de fogo e tantas outras coisas, voltamos por Peschiera, à borda do lago de Garda, o “Be- nacus” dos antigos, cantado por Virgílio e por Catulo. Os tempos mudaram muito! Entretanto as bordas deste lago, o maior da Itá- lia e um de seus oásis, refletem ainda seus maravilhosos encantos. Barcos a vapor percorrem todos os dias seu belo lago e oferecem o grande elo de comunicação entre a Itália e o Tirol.

Uma família inglesa, com a qual fizemos a viagem de Brés- cia a Preschiera, cidade fortificada e porto militar ainda sob a do- minação austríaca, convidou-nos a fazer uma excursão ao Tirol. Contudo, isso nos deteria muito nesta parte da Itália que, embo- ra muito importante e de grande beleza, apresenta por toda parte

8 Na obra original citada por Nísia, “Voyages Historiques et Littéraires en Italie” (Tomo

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um aspecto entristecedor, uma dominação estrangeira sob a qual o verdadeiro brio italiano parece desaparecer!

Nada pode ser mais pitoresco nem mais encantador do que a visão às margens desse lago. Quando se faz o passeio de bar- co, tem-se constantemente diante dos olhos cenas magníficas e variadas, às vezes sérias, às vezes amenas. As belezas da nature- za estão mescladas de tantas maravilhas, espalhadas aqui e ali pela mão do homem, que me seria impossível enumerá-las de passagem. Às vezes, são os picos dos rochedos sobre os quais se prepararam os caminhos que conduzem a uma igreja isolada ou a uma cidade pitorescamente colocada sobre suas alturas; às vezes, castelos, casas de diversão, povoados situados às margens do lago ou sobre uma colina coberta de oliveiras. Aqui e ali, nu- merosas fábricas de papel, entre outras; campos de amoreiras, limoeiros e laranjeiras que abundam em parte de suas margens, e onde os jardins cuidadosa e graciosamente dispostos nos ter- raços apresentam admirável e delicioso aspecto.

A vista do lago, de suas montanhas, de suas colinas e, sobre- tudo, de seus jardins perfumados, fez-me sentir uma muito viva e muito dilacerante saudade dos rios de minha terra, que fiquei incapaz de libertar-me das lembranças históricas que se referem a esses encantadores lugares.

Havíamos percorrido todos esses belos locais, detendo-nos naqueles que nos inspiravam maior interesse, seja por seus fatos históricos, seja pelo encanto natural ou artístico. No norte como no sul desta admirável Itália, não apenas nas grandes cidades, mas nas povoações, vilarejos, por menores e menos desprovidos de in- teresse que possam parecer, existem tesouros de arte ou grandes e gloriosas lembranças. Goiro, vilarejo à direita do Mincio, lembra a triunfante vitória alcançada em 1848 pelos bravos piemonteses

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sobre os austríacos, enquanto seu infeliz rei, literalmente ferido, ainda não cogitava na fatalidade que o faria morrer no exílio. Esta bela ponte sobre o Adda lembra a batalha que Napoleão travou com os austríacos em 1796.

Não distante do lugarejo Belgioioso, paira ainda a lembrança de Aníbal e de Cipião, que aí travaram uma batalha. Por todas as partes, uma praça, um monumento, uma obra-prima, um traço sa- liente da história apresenta-se aos olhos ou ao espírito do viajante.

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Milão

25 de agosto

As viagens e a vida! A vida, que não é senão uma viagem mais ou menos penosa, mais ou menos curta! Viajar esta viagem da qual somente Deus conhece o termo significa transportar-se de país em país, de cena em cena, de emoção em emoção, de acordo com o interesse que inspiram os diversos objetos diante de nossos olhos; e também, de alguma forma, o peso de uma grande dor que nos oprime. Entretanto, qualquer que seja o interesse des- pertado pelos lugares onde se para, o encanto que aí nos prende, o bem-estar material e moral que se experimenta, há dias em que nada pode afastar da pessoa, nem por instante, uma grande dor. Também, há sempre na alma, além da tristeza pela perda de um ser adorado que nos deixou, certo vazio que nada pode preen- cher. Em vão podemos nos cercar de tudo o que constitui a fe- licidade aqui na terra – o vazio permanece. Acordado, deseja-se; dormindo, sonha-se; e, desejando e sonhando, a vida se esgota e voa sem que esse vazio seja preenchido jamais.

O que é, pois, esse desejo incessante, essa ansiedade secreta, esse algo que falta à alma, mesmo naqueles cujos dias são cercados de toda prosperidade desse mundo? Tu, minha mãe! Tu, cuja imagem adorada hoje se apresenta tão vivamente ao meu espíri- to e preenche meu coração ainda torturado pela dor de haver-te perdido tão cedo, tu me revelarias este grande segredo, se fosse

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possível aos peregrinos aqui debaixo interrogar àqueles que re- pousam no seio de Deus! É para Ele, sem sombra de dúvida, que se dirige esta secreta e vaga ansiedade... Acreditamos Nele; a alma tem necessidade de acreditar.

Faz hoje três anos, sob os raios esplêndidos de um sol tropical, sobre os rios majestosos do mais belo golfo do mundo, que trevas profundas pareceram envolver repentinamente meu espírito e uma suprema tristeza voltou a apertar meu coração. Ela exalara seu últi- mo suspiro! Ela, cujo ardor maternal não responderia nunca mais aos meus anseios, cuja doce voz, tão persuasiva, nunca chegaria aos meus ouvidos, sedimentando cada vez mais os sentimentos que me inspirara e que cruéis desilusões ameaçavam às vezes destruir!

Sua alma tão pura, tão bela, levantou voo, ai de mim! Esse tão querido corpo, ainda quente, que reguei com minhas lágrimas! Ela voou sem poder me comunicar o segredo da morte... Mistério!

Logo depois, quando o paroxismo de uma dor inútil cedeu lugar a esta morna melancolia que, após grande aflição, se infiltra, por assim dizer, nas profundezas da alma e lhe paralisa o entu- siasmo, sem o qual a vida, em certas pessoas, não passa de um es- queleto, movendo-se automaticamente; logo depois, penso, meu espírito procura constantemente descobrir, neste calmo e último olhar tão ternamente fixado sobre mim, a dupla expressão do sen- timento que a animava.

Nesse momento doloroso e solene, durante o qual o abraço glacial da morte oprime, extingue a vida do corpo, e quando essa boa mãe já entrevia a eternidade inexorável que iria arrebatá-la de meu amor, teria querido ela revelar-me o terrível segredo? Teria querido ela exortar-me à resignação ou à dedicação por uma única palavra desses castos lábios, de onde emanaram tantas palavras de consolação a todos aqueles que sofriam em torno dela? Mistério!

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Ai de mim! A morte e a vida não são senão mistérios! Misté- rio subsistirá sempre no tocante ao que a frágil ciência humana não poderá explicar jamais.

As ciências avançam e se precipitam no abismo do tempo, arrastando as gerações que se sucedem mais ou menos esclareci- das, mais ou menos submissas aos flagelos morais e físicos, seu infalível séquito! Os fenômenos da natureza se reproduzem sem cessar, oferecendo ao homem, onde quer que ele esteja, novas maravilhas, novas e inesgotáveis fontes de estudo, e o trabalho de todas as gerações não será suficiente para superar uma só de suas criações. Tudo se agita, se opera, se reconstrói, se transforma, se renova sobre nosso pequeno globo pelas poderosas leis da nature- za e os esforços incessantes do espírito humano. Mas nada jamais pode nem poderá esclarecer o homem a respeito do mais triste dos fenômenos reproduzidos a cada dia diante de nossos olhos!

Na impenetrável obscuridade na qual se perde nosso espíri- to, tentando explicar este terrível segredo, que nos restará fazer? Curvar a fronte diante dessa infalível e misteriosa lei e perseguir a estrada das virtudes que diferenciam os homens aqui na terra até que chegue a hora suprema em que cada um resolverá, por si mesmo, o grande problema!

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Milão, a capital da Lombardia, contendo cerca de seiscen- tos mil habitantes, sem contabilizar a guarnição austríaca, está situada entre o Ticino e o Adda, em vasta e rica planície. Apre- senta um aspecto geral de beleza e limpeza que agrada à primeira vista. Seus belos jardins, seus soberbos passeios sombreados de árvores, suas belas casas, suas largas e bem pavimentadas ruas, seus estabelecimentos científicos e de caridade e, sobretudo,

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sua magnífica catedral gótica, resplandecente de puro mármore branco com o qual é toda construída, encantam o viajante que aí se encontra.

A catedral produziu em mim a mais viva admiração, logo na primeira vez que se apresentou a meus olhos. Era já noite quando, acabando de nos instalar no hotel “Bella Venezia” (cujo nome ha- via definido minha preferência), dirigimo-nos à praça estrita do domo para ver seu exterior. O céu estrelado e infinito, que brilha- va num firmamento límpido e sereno, refletia sobre o vasto teto do templo e dava a essa magnífica muralha um aspecto ao mesmo tempo pomposo e prestigioso. Olhando-o, fiquei por momentos como que subjugada por uma aparição fantástica, e meu pensa- mento se voltou para não sei qual região aérea, cujo céu estrelado, com esse mundo de estátuas, esse doce ar de Itália, essa brisa que parece impregnada dos perfumes de um rio longínquo, me pro- duzia uma imagem confusa!

Foi um sonho momentâneo, mas que deixou profunda lem- brança em meu espírito, lembrança que se ligará sempre àquela da Catedral de Milão. Restava deste maravilhoso monumento um caos gótico, amontoado de insignificantes ornamentos. Dei- xo aos artistas a missão de apoiar ou refutar tal opinião. Quanto a mim, não posso julgar senão a impressão que tive, à vista desse sublime caos, para onde retornei, no dia seguinte de minha che- gada, a fim de visitá-la por inteiro.

Cerca de quatro mil estátuas de santos, de anjos, de mártires e outros ornam de alto a baixo o domo, que se diz ser “o mais belo monumento atual da antiga arquitetura, cujo estilo, abandonado na atualidade, é por si só verdadeiramente magnífico”. Uma gran- de escada conduz às cinco portas que levam à sua fachada e que correspondem às cinco naves da igreja.

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Qualquer que seja a severidade da crítica a essa catedral, não se poderá olhar todo seu exterior imponente, penetrar em suas naves, observar essa arcada tão alta, seus pilares tão esguios e tão vigoro- sos, toda essa rica ornamentação escultural, iluminada misteriosa- mente pela claridade multicolorida que aí penetra pelas altas vidra- ças em vidro amarelo, expandindo-se sobre as naves e por todos os objetos que existem em seu grandioso interior; esta crítica, digo, não deixará de sentir o poderoso efeito desse conjunto majestoso.

A capela subterrânea, como a escada que a ela conduz, apre- senta, entretanto, aspecto muito melancólico. A recordação dos antigos cristãos, que ali se refugiaram para escapar de seus per- seguidores e para rezar, confere grande importância a esse lugar de profundo recolhimento. Os restos mortais de são Carlos Bor- romeu, envolvidos em rico tecido e colocados sobre um esquife, com moldura toda em prata, atraíam os devotos e os curiosos. A riqueza da escultura do monumento é verdadeiramente ex- traordinária! São Carlos Borromeu está coberto com suas vestes pontifícias. As superfícies do relicário são de cristais de rocha, com molduras de cobre. A pálida luz das lâmpadas sepulcrais, que ali brilham constantemente, como em São Pedro, refletindo e atravessando apenas a obscuridade desta capela, repleta de uma série de túmulos de arcebispos, dá a esse conjunto de pompa sub- terrânea um aspecto lúgubre, sem inspirar o fervor religioso que costuma nos impregnar na presença de uma simples sepultura!

Seria muito cansativo descrever minuciosamente os esplen- dores desse domo: suas cinco abóbadas em ogivas, sustentadas por cinquenta e duas enormes colunas octogonais; suas outras imensas colunas em granito vermelho que sustentam o balcão acima da porta principal; seus dois púlpitos em bronze dourado, cobertos de baixos relevos sustentados por cariátides colossais,

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que representam os quatro evangelistas e os quatro doutores da lei; suas magníficas janelas e seus brilhantes vitrais de mil cores, re- presentando cenas da Bíblia; seus notáveis baixos relevos da parte superior das paredes do recinto do coro e do retábulo do altar na capela da apresentação; suas duas sacristias, das quais uma guarda o resto do antigo e rico tesouro dessa catedral e todas suas obras de arte mais ou menos interessantes que não me tocam tanto quanto o conjunto singular desse templo.

A visão de uma dessas estátuas encontradas no interior da catedral, a de são Bartolomeu, representando o mártir esfolado, sua pele caindo, me horrorizou! É considerada uma obra de arte muito importante, mas, apesar de todo meu desejo de admirá-la e ler a inscrição que ela contém, não pude observá-la mais que um só minuto. Temas como este não deveriam ser jamais tratados, penso, senão pelos historiadores. Lendo o relato que fazem de ta- manhas barbáries, o espírito muito bem as representa, e o coração se emociona, sem que os olhos se choquem. Há representações materiais que, de alguma forma, prejudicam a grandeza do tema.

Após visitar todo o interior da rica catedral, tão diferente de todas as outras a que antes fôramos, escalamos, precedidas de um guia, os quatrocentos e oitenta seis degraus até a pirâmide central. É deste ponto que melhor podemos apreciar a vasta floresta de estátuas, a profusão de terraços, de escadarias e de agulhas sobre- pujando as estátuas que povoam o cimo deste templo esplêndido. Uma estátua da Virgem, em bronze dourado, domina a pirâmide central, de onde se tem admirável vista da imensa e rica planície que rodeia Milão e da cadeia de montanhas dos altos Alpes.

Havíamos perdido muito tempo percorrendo os inume- ráveis terraços, detendo-nos longamente diante das estátuas que mais nos interessavam; cito as de Adão e Eva como as mais

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notáveis. A última, sobretudo, nos pareceu extremamente bela. Quando deixamos as alturas desse admirável teto, o sol espar- gia seus últimos raios sobre o horizonte. Que magnificência se desdobrava sob o imponente panorama que tínhamos diante de nossos olhos! Não era mais, todavia, Veneza e suas lagunas. Os esplendores da natureza e a imagem do passado tomaram conta, nesse momento, de todo meu espírito, e já esquecera a magnifi- cência artística da grandiosa Catedral de Milão.

Cartas vindas de Nápoles, de Bolonha, de Paris e de Veneza me aguardavam aqui, onde se sabia que estaríamos agora. Entre essas cartas havia uma enviada de Leipzig por um de meus com- patriotas de nossa legação nessa cidade, o jovem literato França, que pensava encontrar-me em Paris, e me convidava para assistir à grande festa científica de Jena. Essa tarde, enquanto respondia ao gentil convite, vieram-me anunciar, com a grave presteza que a vis- ta de um visitante de categoria produz no pessoal de serviço, que um signore, enviando-me seu cartão de visitas, desejava falar-me.

Depois de algum tempo, percebemos que se tratava de uma pessoa que, por acaso, ficava sempre no mesmo vagão que nós. Descendo nas estações das cidades que visitávamos, nós o perdía- mos de vista e depois, no momento de partir, nós o víamos subir novamente em nosso vagão, aí tomando seu lugar silencioso e pensativo.

Seu porte muito distinto, assim como seu traje elegante e de gosto irrepreensível, levava-nos a crer que ele pertencia à alta so- ciedade. Uma abundante cabeleira loura dourava sua fronte de uma alvura resplandecente. Sua bela fisionomia era impregnada de profunda melancolia.

— “É um filho do Norte que, estrangeiro como nós, neste país, recorda sua pátria e talvez uma família querida”, dizia minha filha.

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Contudo, descendo em Bérgamo, para dar uma olhada nesta antiga cidade etrusca, a que César transformou em cidade roma- na e que passou, assim como suas irmãs, por tantas vicissitudes, que elevaram e rebaixaram, passo a passo, essas antigas cidades antes tão florescentes; descendo em Bérgamo, dizia, ouvi essa pes- soa ordenar ao cocheiro de uma viatura que o esperava na estação, para levá-lo ao cemitério... e fiquei admirada ouvindo um filho do Norte falar em italiano tão puro! Quem seria este misterioso companheiro de viagem? Descendo ao salão do hotel, reconheci- -o na pessoa que me enviara seu cartão de visita e que me esperava. Era o conde de M., do qual o irmão mais velho fora uma das nobres vítimas abatidas na grande e desastrosa luta de 1848 para libertar a Itália do jugo que pesa ainda sobre ela.

— Dignai-vos perdoar minha visita, madame – disse-me em tom o mais respeitoso, com voz meiga, vindo ao meu encontro as- sim que me viu entrar no salão – Chegando em casa, deparei com uma carta de uma antiga amiga de minha família acompanhada desta outra que ela me solicitou lhe entregasse pessoalmente.

E me entregou uma carta da marquesa Geppi, de Florença. Ela me apresentava o jovem conde de M., filho de um de seus maiores amigos de outrora, que voltava à Itália, depois de longa estada na Alemanha, e que me seria de alguma utilidade, dizia-me ela, para fazer-me conhecer Milão e seus arredores, onde ele pos- suía suas terras.

— Aquele que me é apresentado pela minha melhor amiga de Florença não pode ser senão bem-vindo, senhor – disse ao meu nobre visitante. Parece-me que fazeis frequentes excursões pela alta Itália, porque vos encontro sempre desde que por aí viajo.

— É verdade, senhora, respondeu-me com um pouco de em- baraço, e reconheço com prazer uma das duas damas que tive a

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honra de encontrar constantemente nas estradas de ferro. Estava longe de esperar que teria a honra de conhecer-vos sob os bons auspícios da digna amiga de minha mãe, que conheci quando era ainda muito jovem e antes que a morte tivesse levado toda minha família! Havia escrito à marquesa para anunciar meu retorno à pátria, sem pensar na felicidade que ela me proporcionaria, dei- xando-me oferecer meus serviços às mesmas damas com as quais o acaso me fez viajar silencioso e sob o golpe que me atingira, pela perda de minha mãe e de uma última irmã querida que vivia ain- da em Bérgamo.

Sua voz estava emocionada, pronunciando essas últimas pa- lavras, e uma profunda tristeza se manifestou em seu rosto. Esta tristeza fraternal e filial ensejou em mim recordação bem maior do que aquela pela marquesa Geppi.

Quem melhor do que eu para compreender e apreciar essas dores que pareciam oprimir o jovem conde M.? Não as experi- mentara, não as sentira sempre eu mesma e bem mais presentes que ele? Se este nobre jovem, voltando à sua pátria, deplora a perda de sua família, sobretudo a de uma mãe e de uma irmã, as quais adorava e que ele esperava reencontrar, ao menos é sob o mesmo solo, agora, onde esses queridos seres viveram, em que todas as coisas que os cercaram lhes falam deles, em que respira o ar que haviam respirado, toca os objetos que por eles foram to- cados, se recolhe sob a abóbada do templo em que rezaram. Sua mão pode depositar uma perpétua sobre seu túmulo todas as ve- zes que seu coração sentir o desejo de chorar sobre ele; enquanto eu sou privada de todos esses consolos; os países e os povos que atravesso, os objetos preciosos que chamam minha atenção aqui e ali, a própria sociedade feita de pessoas que nos acolhem por

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