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CAPÍTULO 2 – O LIVRO DIDÁTICO

2.2 O livro didático como gênero discursivo

O estudo sobre os livros didáticos de EJA, em turmas iniciantes, pressupõe o conhecimento de uma série de fundamentos teóricos que abrangem, principalmente, concepções sobre o livro didático, processo de alfabetização, articulações desse

processo com práticas de letramento, educação de jovens e adultos e materiais didáticos específicos para EJA. Todos esses fundamentos possibilitaram um progressivo entendimento sobre o processo de verificação e análise durante os estudos propostos na investigação desta pesquisa.

O objetivo central de nosso trabalho é procurar desvendar como se desenvolveu o processo de escolha da obra didática de alfabetização de jovens e adultos na Prefeitura de Belo Horizonte. Para tanto, foi necessário observar o modo de refletir dos professores/coordenadores sobre os livros, as consultas feitas no Guia do PNLA 2008 e as ações ocorridas pela Instituição para a escolha final da obra. Sabendo da importância de se conhecer todo o caminho de escolha e os sujeitos envolvidos, buscou-se identificar a sua representação na Instituição e os fatores que levaram à escolha de determinados livros. Para isso, foi feito um estudo sobre as atuais pesquisas que conceitualizam o instrumento livro didático, além de trazerem concepções sobre a alfabetização e o ensino de jovens e adultos.

Baseamos, como referências principais para os estudos sobre o livro didático de alfabetização, no Programa Nacional do Livro Didático das séries iniciais (PNLD), o qual representou um apoio teórico para a pesquisa sobre o Programa de Avaliação de Livro Didático de EJA (PNLA), uma vez que o Programa é recente e não há, até o momento, pesquisas sobre seus efeitos na qualidade do ensino da alfabetização em EJA de nosso país. Tais estudos subsidiam as análises e trazem possíveis comparações entre o processo de escolha do PNLD e a chegada do PNLA no Projeto EJA BH da Prefeitura de Belo Horizonte. A intenção é analisar os critérios usados pelos professores de EJA no processo de escolha do livro, comparando-os com as escolhas dos professores do ensino regular de crianças.

Defendemos, nesta pesquisa, o objeto livro didático como um gênero discursivo. Segundo Bunzen e Rojo (2005), o livro didático:

É considerado um gênero discursivo por ser historicamente datado, que vem atender a interesses de uma esfera de produção e de circulação e que, desta situação histórica de produção, retira seus temas, formas de composição e estilo (BUNZEN; ROJO, 2005, p.74).

O livro, por se encontrar em um contexto histórico determinado, traz uma composição complexa, um estilo próprio como gênero, mas os autores possuem

liberdade de se comunicar de acordo com seu próprio estilo, o que leva a trazer valores dentro dos temas selecionados e sobre seus interlocutores – professores, alunos, editores e avaliadores.

Para Bakhtin (1995) o diálogo, concebido como um processo que ultrapassa a interação face a face, é o traço fundamental do enunciado e da enunciação, mas pode-se compreender a palavra “diálogo” no sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. O livro didático, na perspectiva bakhtiniana, pode ser visto como um enunciado que constitui um elo na cadeia de “comunicação verbal” estabelecida por alunos e professor em uma sala de aula investigada.

Reafirmamos a ideia de que há, no livro didático, uma unidade discursiva, autoria e estilo. Existe uma comunicação entre os leitores proporcionada pelo discurso autoral, que é responsável pela articulação de uma diversidade de gêneros, indicando que há produção de enunciados em um gênero do discurso, muito mais do que um conjunto de textos em um suporte. Assim, o livro didático é construído com seleção estipulada pelo autor, de acordo com valores individuais, mesmo que suas escolhas sejam limitadas por um currículo previsto; o fato de escolher determinado texto, por exemplo, já traz uma seleção feita pelo autor ou editora que demonstra um estilo próprio. Dessa forma, os autores dos livros didáticos produzem enunciados de gêneros discursivos por possuir, nas obras, temas, expectativa interlocutiva específica e estilo didático próprio:

Quando os autores e editores de Livro Didático selecionam/negociam determinados objetos de ensino e elaboram um livro didático, com capítulos e/ou unidades didáticas, para ensiná-los, eles estão, no nosso entender, produzindo um enunciado em um gênero do discurso, cuja função social é re(a)presentar, para cada geração de professores e estudantes, o que é oficialmente reconhecido ou autorizado como forma de conhecimento sobre a língua (gem) e sobre as formas de ensino-aprendizagem (BUNZEN; ROJO, 2005, p.87).

As obras didáticas podem ser entendidas como um gênero do discurso que contempla outros gêneros intercalados, assim como a revista, o cartaz e o jornal, por exemplo. Dentro do livro didático, podem-se obter outros gêneros, outras vozes, outros estilos, portanto nele haverá, consequentemente, discursos de outrem “reportados”. Com isso, o autor discorrerá seu texto com acúmulo de outros textos. Entendemos o processo de estruturação do livro como um gênero múltiplo, uma vez que ele é composto por

uma rede em que os textos/enunciados produzidos pelos autores dialogam com outros textos verbais, em gêneros diversos, e com textos não-verbais (imagens, pinturas, etc), com a intenção primordial de ensinar determinado conhecimento ou capacidade (BUNZEN; ROJO, 2005).

Desse modo, o livro didático é visto, nesta pesquisa, como gênero do discurso que proporciona, ao nosso ver, uma maior apreciação como análise da obra ou seu uso em sala de aula. Compreendendo a regularidade na forma composicional do livro, no estilo do gênero (a intercalação de textos de gêneros variados, regidos pela voz de outros e discurso autoral e divisão estrutural cujas unidades são selecionadas), refletiremos sobre os valores que são embutidos na obra e como se faz o ensino da língua e sua aceitação pelo interlocutor. Com esse estudo, podemos ver que os livros didáticos possuem estilos didáticos diferenciados, ora atendendo mais às divulgações científicas, ora mais próximos das interações em sala de aula. Isso será verificado através dos relatos dos professores/coordenadores e da análise de duas obras didáticas pesquisadas a seguir.