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4.1 A ação de guardar sob diferentes perspectivas

4.1.1 O livro original

Podemos denominar esta ação de guardar como original, pois neste caso, o portador do material conserva consigo, durante décadas, o mesmo livro de leitura que usou na sua fase escolar. Pessoas que, apesar do tempo, das situações de vida, das mudanças de casa ou cidade, não se desfizeram do livro, trazem-no consigo e por ele cultivam um grande afeto.

O livro, nessa situação, não se restringe apenas a um material de leitura de primeira série, um fato que nos levou a repensar nosso primeiro propósito da pesquisa, cujo objetivo era localizar o livro utilizado na primeira série escolar por uma determinada pessoa.

Diante disso, assumimos uma nova postura e tomamos, como novo propósito, questionar pessoas que guardaram o seu primeiro livro de leitura, ou ainda, um material de leitura significativo da sua infância, não somente restrito à primeira série, mas que poderia estar ligado a outras séries do ensino primário.

Os entrevistados trouxeram para a conversa os livros de leitura que conservaram porque consideravam que esses objetos representavam um momento significativo de sua vida. Destacaremos, por conseguinte, os livros, quem os conservou, as situações, fatos e ações que envolveram essa relação num determinado tempo e lugar.

Encontramos cinco senhoras que guardam o livro original, o mesmo material de leitura do período em que estudaram:

1. Efigênia guarda a série Meninice, de Luís Gonzaga Fleury, há sessenta e um anos. Tal série foi publicada a partir de 1935, pela Editora Nacional, na cidade de São Paulo. Composta por cinco livros, de cunho didático, cada volume é destinado a uma série escolar, cuja denominação utilizada é grau. Segundo Pfromm Netto (1974), a circulação desta série no Brasil é estipulada entre 1930 a 1950 aproximadamente.

Ilustração 1 - FLEURY, Luís Gonzaga. Meninice. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1948.

A capa dura desta série traz a mesma ilustração colorida (três crianças lendo um livro: dois meninos e uma menina), a mesma tipografia e o mesmo tamanho 19,5cm x 13cm, em todos os volumes, diferenciando-se apenas na cor e no uso de uma numeração ordinal para destacar a qual série o livro está direcionado. O primeiro livro da série, a Cartilha19, não traz numeração na capa, identifica-se pela palavra cartilha abaixo do título – exemplar que a Sra. Efigênia não possui.

O primeiro livro traz a cor azul na capa, possui 96 páginas, contendo 44 textos curtos, a maioria narrativas e algumas poesias. Acima de cada texto está uma ilustração de contorno preto, sem preenchimento de cor. O segundo livro, de capa alaranjada, possui 125 páginas, com 45 textos, entre eles: contos, fábulas, narrativas, poesias e textos de Ciências Sociais (contemplando datas cívicas). Logo abaixo dos textos, há um vocabulário.

O terceiro livro possui a capa amarela, contém 155 páginas, com 42 textos; o quarto livro identifica-se pela cor verde na capa, possui 180 páginas e contém 48 textos. Ambos são compostos por narrativas, contos, fábulas, poesias e alguns textos de Ciências Sociais e Naturais.

Os livros do terceiro e do quarto graus, além do vocabulário para uma complementação ao texto, trazem sentenças gramaticais (classes de palavras, por exemplo: substantivos, adjetivos, verbos); logo depois pequenos exercícios referentes à classe de palavra explorada naquela lição, seguida de uma orientação para o professor.

19 PFROMM NETTO, S. O livro na educação. Rio de Janeiro: Primor/INL, 1974, p. 165. Esta cartilha encontra-se

numa relação das publicadas entre 1930 e 1940. Pode-se obter a imagem e a classificação desta cartilha como uma obra produzida nos anos 50 do século XX, a partir da consulta ao Catálogo Digital “Memória da Cartilha”, pertencente ao Acervo da Biblioteca Setorial de Educação da UFRGS, disponível em: <http://www.ufrgs.br/faced/extensao/memoria/index1.html>.

2. Maria Bernadete guarda a Cartilha Lalau, Lili e o Lobo há cinquenta e dois anos.

Ilustração 2 – GRISI, Rafael. Cartilha Lalau, Lili e o Lobo. 45. ed. Belo Horizonte: Editora do Brasil, 1956.

A cartilha Lalau, Lili e o Lobo, de Rafael Grisi, publicada a partir de 1945 pela editora do Brasil, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Curitiba e Porto Alegre, de acordo com Pfromm Netto (1974), teve mais de oitenta edições saídas dos prelos até o início da década de 60.

Pertencente à série A criança e o livro (Uma história e depois... Outras I, II, III, IV), de Rafael Grisi, essa cartilha é o primeiro volume de uma série de narrativas sobre os personagens: Lalau, o menino, Lili, a menina e o Lobo. A cartilha mede 23cm x 16cm, possui 78 páginas, com 23 textos. F. Nogueira e O. da Silva são os ilustradores dessa obra.

A capa do impresso traz as ilustrações dos personagens principais da história: Lalau, Lili e o Lobo, juntos e felizes. Acima de todos os textos encontra-se uma ilustração, com um contorno preto e alguns detalhes dos desenhos são coloridos em uma cor única: laranja.

Os textos são curtos: ocupando uma única página, de cada um deles se extrai um banco de palavras, e dessas palavras, as sílabas que serão trabalhadas. No final da página, destaca-se uma frase do texto em letra cursiva. A cartilha também traz exercícios que podem ser feitos no próprio livro. A partir da página 62, os textos são um pouco maiores, ocupando duas páginas do impresso. Caracteriza-se por um método global de alfabetização que parte do texto aos grafemas, passando pelas frases, palavras, sílabas.

3. Dirce Sanches guarda o livro O tesouro da criança, de Antônio D’Ávila, há cinquenta anos.

Ilustração 3 - D'ÁVILA, Antônio. O tesouro da criança. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.

O livro O tesouro da criança, de Antônio D’Ávila20, editado a partir de 1950, na cidade de São Paulo, pela Companhia Editora Nacional, pertence a uma série de quatro livros, destinados às quatro séries do ensino primário. O exemplar guardado por Dirce é o quarto volume, referente à quarta série primária. Possui 173 páginas, com dimensões 19cm x 13cm. É composto por 51 textos, uma coletânea literária de diferentes autores, como Edmundo De Amicis, Ricardo Gonçalves, Júlia Lopes de Almeida, Zalina Rolim, entre outros.

20 Cf. DIAS, M. A. Um estudo sobre O tesouro da criança de Antônio d´Ávila (1965), 2006. Monografia (Trabalho

de Conclusão de Curso de Pedagogia) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista: Marília, 2006. TREVISAN, T. A. Um estudo sobre Práticas escolares (1940), de Antônio d’Ávila. 2003. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2003.

Os textos variam entre narrativas, contos, lendas, poesias ou textos que discorrem sobre fatos ou personagens da História do Brasil. Acima de cada texto, há uma pequena ilustração, de Libaldo Costa, sem cor; conta apenas com um contorno preto. Somente a capa traz a ilustração21 colorida. Após o texto, segue um vocabulário; depois, ora o autor traz noções gramaticais, ora exercícios. Nas últimas páginas do livro, o autor escreve quatro páginas de um guia para redações, um manual com instruções e questionamentos sobre um determinado tema proposto.

4. Cida Francescato guarda o almanaque Jeca Tatuzinho há sessenta e quatro anos.

Ilustração 4 – LOBATO, Monteiro. Jeca Tatuzinho. 13. ed. São Paulo, 1944.

Jeca Tatuzinho foi um personagem criado por Monteiro Lobato em 1924. O almanaque traz uma história única, uma narrativa de um caipira que sofre de uma doença, verminose. Ao procurar o médico, passa a curar-se. Este o instrui sobre os cuidados com a higiene e o uso do remédio, Biotônico. Os novos procedimentos dão ao Jeca Tatuzinho ânimo para o trabalho e prosperidade na sua fazenda.

A criação deste impresso está agregada à necessidade de se criar noções de higiene às crianças, aos jovens e aos adultos, de se promover uma vida mais saudável e de se divulgar os produtos como o Gripargil, o Maleitosan, o Ankilostamina e, naturalmente, o Biotônico Fontoura, carro-chefe da empresa, uma das marcas mais bem-sucedidas da história da propaganda brasileira. O Jeca Tatuzinho torna-se, então, um guia de instrução de hábitos

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Devido ao livro estar encapado e apresentar-se um tanto fragilizado pelo manuseio e o tempo, não retiramos a capa para a obtenção da imagem da ilustração. A capa deste volume encontra-se disponível em:

higiênicos, cuidados com a saúde e de propaganda de um produto: Biotônico Fontoura que era distribuído nas farmácias brasileiras.

Na ilustração 4, a última página do almanaque traz as informações sobre o produto, sua ação no organismo, indicações, como também as instruções para o seu uso em adultos e crianças. Esse almanaque é a 13.ª edição que completava 12 milhões de exemplares distribuídos nas farmácias do Brasil, local onde foi adquirido pelo pai de Cida Francescato, demonstrando, com isso, o sucesso desse trabalho.

Impresso em 24 páginas, com a capa colorida em laranja, as ilustrações internas recebem apenas uma cor, oscilando entre o verde, o laranja, o rosa ou o vermelho, todas acompanhadas pela cor cinza, ilustrado por J. U. Campos, genro de Lobato.22

5. Virgínia Krepp guarda há cinquenta anos a coleção Reino infantil.

Ilustração 5 - Coleção Reino infantil. São Paulo: Editora LEP, 1956.

A coleção Reino infantil é uma tradução de contos clássicos de Hans Christian Andersen, Charles Perrault, Jakob Ludwig Karl Grimm e outros, editado em 1956 pela Editora LEP. Essa coleção é composta por quinze volumes com uma capa dura esverdeada de textura sobressalente, medindo 22cm x 16cm.

Cada volume traz um revestimento interno com o nome da coleção e ilustrações de alguns dos principais personagens dos contos. A página de rosto traz o nome da coleção, os autores dos contos, a qual volume pertence aquele livro. Essas informações recebem um contorno das ilustrações dos contos da coleção. O exemplar possui 318 páginas, com catorze contos, sem sumário. O título e a primeira palavra do conto são escritos em vermelho; a primeira letra dessa

palavra é maior e toda ornamentada. Cada conto recebe a ilustração de apenas uma cena da história. Os desenhos são coloridos inteiramente por uma única cor, o vermelho. 23