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3 O RIO DE JANEIRO QUER SER GLOBAL

3.4 Os Jogos Pan-americanos de 2007

3.4.2 O Lugar dos Jogos

O Dossiê (2002, p. 123) apresenta os locais e as áreas relacionadas destinadas aos Jogos e destaca que: “está prevista a realização de investimentos que dotarão a Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, em particular a Barra da Tijuca61, de um conjunto de equipamentos esportivos”.

De fato, nada menos que 60% dos locais de competição estão no bairro classificado pelos proponentes dos Jogos como o mais nobre do Rio (DOSSIÊ, 2002, p. 131).

61

A Barra da Tijuca representa 13% do território ocupado por menos de 3% da população e possui o quinto maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os bairros – 0,959 (IBGE. Censo 2000).

A escolha do bairro Barra da Tijuca para concentrar a maioria das instalações não foi justificada por argumentos técnicos, porém não foi aleatória nem desconexa à história urbana carioca. O estudo de Abreu (2006, p. 134-135) acerca da seleção geográfica dos governantes para os investimentos públicos aponta para: “a ação preferencial do Estado nas zonas mais ricas da cidade [que, por conseguinte]… levou a um processo intenso de especulação imobiliária que… determinou a expansão da parte rica da cidade em direção a São Conrado e Barra da Tijuca” na tentativa, inútil, de fugir da convivência com os pobres.

Para o então Pref. Cesar Maia (JB, 3/11/2002) foi a segurança dos atletas o fator determinante para a escolha: ''É uma área plana, com urbanização qualificada, sem áreas de narcotráfico, com quatro entradas e saídas. Por esses fatores, a Barra seria o único lugar da cidade no qual poderíamos oferecer total segurança para os atletas''.

No entanto, o curso dos acontecimentos urbanos, numa cidade capitalista não se isola das práticas sociais e dos conflitos entre as classes. Lessa (2000, p. 412, apud SILVA, 2008, p. 120) observou a contradição entre o pretendido pela alta burguesia e a realidade:

Certamente, para observação, a combinação dos condomínios e shoppings fez da Barra o lugar-ensaio da pós-modernidade, fiel aos padrões do Rio. As favelas crescem explosivamente na Barra da Tijuca. Entre 1980 e 1991, cresceram 200% na região Barra/Jacarepaguá. O cordão de isolamento do condomínio é perfurado diariamente pelos prestadores de serviços. Os prédios usam trabalhadores da construção civil, os condomínios são pilotados por porteiros e seguranças recrutados na massa popular; o lavador de carros, a empregada doméstica e outros, imprescindíveis ao bem-estar da elite condominial, são do povo. O espaço condominial, por uma ponta, ancora a cápsula espacial pós-moderna do shopping; por outra, cria milhares de brechas de subsistência ocupadas pelo povo. As classes abastadas estão historicamente acostumadas à abundância destes serviços para o seu bem-estar. De novo, na Barra, a topografia do Rio, as limitações do sistema de transporte, as características da demanda de serviços pessoais e de apoio às residências de renda elevada produzem a favelização associada e internalizam e avizinham os estratos sociais da cidade. A Barra da Tijuca é por fora pós- moderna, mas por dentro reproduz o Rio de Janeiro de sempre.

A Barra da Tijuca, classificada como região de crescimento natural da cidade (A TRAJETÓRIA, s/d, p. 44), é o eixo de expansão nos moldes capitalistas da

utilização urbana, logo para onde se voltam os maiores investimentos imobiliários. É sob esta ótica de expansão da acumulação do capital que a escolha se deu.

É válido relembrar os alertas de autores sobre a questão do aprofundamento da apartheid social carioca, decorrentes da colocação de investimentos públicos à serviço do mercado imobiliário, antes de acontecer o Pan/2007. A análise do projeto Pan/2007 feita por Silva (2005, p. 133) considera:

A reprodução destes processos tradicionais para a ocupação do território, na economia e na política estão contra os propósitos de uma sociedade bem ordenada, justa e estável, ou seja, não aliviam o sofrimento e a dificuldade dos pobres, não diminuem a distância entre ricos e pobres, não promove a eliminação do estigma dos menos favorecidos, não promovem a eliminação de processos ou formas de sociabilidade injustas e não promovem uma equidade no processo político, em verdade, a reprodução destes processos tradicionais no espaço metropolitano promoverá possivelmente o aumento dos processos de segregação e de exclusão social dentro da cidade.

Mascarenhas (2006, p. 18) concorda com Silva e prevê que:

… a cidade que emergirá deste evento [Pan/2007] tende a consolidar

um modelo excludente e segregador. Do ponto de vista urbanístico, o principal aspecto desta política urbana é a concentração espacial dos investimentos em áreas socialmente privilegiadas. A Barra da Tijuca e seu entorno corresponde ao trecho da cidade que efetivamente se beneficia com a realização deste evento que muito onera o poder público.

Já Baldez (2007), por seu turno, é enfático na condenação da política governamental local:

Sem considerar direitos e o habitat comunitário constituídos no curso do tempo, a prefeitura do Rio de Janeiro, bem coadjuvada pela indústria imobiliária atrás de lucros, quer reservar a Barra e adjacências à vida e ao lazer dos ricos e assemelhados, imbricando-se poder público e poder econômico na mesma estratégia de exclusão social.

Assim sendo, a convergência da maior parte dos investimentos do Pan/2007 (a vila olímpica e a maioria das instalações esportivas) para uma área nobre62 da cidade

62 Para ilustrar ainda mais esse movimento a área do Autódromo que ficou conhecido como “de

Jacarepaguá” teve a sua referência de bairro modificada e incorporada a Barra da Tijuca. Afinal, o

segue a marcha da valorização imobiliária, através das praias, na continuidade do processo histórico carioca dicotômico núcleo/periferia, zona sul/norte, rico/pobre já ressaltada nesse estudo. Por outro lado, já foi visto também que as urbes aspirantes à classificação de cidade global competitiva procuram se credenciar por trunfos, enumerados por Harvey (2006) e expressos na seção referente ao espaço urbano, dos quais dois podem ser observados neste momento: o primeiro diz respeito ao alargamento da área de consumo através da valorização de regiões urbanas degradadas e ocupação destas por classes de maior renda – a Barra a Tijuca se encaixa perfeitamente nestes propósitos; já o segundo trunfo trata-se do recebimento de aportes financeiros do governo central pela cidade disputante no mercado urbano global – a simples previsão de realização de um megaevento esportivo satisfaz as condições políticas e legais nesse sentido.

Portanto, a opção feita na formulação do Pan/2007 por um bairro nobre para a localização da maioria das instalações esportivas obedece e atende a duas lógicas: o processo histórico e o modelo buscado, as duas perfeitamente compatíveis e que se retroalimentam.

Nem mesmo a mudança para nível olímpico mudou essa perspectiva, pelo contrário, a localização das instalações a serviço do mercado imobiliário foi consolidada conforme a Figura 1, apresentada na próxima página, constata a concentração espacial dos Jogos.

FIGURA 1 – Mapa dos locais das instalações dos Jogos Pan-americanos de 2007

Fonte: A TRAJETÓRIA RIO 2007, s/d, p. 45.

É significativo que entre os critérios estabelecidos para a localização das instalações esportivas esteja: “valorizar o Rio de Janeiro como vitrine internacional e cenário inigualável para a televisão global”. A confirmação de que o Pan/2007 foi pensado e executado de forma a servir de instrumento para a internacionalização do Rio de Janeiro é explícita. Cabe então questionar se outro critério enunciado no mesmo documento (A TRAJETÓRIA RIO 2007, s/d, p. 44) é compatível: “garantir consistência em relação a agendas de longo prazo para reformas sociais na cidade e iniciativas de inclusão”.

Para tanto, serão utilizados os dados financeiros aplicados no megaevento na tentativa de relacionar o gasto estatal direcionado às transformações sociais prometidas.

As finanças públicas são um dos melhores pontos de partida para uma pesquisa da sociedade… (SCHUMPETER apud O‟CONNOR, 1977, p. 16)