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CAPÍTULO III – A ANGÚSTIA DA INFLUÊNCIA EM GRACILIANO RAMOS

3.1. Em busca de um mapa da desleitura

3.1.2. O Mapa

Nos dois capítulos que compõem a segunda parte da obra de Bloom, ele procurará apresentar seu mapa da desapropriação, a fim de fornecer o método que servirá para tentar identificar em todo poeta sua apophrades. Apoiando-se em suas seis categorias revisionárias, Bloom propõe um esquema que visa, de forma dicotômica e dialética, explicar o seu mapa da desleitura, conforme se vê no esquema seguinte. Esse esquema é, segundo o próprio crítico, um deslocamento da dialética luriânica desde a Criação até a tríade estética da limitação, da substituição e da representação. O mapa da desleitura proposto por Bloom é também uma expansão dessa dialética, no intuito de se identificar o modo como se produz o significado na poesia forte dos últimos séculos, através do jogo substitutivo de figuras e de imagens, através da linguagem que os poetas fortes usam a fim de se protegerem dos poetas fortes anteriores, bem como responder a estes.

Bloom defende que os tropos podem ser divididos em dois grupos: tropos de limitação e tropos de representação. Desse modo, ironia, metonímia e metáfora se enquadrariam entre os tropos de limitação; por outro lado, sinédoque, hipérbole e metalepse seriam tropos de representação. Da mesma maneira, Bloom organiza antiteticamente as defesas nos mesmos grupos. As defesas de limitação seriam a formação reativa; a tríade composta pela decomposição, isolamento e regressão; e, por fim, a sublimação. De outro lado, teríamos as defesas de representação compostas pela dupla do desvio contra o eu e inversão; em seguida a repressão; e, finalmente, a dupla da introjeção e projeção.

DIALÉTIC A DO REVISIO NISMO IMAGENS NO PO EMA TRO POS RETÓ RICOS DEFESA PSÍQ UICA RAZÃO REVISIO NÁRIA Limitação Substituição Re presentação Presença e Ausência

Parte pelo Todo ou Todo pela Parte

Ironia Siné doque Formação Re ativa De svio Contra o Eu Inve rsão Clinamen Tessera Limitação Substituição Re presentação Plenitude e Vazio Alto e Baixo Metonímia Hipé rbole Litotes De composição, Isolamento, Re gressão Re pressão Kenosis Demonização Limitação Substituição Re presentação Dentro e Fora Ante rior e Posterior Metáfora Metalepse Sublimação Introje ção Proje ção Askesis Apophrades

Para que se possa ter uma compreensão mínima do esquema proposto acima por Bloom, é importante que se entenda que o crítico norte-americano procura abordar o antitético tanto no sentido de contraposição de ideias rivais em estruturas, frases e palavras, sejam equilibradas, sejam em paralelo; quanto na acepção de antinatural. Ambas as acepções são oriundas, respectivamente, do pensamento de Freud e de Nietzsche.

Bloom chama de razões revisionárias os tropos e as defesas psíquicas, juntos ou separados, que se manifestam no conjunto de imagens poéticas. Nesse sentido é importante que, para o pensamento antitético vir a ser resgatado para a crítica, deva-se utilizar uma fórmula analógica a qual possa manter unidos o tropo e a defesa psíquica no âmago da imagem poética.

Para Bloom são os tropos, entendidos como erros necessários sobre a linguagem, que possuem a capacidade de nos defender das armadilhas do sentido literal, bem como dos demais tropos, os quais se posicionam entre o significado literal e a abertura para um novo discurso. Se, para Vico, os tropos se resumem a quatro, Bloom propõe o acréscimo de mais dois que se relacionam diretamente as suas razões revisionárias: hipérbole e metalepse, sendo

este o tropo dos tropos. Por essa razão, Bloom defende que suas razões revisionárias estabelecem relações entre termos desiguais, já que o poeta posterior termina sempre por engrandecer seu precursor, ao tentar interpretá- lo.

No sexto capítulo de Um Mapa da Desleitura, Bloom coloca à prova o seu mapa. Apesar de aceitar que existe um esforço de certos poemas no sentido de não se sujeitar a seu modelo revisionário, ele também reco nhece que o seu mapa não representa um modelo estanque; muito pelo contrário, a ordem em que as razões revisionárias se apresentam pode ser inversa, o que deve predominar, em verdade, é o princípio da substituição, no qual se dá o processo eterno de resposta das representações e limitações.

Para comprovar o caráter analítico de seu Mapa, Bloom, a partir da leitura do poema

Childe Roland, de Browning, o coloca em teste, e observa que o poema, ao seguir o mapa da desapropriação, compõe-se de três partes, das quais

(...) As estrofes de I a VIII forma m a introdução, durante a qual uma in icia l contração ou retraimento de significado é gradualmente compensada por uma substituição ou representação de busca. Retorica mente, a iron ia se rende à sinédoque, psicologicamente, u ma formação reativa dá lugar a um desvio contra o eu; imagistica mente, uma impressão de ausência total é substituída por um sentido de restituição de algum significado parcia l, enquanto uma representação maior, u ma integridade perdida ainda se mantém e m suspenso: 91

É bem verdade que não vamos aqui reproduzir o poema em estudo, mas acreditamos que as considerações iniciais que Bloom nos apresenta podem comprovar o esquema triádico em que o desvio que ocorre no início do poema é marcado pelo jogo da presença e da ausência o que nos remete à figura da ironia e, por conseguinte, ao clinamen. Esse desvio irônico que se percebe nas origens avança para a busca de uma totalidade, por mais inversa que se apresente. Essa inversão na busca do todo pela parte, ou vice- versa, nos conduz à sinédoque, que, por sua vez, nos remeterá à segunda razão revisionária bloomiana, a tessera.

Bloom prossegue sua leitura de Childe Roland, entendendo-o como um texto revisionário, conforme seu mapa da desapropriação. Entretanto tal leitura, em sua fase inicial, para não dizer superficial, apresenta apenas o nível primário de interpretação. É importante, então, que se investigue a interpretação da tradição que as razões revisionárias do poema são capazes de oferecer, bem como identificar o precursor ou precursores centrais. Esse exercício levará obrigatoriamente a que sejam colocadas em oposição a Palavra lançada pelo poeta tardio e a Palavra rival de seu precursor.

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É necessário, então, que entendamos a desapropriação como o jogo entre tropos, defesas e imagens e que, por fim, cheguemos à compreensão de que um poeta somente se torna um verdadeiro poeta e assim o permanece à proporção que exclui e nega outros poetas. É certo, ainda, que seu movimento inicial é de inclusão e afirmação de seu(s) precursor(es). Somente através de um sistema plenamente antitético de inclusão/exclusão, negação/afirmação e, por meio de defesas psíquicas, as quais se manifestam como introjeção/projeção, é que um poeta pode ser reconhecido como tal.

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