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Capítulo 7 – O curso de inclusão digital de Paineiras

7.2 O material didático do curso de inclusão digital de Paineiras

Figura 39: Capa da apostila do Curso de Inclusão Digital. Fonte: Acervo da pesquisadora.

O material didático do curso de informática, que me foi apresentado pelas instrutoras, era composto por uma apostila contendo trinta e três itens relacionados aos conceitos básicos de informática (software, hardware, software livre) e conhecimentos sobre editores de textos, planilhas de cálculo, gráficos, introdução à internet, navegadores de internet, e-mail, redes sociais e mensageiros instantâneos. A apostila do curso de inclusão digital conjugada com atividades fotocopiadas relacionadas ao conteúdo ministrado foram os materiais impressos mais utilizados nas aulas do curso. Essa opção por um material somente, em formato impresso, parece não levar em consideração a pluralidade de recursos como texto, áudio, vídeo e animações como possibilidades que as TDICs oferecem para elaboração de materiais on line, além de evitar a falta do material impresso para a realização das atividades em sala, conforme constatado durante a observação.

Figura 40: Sumário da apostila do curso de inclusão digital. Fonte: Acervo da pesquisadora.

A apostila do curso assumiu um formato de manual, cuja especificidade é a apresentação do conteúdo a ser estudado de modo claro e objetivo, oferecendo informações para sua compreensão. Segundo Litto e Formiga (2009), o manual é um recurso utilizado para o ensino em situações voltadas para o saber fazer, principalmente

em cursos com a finalidade de aprendizagem do uso de softwares ou de sistemas operacionais no âmbito da informática.

A referência para a organização do conteúdo da apostila foi de um material de autoria de Gustavo Buzzati Pacheco, coordenador de documentação do projeto LibreOffice.org. Para a elaboração do material do Curso de Inclusão Digital de Paineiras foi realizada uma readaptação do material produzido pela prefeitura municipal de Arapiraca – Alagoas, no ano de 2006. Observa-se que para a concepção do material, os responsáveis pela capacitação em Paineiras readaptaram um material que circula on line para capacitação em informática básica explicitando que há uma organização em capítulos temáticos, estruturada de forma a permitir o desenvolvimento das habilidades e competências instrumentais para uso do software livre. Dessa forma, a organização do material do curso em Paineiras relaciona-se com uma rede de materiais para formação para o uso do software livre, demonstrando que o material do curso, assim como o de Arapiraca, relaciona-se a uma rede geral de materiais elaborados para uso de software livre.

O princípio orientador do conteúdo da apostila e das atividades fotocopiadas segue uma lógica que focaliza as informações a serem seguidas como um caminho para se chegar à compreensão dos procedimentos recomendados para uso do software. A cada conjunto de informações sobre determinado tema, os alunos devem realizar atividades que contenham instruções para uso dos programas. Os conteúdos estão estruturados de tal forma, que deixam transparecer uma tendência em estabelecer uma estrutura reconhecida e aceita por especialistas da área e já estabelecida em práticas escolarizadas; como exemplo podemos citar o material elaborado por Sebben, 2012.

O modelo de material impresso no formato de manual apresenta as informações para compreensão do uso do software para, em seguida, propor atividades que devem ser realizadas no computador, por meio de exercícios que se relacionam à identificação de informações objetivas no texto ou a aspectos formais que se referem à formatação de fonte, de texto, de cor, de inserção de formas, de tabelas, de desenhos, de cores de fundo, entre outros.

Outro recurso utilizado pelas instrutoras para as aulas foram folhas fotocopiadas, que continham exercícios que utilizavam recursos de edição de textos como escolha de tamanho de fonte, inserir tabelas, imagens, formas, entre outros para a aquisição de habilidades de digitação no computador, conforme a figura 41.

A escolha por um modelo de material focado em habilidades técnicas evidencia a hierarquia já estabelecida por práticas escolares que reforçam o modelo escolar autônomo, baseado em uma maneira única e universal de aprendizado, associada a resultados e a efeitos de caráter cognitivo individual ou no desenvolvimento social com vistas à incorporação das tecnologias e à mobilidade social (ROJO, 2000). Ressalta-se que alguns modelos das atividades complementares sobre editor de textos estavam dissociados da dinâmica social e, em sua maioria, remetiam a modelos burocráticos da escola, como documentos para controle de alunos, fichas de inscrições (fig. 41), com vistas ao domínio de procedimentos técnicos básicos do editor de textos. As atividades se apresentaram distante de uma consideração dos usos dos sistemas de informação para gerenciar a produção da agricultura familiar, como previsto no projeto “Inclusão Digital

dos Jovens Agricultores Familiares da Comunidade Quilombola de Paineiras”.

Os conhecimentos selecionados para a inclusão digital do curso de Paineiras foram focados em atividades diretamente relacionadas à aquisição de habilidades técnicas universais; as mesmas para todos em todos os lugares. Essa universalização de conhecimentos para inclusão digital baseia-se na própria condição de escolha por um material elaborado para outro contexto de capacitação e/ou uso. Essas habilidades de codificar e de decodificar signos, que se referem à compreensão do sistema operacional das tecnologias, podem ser chamadas de alfabetização digital. De acordo com Frade,

Figura 41: Atividades do material complementar do curso de inclusão digital Fonte: Acervo da pesquisadora.

[...] a transposição do termo alfabetização para outros campos é bem frequente quando se trata de ensinar outros códigos. Assim, na falta de outro termo, perde-se um pouco do sentido etimológico ligado à letra para associá- la ao aprendizado inicial de outros signos. (FRADE, 2007, p. 62).

O processo de alfabetização digital, conforme proposto no manual do curso, se desenvolve na interação do usuário com o computador, assim como o processo de alfabetização para a aprendizagem do sistema de escrita tem uma especificidade técnica, sendo indispensável para a aquisição tanto do sistema de escrita alfabético quanto do sistema de códigos que regem um ambiente virtual.

Nessa perspectiva, o conceito de alfabetização digital está circunscrito pelas práticas iniciais para a utilização do computador, contemplando seu uso no nível mais básico. No capítulo dedicado à Educação do Livro Verde da Sociedade da Informação (TAKAHASHI, 2000, p. 45-56), o conceito de alfabetização digital refere-se a um nível, ou etapa, mais básica para a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC. Da mesma forma, no glossário, alfabetização digital aparece definida como “processo de aquisição de habilidades básicas para o uso de

computadores, redes e serviços de Internet” (TAKAHASHI, 2000, p. 165).

Ao que parece, no conceito de alfabetização digital proposto pelo Governo, com o intuito de promover políticas de inclusão social, há orientações para a aquisição de

habilidades básicas relacionadas a um nível operacional, que tratam da “[...] codificação

das funções operacionais da máquina em ícones, palavra-chave, ou posições estruturais

na tela, são, assim, textos cuja funcionalidade é o objeto da alfabetização digital”

(CASTRO, 2003, p. 63).

As características do manual para inclusão digital assumiu um padrão que naturaliza as características socialmente específicas dos usuários e desconsidera as situações de uso real do computador e da internet pelos moradores da comunidade: onde vivem, o que fazem, quais são seus grupos de contato, que trabalho realizam, quais atividades desenvolvem, quais são seus conhecimentos anteriores ao uso do computador e da internet, como utilizam o computador e, principalmente, quais as suas demandas no espaço digital.