• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 4 – Comunidade quilombola: um lugar para a pesquisa

4.5 O primeiro encontro e as negociações para ganhar acesso ao campo

Com muito entusiasmo, mas com alguma insegurança em face de um primeiro encontro, programei a primeira entrevista contendo todas as questões que me interessavam, relacionadas à pesquisa. A entrevista teve um modelo padronizado, contendo um roteiro de perguntas direcionadas ao entrevistado, tais como: Em que ano a comunidade foi reconhecida como remanescente quilombola? Quais as principais dificuldades enfrentadas para o reconhecimento? Como vivem os moradores da comunidade?, para ficar em alguns exemplos.

Os estudos de Zago (2011) e Spradley (1979) fizeram-me compreender que esse modelo de entrevista, se adotado, poderia ter me levado a um momento embaraçoso e/ou comprometedor, visto que poderia ser interpretado como algo com finalidade estritamente pragmática, o que não era minha intenção, uma vez que a proposta seria uma pesquisa de abordagem etnográfica, a qual deve levar em conta a familiaridade gerada após um convívio prolongado e intenso com os participantes da pesquisa, sendo

orientada por “conversas” que fluem em uma relação amistosa, não dominada pelo cálculo, pela frieza racionalista ou pela distância (SARMENTO, 2011). Desse modo, entendi que seguir as derivas de uma conversa seria mais apropriado para um primeiro encontro e, por isso, abandonei o roteiro da entrevista e fui ao primeiro encontro com o coordenador da comunidade.

Chegando ao local, estavam à minha espera dois coordenadores da comunidade, um homem e uma mulher, que me receberam de maneira afável para a nossa primeira

“conversa”. Eu me apresentei como professora da Unimontes14

e doutoranda na UFMG. Optei, nessa primeira conversa, por não fazer registros em filmagem ou gravação, uma vez que não houve espaço para uma negociação prévia com o informante para obter sua aprovação, fazendo somente o registro no diário de campo. Alguns pontos principais da pesquisa a ser desenvolvida no doutorado foram explanados e, então, deixei a palavra com o coordenador, que passou a falar de si, de seu lugar e de outros projetos realizados. Relatou ainda sobre os diferentes grupos da comunidade, tais como o grupo dos idosos, das universitárias e os adolescentes do Projovem15. Foi uma conversa espontânea e autêntica, visto que o coordenador produziu um relato de aproximadamente quarenta minutos sobre o histórico da comunidade, os projetos da Associação de Remanescentes Quilombolas de Paineiras – ARQUIP – e sobre os anseios da comunidade e suas expectativas relacionadas aos pesquisadores que quisessem empreender seus trabalhos naquela comunidade.

A conversa com os coordenadores foi um nítido momento de negociação para minha entrada em campo, pelo fato de o coordenador criticar as promessas dos pesquisadores que já haviam trabalhado na comunidade, relatando que eles pouco contribuíram para a melhoria de vida de seus membros e, por muitas vezes, nem mesmo divulgando o resultado da pesquisa. Relataram ainda que já estavam cansados das promessas dos benefícios das pesquisas, o que talvez explique a pouca receptividade do primeiro contato, por telefone, quando mencionei a intenção de pesquisar naquela comunidade.

Assim, nosso primeiro encontro foi marcado por um processo de negociação para a entrada em campo, notadamente quando os coordenadores da comunidade

14

Universidade Estadual de Montes Claros.

15

O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes e Jovens de 15 a 17 anos (Projovem Adolescente) tem por foco o fortalecimento da convivência familiar e comunitária, o retorno dos adolescentes à escola e sua permanência no sistema de ensino. Disponível em: www.mds.gov.br. Acesso em: 17/12/2014.

disseram que “fazer pesquisa e não trazer nada de volta, não satisfaz. A nossa demanda

é de transformação, empoderamento.” A relação a ser estabelecida entre pesquisador e

pesquisados foi introduzida pelos representantes da comunidade, indo ao encontro de discussões realizadas por diferentes autores, como Geertz (2007), Carvalho (2011) e Waldorf (2008), que afirmam que situações sociais não podem ser estudadas sem a permissão de determinadas pessoas. Buscar permissão pode representar um momento de enriquecer o trabalho de campo com experiências de aprendizagem. Dessa forma, percebi que minha participação como pesquisadora seria direcionada para atender às demandas colocadas nesse primeiro encontro.

Confesso que não esperava que essa demanda de intervenção fosse requerida nesse primeiro encontro. Entendi que minha entrada estava condicionada às ações de empoderamento, ou seja, ações de impulso a grupos e comunidades que buscam a efetiva melhoria de suas existências, com autonomia, qualidade de vida e aumento da visão crítica sobre a realidade social (GOHN, 2004). Essas ações de intervenção estariam relacionadas à minha condição de professora universitária, tendo que proporcionar empoderamento aos membros da comunidade, através de conhecimentos da minha área de atuação, implementando, por exemplo, um curso de computação para jovens ou para professoras da escola local, apoio pedagógico na escola ou mesmo um curso ministrado por algum colega de trabalho.

Durante a conversa com os coordenadores, propus a implementação de um levantamento da história e de memórias da comunidade, a exemplo de outros projetos similares já desenvolvidos por mim com alunas da universidade na qual ministrava aulas de Metodologia da História e da Geografia, no curso de Pedagogia. Ao relatar sobre essa proposta de projeto, os coordenadores aprovaram a ideia e finalizamos nossa conversa marcando uma data para a apresentação do projeto à comunidade.

Ao final do primeiro contato, tive a impressão de que já tinha sido dado, com sucesso, o primeiro passo para o acesso e que, para ganhar de vez o acesso à comunidade, novos passos deveriam ser dados de maneira gradual e contínua, uma vez que a adesão ao projeto pelos grupos da comunidade seria crucial para alcançar pleno acesso ao campo.

A seguir, explicitarei o processo de acesso à comunidade por meio da apresentação e da implementação do projeto sobre a história e a memória da comunidade quilombola.

4.6 Projeto memórias e histórias da comunidade quilombola: passaporte para o