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O Medo pode ser explicado pelo Aumento do Crime?

CAPÍTULO II – PENSAR O MEDO DO CRIME

2. Questões:

2.1. O Medo pode ser explicado pelo Aumento do Crime?

Um dos fatores que condiciona “o medo em relação ao crime é a experiência de vitimação do indivíduo”275. Numa primeira fase podemos pensar que “as pessoas que já foram vítimas de

um ou vários crimes se encontram mais vulneráveis e, consequentemente têm maior receio do crime, e têm também opiniões mais pessimistas sobre a evolução da criminalidade”276

.

272 MACHADO – Op cit. 2004.

273 LOURENÇO, Nelson; LISBOA, Manuel – Dez anos de crime em Portugal. Análise longitudinal da criminalidade participada às polícias (1984-1993). Cadernos do Centro de Estudos Judiciários. Lisboa: Gabinete de Estudos Jurídico-Sociais do Centro de Estudos Judiciários. N.º 17 (1998). ISBN 972-9122-17-2. p. 9.

274 LOURENÇO – Op cit. p. 21. 275 ESTEVES – Op cit. p. 54. 276

Num inquérito realizado em 1999 em vários bairros da cidade de Lisboa, as mulheres revelavam maiores níveis de insegurança que os homens em quase todas as situações, mas particularmente em ruas pouco movimentadas à noite, no bairro de residência à noite e até em sua própria casa à noite. ESTEVES – Op cit. p. 50.

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“A desorganização do espaço e a desordem social são manifestamente associadas ao crescimento urbano e à fragilidade da coesão comunitária”. Com efeito, Zedner afirma que “o medo do crime é, antes de mais, um fenómeno urbano”, que “pode ser visto como uma reacção às incivilidades locais como a fraca iluminação pública, o vandalismo, os edifícios encobertos, os jovens que permanecem nas esquinas, os alcoólicos, e outras manifestações de um ambiente hostil.” Este autor acrescenta “outros fatores correlacionados com o medo do crime, como a percepção de declínio moral ou ansiedades suscitadas por alterações nas comunidades de residência (como aquelas que são introduzidas pela imigração)”. Costa Andrade também situa o fenómeno em contexto urbano, definindo-o como uma “construção psicológica difusa determinada por diferentes aspectos da vida urbana contemporânea”.

Desta feita, Costa considera que “a vulnerabilidade individual, isto é, o medo que subjectivamente as pessoas percepcionam, parece ser um factor importante na análise do medo do crime”. A autora refere ainda que “provavelmente o medo do crime é reforçado pelo medo de não se conseguir lidar com as consequências do crime (psicológicas, físicas, financeiras, suscitando o dilema pessoal da autonomia ou dependência de terceiros).”277

Eliana Gersão refere que “para esta desproporção entre a intensificação do medo do crime e o aumento real do risco dos cidadãos de serem vítimas de crime terá certamente contribuído, para além de uma certa manipulação do medo, a maior exposição pública do crime”. Tal, segundo a autora, aconteceu derivado do “relevo que lhe foi dado pelos meios de comunicação social, em particular pela televisão, bem como a sensibilidade acrescida dos cidadãos face a determinadas formas de violência”, facto que “os leva a não tolerarem hoje situações e atitudes que, em tempos ainda não muito remotos, eram considerados “normais” e aceites de modo pacífico”278

.

Esta afirmação leva-nos, de acordo com a mesma autora, para a “problemática da construção das representações sociais face ao crime e dos consequentes sentimentos de insegurança”.279

O exposto assenta no aumento dos “crimes contra o património” e “contra as pessoas” na década de 90. Com efeito, recorde-se que em Portugal, entre 1989 e 1993, e tendo como

277 COSTA, Dália – Onde é que o percurso da Vitimologia se cruza com a Política Social? In BARATA, Óscar Soares, org. – Política Social e Sociologia. Lisboa: ISCSP, 2010, p. 340.

278

LOURENÇO – Op cit. p. 10. 279 Idem – Ibidem.

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referência “apenas os crimes considerados como definindo uma associação mais intensa à geração do sentimento de insegurança”, a taxa de variação situava-se em 18% nos ‘crimes contra o património’ e em 4% nos ‘crimes contra as pessoas’.” Assim, estes números justificam, por si só, “a crescente preocupação com a criminalidade e a insegurança na Europa e, de um modo geral, nas sociedades industriais.”280

A “leitura explicativa deste quadro de crescimento tende, de um modo geral, entre estudiosos, políticos e a opinião pública, a atribuir à crise, leia-se a crise económica, a origem do aumento do crime.”281

A referida relação entre crime e crise económica assume contornos de uma “realidade muito mais complexa e não passível de explicação por quadros teóricos assentes em relações causais simples e lineares282.”Desta feita, a crise surge não como “elemento gerador do aumento da criminalidade” mas como fator potenciador de outros fatores283

.

“O alarmismo social em torno da insegurança organiza-se”, normalmente, em volta de três temas principais: “o crescimento do medo, o crescimento do crime, sobretudo do crime violento, e, finalmente, o estabelecimento de uma relação de causalidade entre estes dois fenómenos – insegurança e criminalidade”284

.

Nesta linha de pensamento, segundo Machado285, o medo do crime é concebido “como um mero reflexo da realidade criminal”286

. Tal é bem explícito nas palavras de Feldman287,

280 LOURENÇO – Op cit. p. 15-16. 281

“Inventariando os estudos sobre este assunto, S. Roché referia ser possível destrinçar dois grandes conjuntos de modelos explicativos que assentam na hipótese de que a crise económica seria causa genérica e principal do aumento da criminalidade e da violência. Um primeiro modelo sublinha os efeitos directos da crise sobre o indivíduo, enquanto o segundo se refere aos efeitos indirectos da crise económica, particularmente na erosão das solidariedades. Os estudos incluídos no primeiro modelo tendem a fazer uma ligação de causa-efeito imediata entre a evolução da criminalidade e a crise. Enfatizando o efeito negativo do desemprego, particularmente sobre os jovens, estas análises tendem a explicar o aumento da criminalidade a partir da frustração do consumo. Embora a sociedade moderna conheça uma abundância de recursos e de objectos de consumo como certamente nenhuma outra conheceu, vive-se efectivamente numa época em que, mesmo no interior das sociedades da abundância, um número crescente de indivíduos é excluído do bem estar que supostamente essa abundância lhes poderia oferecer.” Idem – Op cit. p. 16. 282 Idem – Op cit. p. 19.

283

Esta perspetiva surge num “quadro causal complexo, no qual o tráfico e o consumo de droga desempenham um papel significativo, e acelerador do processo de derivação da pequena delinquência, do ilícito tolerado, para o crime”. Assim, não obstante “a pobreza e a exclusão social não sejam explicativas da violência e da criminalidade, a realidade parece mostrar que os seus efeitos sobre as comunidades locais e societais contribuem para a dissolução dos mecanismos de regulação social favorecendo a emergência de comportamentos delinquentes de par, aliás, com uma maior taxa de vitimação entre os estratos sociais mais pobres”. Idem – Op cit. p. 21.

284 Idem – Op cit. p. 20. 285 Idem – Ibidem. 286

Refira-se que Eduardo Viegas Ferreira numa análise da evolução da criminalidade, considera que hoje não pode ser fundamentada a afirmação segundo a qual as taxas de criminalidade em Portugal são pouco elevadas, comparativamente com as dos outros países europeus. Assim sendo, o autor conclui que se verificam hoje, na

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segundo o qual “o medo do crime é uma resposta racional à possibilidade, ou à experiência real, de vitimação”. Desta forma, de acordo com o referido autor, “o medo não é entendido como um problema em si mesmo e considera-se que o real problema é o aumento da criminalidade. O medo do crime será reduzido se aquela também o for”.

Por outro lado, Ferreira288 considera que “os sentimentos de insegurança que derivam de representações de que a sociedade portuguesa está cada vez mais violenta (…) não encontram sustentação nas probabilidades que um cidadão residente em Portugal tem de ser violentamente agredido, sexualmente molestado ou, no limite, assassinado”.