• Nenhum resultado encontrado

Quem beneficia com o Aumento do Crime?

CAPÍTULO II – PENSAR O MEDO DO CRIME

2. Questões:

2.2. Quem beneficia com o Aumento do Crime?

A insegurança urbana e o sentimento de insegurança são, “mais do que objectos bem delimitáveis, temas que se instalaram no discurso sociopolítico e nas narrativas mediáticas com progressiva insistência nas duas últimas décadas do séc. XX”. Na mesma linha de pensamento, aumentaram igualmente “as medidas de carácter securitário traduzidas na criação de corpos especializados no dispositivo da polícia, na expansão da indústria da segurança privada289 e no surgimento de políticas sociais orientadas para o controle dos espaços públicos”. Em suma, “a sua tónica de fundo é a obsessão com a segurança das zonas nobres das cidades e dos conjuntos residenciais e comerciais, redundando no limite no aumento de medidas repressivas.”290

A “forte demanda de segurança por parte dos cidadãos, face ao aumento do crime, dos comportamentos anti-sociais e o sentimento de insegurança”, levou a que “o monopólio que até

sociedade portuguesa, “elevadas probabilidades de ocorrência de crimes contra bens patrimoniais”, às quais atribui o crescimento do sentimento de insegurança. FERREIRA – Op cit. 1998. p. 127.

287 MACHADO – Op cit. p. 20. 288 FERREIRA – Op cit. p. 126. 289

“O sector da segurança privada tem vindo a aumentar substancialmente devido à necessidade que os cidadãos têm sentido de mais segurança, em resultado da mediatização da criminalidade nos últimos tempos. (…) O Estado tem vindo a perder a sua centralidade como actor principal e já não consegue dar resposta a todas as situações relacionadas com a segurança, o cidadão recorre à segurança privada, como parte da solução para minimizar os seus problemas. A realidade é que a sociedade tem assistido a uma mediatização do comportamento criminógeno traduzido num sentimento de insegurança por parte do cidadão, tornando-o mais exigente e reivindicativo em relação à segurança. Contudo, há áreas que são da inteira responsabilidade do Estado e, em nenhum cenário se pode permitir que o sector privado actue, nomeadamente, na área da investigação criminal e na ordem pública.” INÁCIO – Op cit. p. 61.

290

FERNANDES, Luís – Bases Ecossociais do Sentimento de Insegurança. Educação, Sociedade & Culturas. Porto: Editora Afrontamento. N.º 21 (2004), p. 94.

75

então era assegurado pelo Estado está em risco”, devido ao facto de o cidadão estar cada vez mais exigente e pretender “respostas claras, dadas a tempo, às suas necessidades”.291

Neste contexto, os cidadãos procuram respostas alternativas para garantirem a sua segurança, e, desta forma, contribuírem para se sentirem mais seguros.

Diversos autores têm abordado esta questão na procura de uma resposta, sendo “relativamente consensual a referência às vantagens políticas produzidas pela manipulação do medo”292

.Contudo, podemos diferenciar duas teses a este respeito: a primeira, “articulada pelos teóricos interaccionistas, desenvolve a hipótese que acabámos de formular de que os processos de inquietação social em torno do crime são simultaneamente uma forma de expressão e de gestão da crise social”; a segunda, “veiculada sobretudo por autores de orientação marxista, vê no medo do crime o efeito de uma manipulação das elites políticas e económicas com vista à reprodução da ordem e das desigualdades sociais”293.

Neste facto, que “corresponde a um momento particular de agudização do medo do crime, uma dada condição é identificada como uma ameaça”. Assim, “os seus contornos são largamente exagerados, os seus responsáveis são identificados de forma estereotipada, o significado do problema é reinterpretado”294

e, não raras vezes “com o contributo de peritos, opera-se, real ou simbolicamente, uma reorganização da estrutura normativa”295

.

A criminologia radical preconiza que “o alarmismo em torno do crime desvia a atenção dos crimes dos poderosos e dos males da sociedade capitalista e fixa os medos em actores sociais mais desfavorecidos, que se tornam bodes expiatórios dos problemas sociais”, segundo Rock296

. Como refere Larrauri297, “ele permite simultaneamente distrair a atenção dos verdadeiros problemas sociais, distrair a atenção dos crimes dos poderosos e unir todos os sectores sociais contra a delinquência”. Ou seja, pretende-se desviar a atenção das contradições estruturais da nossa sociedade, tais como a precariedade económica ou o desemprego, permitindo a continuidade de uma estrutura social que favorece os interesses económicos de quem está no Poder.

291 INÁCIO – Op cit. p. 37. 292

Ver Anexos III e IV.

293 MACHADO – Op cit. p. 100.

294 Usualmente em torno dos valores morais em crise. 295

MACHADO – Op cit. p. 100. 296

Apud Idem - Op cit. p. 105. 297 Apud Idem – Ibidem.

76

Por outro lado, Chambliss298 expõe que “o pânico do público também favorece a indústria de controlo do crime, ou seja, polícias, tribunais e outros órgãos auxiliares da administração da justiça”. A dramatização do problema criminal, segundo Machado299

, permite a expansão e pedido de maiores orçamentos e poder para estas agências (mais efetivos, mais recursos, maior discricionariedade), naquilo que é verdadeiramente um processo paradoxal: apenas o fracasso das tentativas de controlo do crime (e a sua publicitação junto do público, fazendo aumentar o medo) legitima e sustenta tais reivindicações.

Já Oliveira considera que a perceção da “onda de criminalidade que entra na vida dos cidadãos todos os dias tem como consequência que estes tomem algumas medidas para se proteger e salvaguardar os seus bens dos criminosos”. Agruparemos essas reações por atitudes:

- “Uma atitude de alteração de hábitos por forma a reduzir a exposição pessoal à delinquência. Consiste principalmente na restrição de saídas à noite, no evitar de determinados trajectos por forma a não ter de passar em zonas degradadas ou com movimento de indivíduos estranhos, ou até no deixar de usar determinados transportes públicos onde exista uma criminalidade elevada;

- A segunda consiste no investir em medidas individuais de protecção e tem como objectivo diminuir a vulnerabilidade física pessoal em relação ao atacante. Pode ser efectivada através da compra de armas, transportar sprays que inibem a visão e provocam um elevado mau estar momentâneo ao agressor, ou até a prática de artes marciais de maneira a que possa estar mais dentro de um forma de defesa pessoal a utilizar nesse caso;

- Uma atitude de organização de medidas colectivas de protecção que resultam frequentemente de um receio generalizado, sentido por um grupo de residentes da mesma área. Muitas vezes acontece que a população, representada por um grupo escolhido, tenta pactuar com a própria polícia para que esta tenha conhecimento do que efectivamente se passa. (…);

- Uma atitude de solicitação de ajuda aos vizinhos e amigos, onde se tenta encontrar reforços para dificultar o acesso de criminosos aos bens alheios. Pode ser feita por pedidos de vigilância a residências enquanto o proprietário se encontra em férias, para ver se o seu filho entrou em casa a horas e sem problemas, etc.;

- A aquisição de serviços de segurança prestados por “empresas especializadas”, como é o caso das empresas privadas de segurança e das companhias de seguros. São instalados alarmes e outros mecanismos que sejam accionados aquando da presença de estranhos, realizam-se seguros abrangendo roubos e actos de vandalismo contra bens próprios. Estas empresas de segurança por razões óbvias podem tornar-se em sementes de insegurança;

- Uma atitude de recurso aos poderes públicos onde a população exige a garantia da sua segurança por parte das instituições oficiais.”300

Para Machado301 “é consensual em qualquer uma destas propostas que a génese dos fenómenos de medo302 é indissociável da forma como actualmente é construída a arena da

298 Apud Idem – Ibidem.

299 Apud Idem – Ibidem. 300

OLIVEIRA – Op cit. p. 31-32. 301

MACHADO – Op cit. p. 106.

77

discussão pública sobre o crime e a insegurança”, o que nos conduz, incontornavelmente, ao papel dos media.