• Nenhum resultado encontrado

O MODELO DE INSERÇÃO DO CORPO NA ATUALIDADE

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” Caetano Veloso O modelo importado da cultura norte-americana, que hoje experimentamos, iniciou-se, como relata Courtine (in SANT’ANNA, 1996), num processo histórico, que navegou da visão de salvação de alma até o “body building”. Abaixo resumiremos os aspectos relevantes neste encadeamento, como relata o autor.

No início do século XIX, na visão norte-americana de corpo que influenciou fortemente nosso país, cuidar do corpo era assegurar a salvação da própria alma. A religião aparece vinculada à saúde e o prazer era proibido. Este corpo, que no romantismo havia sido cultuado como espaço para suavidade e languidez, assume os ares de um corpo viril, por meio do desenvolvimento de uma potência muscular.

Em 1850 desenvolvem-se as sociedades de ginástica e os esportes tornam-se populares, trazendo a idéia de igualdade entre os sexos por meio dos músculos. A atividade física é incorporada como elemento do sistema escolar e da vida adulta e a beleza viril passa a ser sinônimo de poder.

As academias surgem na década de sessenta com o objetivo de minimizar os males do sedentarismo. O corpo é então concebido como algo dinâmico, uma máquina, na qual a medicina podia intervir. Ao mesmo tempo a cultura física torna-se parte da vida norte-

americana, com os aparelhos de musculação tornando-se familiares e através dela a construção do corpo, formando a base de uma disciplina física e moral.

Este trabalho sobre o corpo gerou uma modificação e a inserção do corpo feminino, que precisava ser forte para gerar filhos sadios, sendo o corpo musculoso rótulo de vigor e saúde. O esporte passa então a ser um passatempo favorito da vida norte-americana e daí o espírito de competição se alastrou, logo tendo repercussões na vida social.

Por volta da década de 1920 o corpo feminino passa a invadir a publicidade e a conotação de corpo “obsceno” se modifica, passando este a se constituir um espaço mercantil – os exercícios possibilitam gratificação pessoal e prazer. A moral sobre o corpo relaxou.

A obsessão pela saúde e boa forma física encontra na primeira metade do século XX a relação com o bem-estar psicológico e este produziu suas servidões e culto ao corpo.

Para Courtine (in SANT’ANNA, 1996, p. 81), na Educação Física o trabalho sobre o corpo e sua aparência física, utilizando a justificativa de buscar uma maneira de demonstrar a individualidade como a porção exposta do seu caráter subjetivo, esculpe os corpos, modela e corrige a forma, constrói recursos que tentam apagar a passagem dos anos e a realidade social e cria todo um novo mercado, que se modifica a cada instante que novos modelos ideais substituem os antigos.

Segundo Soares (2001), a posse do próprio corpo, pela engrenagem, se tornou na sociedade moderna um objetivo perseguido por todas idades, condições sociais e já se alastra em muitas culturas.

Infelizmente esta “posse” não lhe deu autonomia. Não lhe permitiu aprender sobre si mesmo, para construir seu jeito pessoal de se inserir na vida e nos processos. Antes, fez com que se tornasse escravo de muitas invenções, fórmulas mágicas e necessidades, que não são

verdadeiramente suas, mas sugeridas por uma aparato de propaganda bem alardeada e adequadamente fundamentada para prender.

Dependemos cada vez mais das máquinas e dos produtos de uma tecnologia, que nos primórdios havia se desenvolvido para nos aliviar, para que tivéssemos mais tempo para nós mesmos. Atualmente dependentes dela, nos “maquinizamos” também.

O mercado do corpo se estabeleceu e criou todo um conjunto de estruturas que vão desde a propaganda maciça, direta, sobre o tipo de corpo “ideal” que se deve apresentar, ao tipo de alimento que se deve consumir, passando pelo vestuário, locais que devem ser freqüentados (academias, SPAs, cirurgias, etc) para produzir este corpo e o que ele deve manifestar ou não.

Courtine (in SANT’ANNA, 1996, p. 101) esclarece que esta cultura do corpo produziu e exportou um modo de vida traduzido pelo “american way of life”, no qual o jogo das interdições iniciadas com a ética puritana se reveste de nova roupagem, e dita a nova norma de como utilizar e modelar o corpo, em substituição aos moldes da família, da culturas profissional e esportiva, e passou a ser associada ao sucesso e à promoção pessoal.

A Educação Física, como estrutura pertencente à área da saúde, tem sido em sua história um divulgador desta anglicana forma de educar e inserir o corpo na sociedade. O caráter disciplinador e o discurso de suposta aquisição e preservação de saúde nela aparece desde o século XIX.

Desde o Movimento Ginástico Europeu, no qual imperavam os princípios de disciplina coletiva e ordem, até os movimentos atuais do “body building”, o corpo tem sido o objeto da educação e divulgação de uma política de controle.

Em Soares (1998, p. 29) encontramos que a Ginástica faz parte da mentalidade que se estabeleceu com a revolução científica do século XIX, quando ocorre a “revolução científica dos laboratórios, da industrialização e do crescimento das disciplinas e instituições sociais”. Também é desta época que a ciência, por meio da anatomia e fisiologia, empresta o aporte teórico ao conjunto denominado Ginástica para obtenção da saúde, mas também desde esta época advém a dissociação da saúde com relação às condições de vida da população em sua maior parte, não sendo consideradas suas necessidades, suas particularidades ou seus anseios.

Para Rodrigues (1983) a biologização do corpo no ocidente, que já acontecera no século XVI por meio da separação da alma e do corpo, dos assuntos naturais e dos considerados humanos, permitiu que o homem se considerasse como parte da natureza e, por isto mesmo, fosse aceita a idéia de que seus processos fisiológicos pudessem e devessem ser investigados pela ciência. Decorrente desta forma de ver o mundo, estabeleceu-se a mentalidade de que o homem poderia manipular, modificar a ordem natural das coisas, alterar as leis da genética e mudar o mundo à sua vontade.

É desta maneira de abordar o mundo que advém uma nova atuação da medicina, com novos conceitos e abordagens de doença e morte e das maneiras de tratá-las.

Vemos que as coisas estão profundamente relacionadas, umas dando suporte às outras: pela maneira de ver e compreender o corpo se instituiu todo um conjunto de atitudes e teorias, que mantiveram este corpo prisioneiro dos interesses ligados às formas de domínio e poder.

Documentos relacionados