• Nenhum resultado encontrado

O santuário Monte do Galo pode ser observado de toda a pequena cidade, no entanto, somente chegando ao chamado “pé do monte”, ou seja, antes do primeiro lance de escadas, dá para perceber que além de imponente, a serra que abriga o galo e a santa traz consigo uma gama simbólica ainda mais expressiva. No entanto, é preciso que esse percurso seja refeito por quem ali se destina para que o espaço e as relações simbólicas implícitas nele sejam mais bem compreendidos.

Ao adentrar o santuário, o peregrino ou visitante depara-se de imediato com uma situação no mínimo curiosa assim que subir a primeira escadaria que dá acesso ao percurso e rumo ao topo. De um lado, um Museu cujo nome é museu de Nossa Senhora das Vitórias (lado esquerdo para quem está subindo) e do outro uma estação24 da via sacra que lembra o formato de uma torre de igreja.

Figura 9. Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias. Fonte: Dados da pesquisa (2013)

24 As doze estações construídas no percurso do Monte do Galo, são locais feitos de alvenaria que

lembram o formato de pequenas igrejas e que servem como parada para o transeunte orar. Em cada estação foi articulada uma imagem do calvário de Jesus Cristo, além de placas homenageando pessoas que colaboraram financeiramente com a construção do espaço.

O museu, embora leve o nome da santa, na verdade, guarda elementos representativos da história da cidade, trazendo à tona, para o peregrino/romeiro, elementos que fizeram parte do cotidiano dos nativos. É o único museu da cidade e apesar de levar o nome da santa, nele estão depositados elementos que representam a cultura local; desde máquinas de costuras antigas a imagens religiosas.

A primeira estação de parada traz a imagem de Jesus sendo condenado por Pôncio Pilatos, nos lembrando de que momentos angustiosos durante o percurso irão acontecer assim como aconteceu no caminho até a crucificação de Jesus Cristo.

Assim, de algum modo, aquele que está prestes a subir o monte, estará iniciando um percurso de sofrimento, cansaço físico ou provação, pois, o restante do caminho, suas ladeiras, a sede e a vontade de desistir de subir acabam se tornando coisas tentadoras no sentido de fazer com que se desista de concluir o percurso.

Figura 10. Primeira estação de parada no Monte do Galo. Fonte: Dados da pesquisa (2013).

Ao todo são 13 estações da via sacra ao longo do caminho, todas elas têm afixado um círculo, na parte superior da estação, que tem esculpido os desenhos que representam o calvário de Jesus Cristo durante sua crucificação.

Na parte inferior da estação existem quadros afixados com nomes de algumas famílias da cidade que doaram recursos para a construção do santuário e especificamente para a construção daquelas estações dedicadas ao nome das famílias em questão.

No tocante à mensagem religiosa de cada uma das estações, subir o Monte, então, traz para o fiel a sensação de estar sofrendo um martírio, assim como Cristo sofreu, pois é um percurso bastante íngreme, em que aquele que sobe sente sede e cansaço ao longo do caminho; a pessoa vai subindo e sendo lembrado de todo o sacrifício que Jesus Cristo realizou pela humanidade e também das famílias que ajudaram a “construir” o espaço.

No decorrer do percurso, encontrei pequenas lojas, que em geral vendem santos, quadros de santos, lembranças do local, bebidas sem álcool e biscoitos. Contei 18 lojas, que acabam tomando parte do espaço que deveria ser utilizado pelos fiéis no percurso, já que além do espaço construído para guardar os objetos há a exposição de muitos deles pelo chão durante o percurso, o que leva a um estreitamento do caminho em alguns momentos.

Esses comércios pertencem a vários nativos da cidade, alguns desses têm duas lojas de venda. Resolvi dividir o espaço do santuário pela quantidade de comércios e cheguei à seguinte constatação: a cada 8,61 metros, encontrei uma loja. Embora na realidade, existam trechos maiores sem barracas e em contrapartida, em outros pontos duas ou três barracas próximas. Ou seja, em um espaço dedicado às questões de ordem religiosa, o comércio fixou-se de tal modo que faz parte da paisagem de forma constante, demarcando território. Uma espécie de parada no sofrimento para o alento do consumo.

Na primeira parte do percurso, há um oratório de tamanho razoável – o suficiente para umas oito pessoas se ajoelharem por vez - com imagens do nascimento de Cristo e batentes destinados às pessoas rezarem de joelhos, caso queiram. Continuando a subida, observei outra situação intrigante, a existência de pequenos oratórios, que destoam do restante da paisagem construída, dedicados a

santos populares no Brasil. Em alguns deles constatei que existem dedicatórias a pessoas falecidas, o que fez surgir a dúvida sobre quem haveria construído, se o poder público ou particulares.

Ao indagar um dos tesoureiros do santuário a respeito da construção dos oratórios, informaram que elas foram construídas há poucos anos e em períodos diferentes com recursos arrecadados pela própria igreja, com exceção de uma delas que foi construída pela família de um romeiro que faleceu no local.

Voltando a subida do morro, por volta da metade do percurso pude observar ao longe, em cima de uma pedra grande, a figura de um galo. Este galo foi a primeira imagem colocada nas proximidades do santuário como representação do galo do mito, primeiro habitante do local. No entanto, inicialmente ele não foi colocado no percurso do santuário. Seu lugar era outro, à parte do santuário, em uma pedra alta, distante do alcance dos romeiros, deixando no espaço à priori apenas Nossa Senhora das Vitórias como “dona da casa”.

Ou seja, o Monte do Galo, ao ser idealizado, não tinha espaço para o galo. Situação que veio a ser corrigida décadas depois de sua inauguração. Apenas um observador atento e curioso consegue perceber a presença do pequeno galo isolado na pedra à margem do Santuário e somente obtém a resposta para tal observação ao deparar-se com o outro galo no final do percurso.

Voltando ao percurso, existe uma última ladeira onde existem duas opções para se chegar ao topo do lugar, a primeira, do lado esquerdo para quem está subindo, dá acesso a uma escadaria, esta vai ao encontro da Santa Vitória em sua capela. A outra opção é seguir em frente na ladeira, ao final, seguir pelo maior lance de escadas que temos no percurso e chegar na cena da crucificação de Cristo.

Quem opta por pegar o caminho à esquerda, encontra-se primeiro e diretamente com a imagem da santa em sua “morada”, ou seja, a capela de Nossa Senhora das Vitórias e depois é que surge a escadaria que dá acesso ao Cruzeiro. Ao escolher essa opção o visitante também encontra próximo à capela, neste mesmo ambiente, lugares apropriados para a queima de velas, para soltar fogos de artifício e dois salões de milagres para deixar os votos, ou pagamento das promessas no caso de quem alcançou uma graça ou promessa como os devotos dizem.

Figura 11. Vista do Monte do Galo no topo do serrote. Fonte: Dados da pesquisa (2013).

O último lance de escadas remete ao topo do serrote, onde está localizada em primeiro nível uma imagem do galo, de porte médio, após essa imagem temos outro lance de escadas que leva ao marco de inauguração do espaço, que tem o formato parecido com o das estações, porém, com extensões bem maiores em relação àquelas. Este marco também serve como lugar de orações e de queima de velas como pude observar.

Por último, ao descer um lance de escadas, existe um espaço, que lembra um corredor, servindo para separar o lugar mais alto do santuário, subi outro lance de escadas e enfim, onde está localizado um cruzeiro retratando o momento da

crucificação de Jesus Cristo. O cruzeiro marca o final do percurso; nesta parte final do trajeto o fluxo de vento é constante e a sensação é agradabilíssima, o que traz para quem o subiu a compensação de ter conseguido realizar esta tarefa árdua.

Figura 12. Cruzeiro do Monte do Galo. Fonte: Dados da pesquisa (2013).

É interessante notar o quanto o espaço “Monte do Galo” é marcado por elementos multivocais, que expressam as diversas vozes de quem o construiu e o reconstrói continuamente, lá é possível observarmos as forças políticas, econômicas e religiosas em suas relações e seus ajustes para conviver de forma harmoniosa no mesmo ambiente.