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1. TEORIA CRÍTICA SOBRE O TRABALHO: as implicações de suas categorias

1.2 O mundo do trabalho e suas formações típicas: gerência e controle

Antes mesmo de discorrer sobre o mundo do trabalho e suas formações típicas do capitalismo na sociedade moderna, torna-se necessário o entendimento de uma reflexão marxiana sobre “o processo de trabalho”.

Para Marx (2013),

O trabalho é, antes tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nelas jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata, aqui, das primeiras formas instintivas, animalescas [tierartig], do trabalho (MARX, 2013, p. 255).

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As teorias sobre o contrato social se difundiram entre os séculos XVI e XVIII como forma de explicar ou postular a origem legítima dos governos e, portanto, das obrigações políticas dos governados ou súditos. Portanto, baseia-se em uma ‘sociedade de contratos’ entre Estado e sociedade (burguesia capitalista e trabalhadores/cidadão comum). Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762) são os mais famosos filósofos do chamado ‘contratualismo’. Ver: J.Ribeiro, Renato; .A. Mello, Leonel. In: Francisco C. Weffort. Os Clássicos da

Política - Volume 1. 12 ed. [S.l.: s.n.], 1999. – Capítulo: 3. Hobbes: o medo e a esperança., pp. 53-77; Capítulo: 4.

Assim, Marx debate por meio do pressuposto de que o trabalho torna-se uma forma de planejamento na mente que vai elaborando o modo de ação e atividade, no qual “diz respeito unicamente ao homem”. Desse modo, Marx (2013) estabelece a diferença entre os animais e o homem, através da qual este último planeja em seu cérebro o processo trabalho, argumentando para isso que:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes de construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que já existia idealmente. (MARX, 2013, p. 255-256).

E continua:

No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem, com ajuda dos meios de trabalho, opera uma transformação do objeto do trabalho segundo uma finalidade concebida desde o início. O processo se extingue no produto. Seu produto é um valor de uso, um material natural adaptado às necessidades humanas por meio da modificação de sua forma. O trabalho se incorporou a seu objeto. Ele está objetivado, e o objeto está trabalhado. O que do lado do trabalhador aparecia sob a forma do movimento, agora se manifesta, do lado do produto, com qualidade imóvel, na forma do ser. Ele fiou, e o produto é um fio [Gespinst5] (MARX, 2013, p. 258).

Nas formações típicas para o trabalho, com o advento do capitalismo, em meados do século XVIII, Braverman (1987) observa que uma de suas formas foi “dividir os ofícios” nos modos de produção, como o segmento manufatureiro, à época, ‘barateando suas partes individuais’ e implicando “na compra e venda da força de trabalho” (p. 77). Nesse aspecto, o trabalhador “pode parcelar” sua atuação e atividades nos modos de produção, mas, sob o efetivo controle gerencial da organização industrial que passa, posteriormente, obter vantagens, com ganhos e lucros em face da “divisão do trabalho que aumenta a produtividade” no sistema capitalista (BRAVERMAN, 1987, p. 76-77).

Para Marx (apud Braverman, 1987, p. 71), essa ‘divisão do trabalho’ é uma característica da sociedade humana, o que ele vai denominar de divisão social do trabalho, derivando, portanto, do “caráter específico do trabalho humano”. Dessa maneira, Braverman (1987) argumenta que “a

5 Sobre esse termo, Marx remete ao poema trágico Fausto do escritor alemão Johann Wolfgang von GOETHE (1749-1832), no qual a expressão Gespinst referia-se a ‘tecer, entrelaçar de fio’, ‘trama’. Marx alude aqui, portanto, ao caráter “fantasmagórico” da mercadoria. N. T. In: MARX, Karl (1867). O Capital: crítica da economia política. Livro I – O processo de produção do capital. SP: Boitempo, 2013.

divisão social do trabalho é aparentemente inerente característica do trabalho humano tão logo ele se converte em trabalho social, isto é, trabalho executado na sociedade e através dela” (BRAVERMAN, 1987, p. 71-72).

Essa fragmentação de especialização e funções no mundo trabalho é o que permite a cada trabalhador/operário criar, usar e acentuar suas aptidões e seus recursos, com máxima vantagem, bem como isso vai ficar cada vez mais evidente, durante a transição, nessa época, da manufatura para o sistema de fábricas (BRAVERMAN, 1987).

Em contraponto à ‘divisão social do trabalho’, Adam Smith citado por Braverman (1987) atribui “grande aumento na quantidade de trabalho”, em consequência de sua divisão. Assim, Smith formula ‘três diferentes circunstâncias (vantagens) da divisão do trabalho’:

(1) o aumento da destreza de cada trabalhador individualmente; (2) a economia de tempo que em geral se perde passando de uma espécie de trabalho a outra; e, (3) a invenção de grande número de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, e permitem que um homem faça o trabalho de muitos (SMITH [s.d.] apud BRAVERMAN, 1987, p. 75).

Um exemplo clássico dessa divisão do trabalho, Smith [s.d.] apud Braverman (1987) atribui à “fabricação de alfinetes”, dado que há diversas operações distintas e os vários trabalhadores para tal produção. Textualmente: “um homem estica o arame, outro o retifica e um terceiro o corta; um quarto faz a ponta e um quinto prepara o topo para receber a cabeça [...]” (p. 75).

De modo que a quantidade de operações executadas pelos trabalhadores para cada tarefa, de forma especializada, trouxe significativas mudanças na ‘força de trabalho’ e, consequentemente, implicações para o capitalismo industrial que teve de rever formas anteriores de trabalho na produção, como a ‘produção feudal e do artesanato’, e, com isso, persiste no modo frabil de produção, por meio, agora, da exigência de ‘funções de concepção e coordenação’ de suas atividades, assumindo, assim, ‘a forma de gerência’ nas relações estabelecidas na sua base de produção (BRAVERMAN, 1987, p. 61-63).

Nesse prospecto, Braverman (1987) aborda aspectos dos princípios da gerência científica, por meio do controle do processo de trabalho e do aumento dos padrões de eficiência na rotina dos trabalhadores nas organizações. A seu ver, o principal formulador desses princípios é Frederick Winslow Taylor6. Na concepção de Taylor, a gerência científica adota “a separação do

6 TAYLOR, Frederick Winslow (Filadélfia [EUA]: 18561915) foi um engenheiro mecânico norte-

trabalho mental e do trabalho manual”, privilegiando este último para o aumento da produtividade e separando, enfim, as tarefas entre diferentes trabalhadores; Há, ainda, ‘a separação entre concepção e execução no processo de trabalho’; “a definição de cada função”; “o modo de sua execução” e “o tempo que consumirá” cada atividade do trabalhador, fazendo, por meio da gerência, um rigoroso controle e verificação do processo de trabalho, buscando, com isso, obter maior produtividade do trabalho (BRAVERMAN, 1987, p. 112-113).

No controle adotado pela gerência exige-se que:

cada atividade na produção tenha suas diversas atividades paralelas no centro gerencial: cada uma delas deve ser prevista, pré-calculada, experimentada, comunicada, atribuída, ordenada, conferida, inspecionada, registrada através de toda a sua duração e após conclusão (BRAVERMAN, 1987, p. 113).

Diante disso, Braverman critica os efeitos da gerência científica taylorista do processo de trabalho ao afirmar que: “À primeira vista, a organização do trabalho de acordo com tarefas simplificadas, concebido e controlado em outro lugar, exerce claramente um efeito degradador sobre a capacidade técnica do trabalhador” (BRAVERMAN, 1987, p. 115) (grifo e itálico nossos).

Para um contexto mais amplo sobre a organização do trabalho, o autor ainda argumenta:

em seus efeitos sobre toda a população trabalhadora, porém, esta questão é complicada pelo rápido crescimento do pessoal administrativo e técnico especializado, assim como pelo rápido aumento da produção e alternância de massas a novas indústrias, e mudanças de ocupações dentro dos processos industriais (BRAVERMAN, 1987, p. 115)

Na análise desses efeitos da gerência científica, Braverman (1987) afirma que “no tempo de Taylor, fixou-se um padrão a partir daí seguido” (p. 115). A nosso ver, esse método tende, atualmente, a ser seguido no processo de trabalho, pois, guardadas proporções em menores escalas, reverbera na metodologia do trabalho adotada nos modos de produção capitalista de algumas organizações atuais no Brasil, uma vez que se observa, por meio da literatura especializada, um efetivo controle das rotinas e atividades dos trabalhadores nas organizações brasileiras, visando, com isso, maiores ganhos na produtividade, em detrimento da saúde e

científica’ e/ou ‘taylorismo’, o engenheiro propõe a utilização de métodos científicos rigorosos [‘cartesianos ou positivistas’] para as organizações avaliar o ritmo e a rotina de seus trabalhadores nas empresas. O foco de Taylor era a eficiência e eficácia operacional na organização industrial. Ler e refletir em: CORADI, Carlos. Teorias da

Administração de Empresas. - São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 21-26. [Capítulo 2: Taylor e os princípios da administração científica].

educação do trabalhador, sem qualificação plena para atuar, com desempenho satisfatório, nos diversos postos de trabalho.

Com os efeitos da gerência científica e da mecanização indrustrial, a qualificação passou a ser um fator determinante no processo do trabalho e nos modos de produção capitalista, pois, nas suas noções preliminares, tratava-se não só de uma exigência do aprimoramento de trabalhadores nas suas habilidades para executar funções específicas nas fábricas, durante os séculos XVIII e XIX, como, também, era uma condição na qual o capitalista exigia um maior aumento da produtividade, por meio da ‘divisão de tarefas e ofícios’ [trabalho] no sentido de ‘baratear a força de trabalho’ (BRAVERMAN, 1987, p 77).

1.3 Transformações do trabalho na sociedade moderna: fragmentação, precarização,