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2 SOCIABILIDADE, (DES)PROTEÇÃO SOCIAL E O ACOLHIMENTO

2.3 O município do Recife: seus contrastes e a (des)proteção social

Recife, capital do estado Pernambuco, possui uma área de 217.494 km² e uma população de 1.536.934 pessoas. É sede da Região Metropolitana do Recife(RMR), a mais populosa do Nordeste brasileiro e a quinta maior do País43(IBGE, 2010). Seus limites geográficos são: ao norte, Olinda e Paulista; ao sul, Jaboatão dos Guararapes; a oeste, São Lourenço da Mata e Camaragibe, e a leste, o Oceano Atlântico.

O Atlas do Desenvolvimento Humano do Recife44revela que na capital

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Situação na qual tais famílias recebem a denominação de “contextos familiares expulsivos”, ou seja, famílias que vivem em situação de extrema pobreza; que possuem casos de violência

familiar; familiares dependentes químicos; e arranjos familiares considerados não-inclusivos (Cf. GREGORI, 1998; LESCHER; RIGATO, 2006).

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Os diferentes territórios que compõem o município, ou seja, as seis Regiões-Político Administrativas (RPA) que correspondem aos seis Distritos Sanitários, formam um mosaico marcado por fortes desigualdades socioeconômicas. “A moderna e cosmopolita Boa Viagem — que abriga uma minoria rica — contrasta com o Coque, abrigo dos pobres e esquecidos pelo Poder Público” (ARAÚJO; ARAÚJO, 2006, p. 04)

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Este Atlas apresenta cerca de 220 indicadores socioeconômicos sobre a cidade, permitindo um agrupamento mais homogêneo de domicílios com condições sociais semelhantes, com vistas à melhor identificar as desigualdades sociais intra-urbanas. Mais informações disponíveis no site: <http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/pnud2005>.

pernambucana a diferença entre a renda do chefe de domicílio do bairro mais pobre e o do bairro mais rico é de 33 vezes. Um chefe de domicílio da Jaqueira tem renda média de R$ 5.178,64 mensais, enquanto a do chefe de família do bairro do Recife é de R$ 156,88 (ARAÚJO; ARAÚJO, 2006).

Um dos aspectos de grande importância para a melhoria das condições de vida das populações mais pobres são as condições de habitabilidade45, que dizem respeito a programas e ações que são, sobretudo, da área de competência dos Poderes Municipal e Estadual.

Outro elemento intrinsecamente vinculados às precárias condições de vida e de saúde é o percentual de domicílios do Recife46 sem osaneamento básico. Este era de 59,8%, em 2010, registra-se um aumento 10% em relação ao percentual registrado em 2000. Já os domicílios com saneamento semiadequado47 representavam 39,9% em 2010; contra 49,3% registrados em 2000. O percentual de domicílios que tiveram todas as formas de saneamento consideradas inadequadas foi de 0,4%, contra 0,9% contabilizados em 2000 (IBGE, 2010).

Os contrastes socioeconômicos brevemente mencionados aqui perpassam aspectos culturais, políticos, bem como de gênero, raça, classe, dentre outros. Eles, por sua vez guardam a profunda relação com as questões históricas que caracterizam não só a formação socioeconômica do Recife, mas a do povo brasileiro e, consequentemente, com as possíveis “soluções” levantadas pelo Estado e pela sociedade civil para os ditos “problemas sociais” em suas diferentes épocas.

Devido à necessidade de especificarmos o contexto dos Meninos e Meninas em Situação de Rua do Recife, enquanto uma das capitais que compõe os grandes centros urbanos de nosso País, reportamo-nos às informações do

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Envolve fatores que tornam a pobreza estrutural: habitações precárias; improvisadas; ausência de saneamento; ausência ou insuficiência de atendimento de segurança; de transporte; de rede viária.

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O Recife possui bolsões de pobreza cujo nível de renda fica abaixo da média do Brasil metropolitano, o que denota a gravidade do problema. Ao mesmo tempo, observam-se contrastes expressivos na vizinhança entre as áreas afluentes e os bolsões de pobreza, que por sua vez trazem consequências para o cotidiano — muito próximas às observadas na cidade do Rio de Janeiro (ARAÚJO; ARAÚJO, 2006, p. 04).

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Censo48e Análise Qualitativa da População em Situação de Rua na Cidade de Recife em 2005. Os resultados desta pesquisa demonstram que, dos 1.390 moradores de rua identificados, 1.205 estavam efetivamente nas ruas, enquanto 185 em acolhimento institucional, em espaços apropriados às suas diferentes faixas-etárias, sendo 85 em unidades do IASC e 100 em outras organizações. Desses 1.205,837 tinham idade igual ou superior a 18 anos e 368 tinham até 17 anos.

Segundo refere Rios (2005), no município do Recife, assim como nas demais capitais, a permanência dos meninos e meninas nas ruas é muito dinâmica e instável, há um constante trânsito entre os diversos bairros, mas preferencialmente se deslocam para o Centro da Cidade e para a Zona Sul, “locais onde o fluxo de pessoas das classes médias e altas, e das comunidades pode render alguns trocados, donativos e roubos [...]” (p.19).

Conforme o citado autor, nas ruas os meninos e meninas se organizam em grupos mistos e de faixas etárias aproximadas, embora em geral a presença masculina se sobreponha à feminina. Costumeiramente eles dividem com a “par”49

a comida, a proteção, a cola, ou outras substâncias psicoativas. Conforme Abreu (2009) ouso de drogas aparece em todas as pesquisas com esse público. Quando citadas, refere o autor que as substâncias mais presentes são crack, maconha, cola, solvente, e cocaína de acordo com pesquisas realizadas, em 2005, no município de Recife, e nos anos de 2007 e 2008, em Fortaleza.

Em circunstâncias adversas a “par” consiste em uma das formas de organização e sociabilidade nas ruas, sendo uma das estratégias de proteção, assim como a dinâmica de aglomeração à noite e de dispersão durante o dia. Trata-se de uma alternativa para se evitar violências geradas por pessoas estranhas ao grupo, configuradas, por exemplo, pelo roubo de seus pertences até a tentativa de se protegerem da violência de grupos de extermínio e de policiais (RIOS, 2005).

Segundo Abreu (2009) os motivos que levaram crianças e adolescentes

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Pesquisa solicitada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com o apoio da OAF em parceira com Prefeitura do Recife (IASC), UFPE – Departamento de Psicologia, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua/PE e Organização do Auxílio Fraterno/SP. A pesquisa de campo foi realizada durante o mês de novembro de 2005.

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Com este nome as crianças e adolescentes em situação de rua denominam seus grupos nas ruas, o conjunto daqueles que são afins e entre os quais vivem (RIOS, 2005, p.18). Com os quais desenvolvem atitudes de proteção e apoio uns aos outros.

às ruas foram, principalmente, os problemas familiares vinculados à falta de infra- estrutura (miséria) e à violência. Outras razões explicativas seriam igualmente ameaças na comunidade e o consumo de drogas ilícitas conforme verificado em pesquisas realizadas nos municípios do Recife, Fortaleza, e do Rio de Janeiro, no primeiro a pesquisa ocorreu no ano de 2005 e nos dois municípios seguintes em 2007.

Diante das diversas violações de direitos às quais estão submetidos às crianças e adolescentes, os serviços de acolhida institucional podem constituir uma das mais importantes medidas de proteção, possivelmente a mais viável sob determinadas circunstâncias, sendo sua aplicação necessária e essencial num dado momento50. Mas, que isso aconteça sem se perder de vista sua perspectiva de atuação voltada ao atendimento infantojuvenil em suas múltiplas necessidades e, deste modo, buscando garantir uma proteção social de forma integral, conforme preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Essa situação, como vimos, está marcantemente atrelada às precárias condições de vida dessas famílias e aos limites impostos às políticas sociais públicas. Vejamos, a seguir, o acolhimento institucional apresenta-se como medida de proteção integral, conforme preconizado pelo ECA.