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Não se pode dizer que o negócio jurídico processual

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somente passou a

existir com o NCPC, pois mesmo no vigente Código de Processo Civil, diversos

dispositivos permitem que as partes elejam o foro competente (art. 111),

convencionem quanto a redução ou prorrogação de prazos (art. 181), suspensão

do processo (art. 265, II) e o adiamento da audiência (art. 453, I), alterem sobre a

distribuição do ônus da prova (333, par. único) e, disponham que a liquidação da

sentença seja feita por arbitramento (475-C, I).

Do mesmo modo, outros negócios jurídicos, licitamente produzidos, fora

do processo, entre as partes, podem ser levados a juízo para a devida

homologação, mesmo no Código de Processo Civil de 1973 (Lei 5.869/1973).

Guilherme Peres de Oliveira, em excelente monografia a respeito da

necessidade de se permitir a modificação do procedimento pelo juiz, anotou com

precisão que “a modificação do procedimento pelo juiz é atividade importante e

oportuna, dado o atual momento jurídico-constitucional brasileiro. (...), adaptar o

procedimento nada mais é do que exercer o controle de constitucionalidade da lei

processual, em sua modalidade difusa. Mais especificamente, o juiz deve

verificar, a cada momento do processo, se o procedimento estabelecido pela lei é

adequado ao direito material em discussão. Excepcionalmente, caso esse

procedimento constitua verdadeiro obstáculo à tutela do direito material, deverá o

120 Sobre o tema conferir CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais: entre publicismo e

privatismo. Tese de Livre-Docência. São Paulo: USP, 2015. Ainda pode-se observar o negócio jurídico processual como “o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico , certas situações jurídicas processuais”. DIDIER Jr., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2. ed., Salvador: Jus Podivm, 2012, p. 59-60.

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juiz modifica-lo, suprimindo, criando atos, ou modificando a ordem de sua

prática.”

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.

Todavia, o NCPC deixou mais aberta e ampla essa possibilidade de

adaptação procedimental pelas partes. Em seu artigo 190, seguindo a tendência

de busca pela efetividade, estabelece que “Versando o processo sobre direitos

que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular

mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e

convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais,

antes ou durante o processo.”. Trata-se de cláusula geral de negociação

processual.

Para Rodrigo Reis Mazzei, as cláusulas gerais são “normas lançadas em

formas de diretrizes, dirigidas ao Estado-Juiz, que deverá – dentro do que foi

previamente traçado pelo legislador – dar a solução mais perfeita, observando,

para a concretização da atuação judicial, não só o caso objetivo, mas também

situações particulares que envolvem cada caso”

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. E, para Nelson Nery Jr.

Nelson Nery, a função das cláusulas gerais é a de dotar o sistema de mobilidade

“mitigando as regras mais rígidas, além de atuar de forma a concretizar o que se

encontra previsto nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais

indeterminados. Prestam-se, ainda, para abrandar as desvantagens do estilo

excessivamente abstrato e genérico da lei”

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.

O enunciado n. 17, do Fórum Permanente de Processualistas Civis, dispõe

que “As partes podem, no negócio processual, estabelecer outros deveres e

sanções para o caso do descumprimento da convenção.”; e, os enunciados 19, 20

121 Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São Paulo:

Saraiva, 2013, p. 129 e 130.

122 Notas iniciais à leitura do novo Código Civil. In: Arruda Alvim e Thereza Alvim (coords.).

Comentários ao Código Civil brasileiro. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005. vol. 1, p. LXI.

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e 21, respectivamente, complementam que “19. São admissíveis os seguintes

negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de

ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de

despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para

retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução

provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória,

inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou

de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de

conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização

prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de

sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-

rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das

partes entre si.”, “20. Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais,

dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para

supressão da primeira instância.” e, “21. São admissíveis os seguintes negócios,

dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para

ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito

convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.”.

Essa nova previsão segue a tendência da arbitragem, em nosso País tal

como veiculada na Lei 9.307/1996, na qual as partes podem “escolher,

livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que

não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.” (§ 1º, do art. 2º), bem

como “que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos

usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.” (§ 2º, do art. 2º) e,

ainda, estabelecer se a arbitragem será “de direito ou de equidade” (cabeça do

art. 2º).

Na arbitragem, uma vez instituída, a mesma “obedecerá ao procedimento

estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se

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às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada,

facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal

arbitral, regular o procedimento” (art. 21, cabeça).

É essa mesma liberdade que agora se tem para o processo civil com a

possibilidade das partes firmarem um negócio jurídico processual, que não

apresentam qualquer forma específica para a sua validade. A exigência legal é a

de que se trate de litígio quer admita solução por autocomposição. Nesse ponto, o

artigo 200, do NCPC complementa que “os atos das partes consistentes em

declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a

constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.”, de modo que,

via de regra, os negócios jurídicos processuais celebrados não dependem de

homologação judicial.

Como lembra Alexandre Freitas Câmara “o poder de executar, isto é, o

poder de realizar executivamente os direitos, é inerente ao próprio conceito de

jurisdição. Assim, não se pode admitir que o juiz só possa se valer dos meios

executivos típicos. O legislador não é capaz de prever todas as hipóteses que

podem vir a aparecer na prática do foro. Deve-se, então, reconhecer ao juiz o

poder de utilizar meios executivos atípicos, pelo menos nos casos nos quais os

meios típicos se revelem inadequados ou insuficientes para a realização prática

do direito subjetivo.”

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.

E, mais adiante, diz Alexandre Freitas Câmara que “É evidente que a

execução deve ter limites. Estes, porém, são estabelecidos pelo princípio da

dignidade humana, estabelecido pelo art. 1.º, III, da CF, e sem dúvida o mais

relevante de todos os princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro.

124 A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos: em defesa dos meios executivos atípicos e

da penhora de bens impenhoráveis. In.: Execução civil e temas afins – do CPC/1973 ao Novo CPC : estudos em homenagem ao professor Araken de Assis / coordenação Arruda Alvim ... [et al.] – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 17.

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Assim, aquele bem cuja expropriação não violará a dignidade do executado deve

ser considerado penhorável, mesmo que a lei o aponte como absolutamente

impenhorável, quando sua apreensão e expropriação se revelarem necessárias à

preservação de interesse mais relevante.”

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.

Na mesma toada, Rodrigo Reis Mazzei e Sarah Merçon-Vargas ao

abordarem a questão da impenhorabilidade à luz do artigo 833, do NCPC (Lei

13.105/2015), pontuam que “O dispositivo em análise confere concreção à regra

prevista no artigo precedente e possui iluminação de princípios constitucionais

insertos na nossa Carta Política de 1988: (a) dignidade da pessoa humana (art. 1º,

III), e (b) da função social da propriedade (art. 5º, XXIII). A submissão se impõe

para não sujeitar à penhora bens e direitos considerados indispensáveis à

existência digna do executado (por exemplo, a hipótese do inciso IV do

dispositivo) e que estejam desempenhando, imune de dúvidas e concretamente,

uma função social (tal como a situação inserta no inciso IX da regra legal).”

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