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Capítulo 3 – O Cooperativismo e a Economia Solidária: as tramas e as

3.6 O novo Cooperativismo é rur-urbano e solidário

A experiência urbana de organização cooperativista e de Economia Solidária ocorre com a fundação, em 2004, da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL Brasil), como entidade nacional a partir da experiência da seção paulista formada desde 2001, com o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC sediada em São Bernardo do Campo. Hoje a UNISOL Brasil conta com 850 Empreendimentos econômico solidários, incluindo cooperativas e associações de produtores de artesanatos, reciclagem, vestuário, confecção, agricultores familiares, empresas autogestionárias oriundas de fábricas falidas e recuperadas pelos trabalhadores e, até empreendimentos informais, desde que atendam aos critérios de caracterização de Empreendimentos de Economia Solidária, tendo mais de cinco integrantes de perfil suprafamiliar. É necessário que estes empreendimentos realizem, ao menos, três assembleias por ano, tenham ganho que não superem o valor de seis vezes entre menor e maior rendimento e que participem de fóruns, redes ou cadeias solidárias e em setoriais de acordo com a organização da UNISOL. Já no ano seguinte, junho de 2005, foi criada a União de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES), contando 1100 cooperativas afiliadas. A UNICAFES se consolida como entidade de representação de agricultores familiares cuja identificação se dá através do Documento de Aptidão do Produtor (DAP) tendo critérios econômicos bem definidos baseados na renda familiar que deve ser no mínimo 60% originária do trabalho como produtor de grãos, frutas, leite, carne, méis, sucos, vinhos, artesanatos. Estes agricultores estão organizados em cooperativas para comercialização, beneficiamento, industrialização e caracterizam- se por possuírem pequenas extensões de terras e utilizarem a mão de obra da própria família do agricultor.

A UNICAFES busca políticas que favoreçam a manutenção de jovens no campo, com políticas de formação para a produção de orgânicos, apoio à agro industrialização e comercialização. No apoio à comercialização encontram-se o programa de aquisição de alimentos (PAA) e o Programa Nacional de merenda escolar (PNAE). Outra experiência no meio rural é a da Confederação de Cooperativas da Reforma Agrária no Brasil (CONCRAB) que aglutina as cooperativas originadas a partir da formação dos assentamentos de reforma agrária.

Da mesma forma buscam espaço de assessoramento técnico, apoio à produção ecológica, à agro-industrialização e à organização socioprodutiva através de práticas de preservação dos recursos naturais e tecnologias sociais.

Em relação à UNISOL Brasil, desde 2011, autorizados pelo 3º Congresso Nacional, se organizam as ‘UNISÓIS’ estaduais. São Paulo recuperou sua organização estadual e o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a organizar a Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários – UNISOL-RS. A seguir a organização ocorreu na Bahia e o Rio de Janeiro começa a organização assim como no Distrito Federal.

Em 2013, outra iniciativa surge após três anos de discussões sobre conveniência, necessidade, e avaliação de “que futuro iremos construir juntos”. A nova entidade formada aglutina a UNISOL Brasil, a UNICAFES e a CONCRAB, que deu origem a União de Cooperativas e Produtores da Agricultura Familiar e Empreendimentos Solidários – UNICOPAS, que buscará um marco legal ao Cooperativismo e uma lei geral para a Economia Solidária, projetos que já tramitam no Congresso Nacional.

Qual a necessidade da existência de quatro iniciativas na mesma direção? Essa fragmentação não seria elemento de redução de força do cooperativismo para buscar novas conquistas?

Essas quatro experiências agora aglutinadas em duas representam forças políticas diferentes. Enquanto as cooperativas da agropecuária vinculadas à Organização das Cooperativas Brasileiras – chamado de sistema OCB – recebem suporte financeiro já que a OCB possuí vinculação com o agronegócio e agricultura de exportação subsumida dentro da lógica de mercado, as organizações de pequenos agricultores ficavam desassistidas em políticas de apoio que se chocavam no perfil e modos de produzir.

É a OCB, de por intermédio do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP), que detém recursos para a educação cooperativista recolhidos compulsoriamente dos trabalhadores assalariados de cooperativas, quer elas pertençam ao sistema OCB ou estejam na base da UNISOL, CONCRAB ou UNICAFES. A partir da mudança da legislação haverá o compartilhamento dos recursos do SESCOOP para as duas organizações, isto é, para a OCB e para a UNICOPAS.

No sistema OCB, no Rio Grande do Sul, as ações que se manifestam na OCERGS de pensar o cooperativismo como projeto não se apresentam de maneira diferente ou alternativa ao sistema do capital. Desde a comunicação expressa em seu jornal mensal “O Interior”, seja nas atividades do Dia do Cooperativismo e iniciativas como o projeto anual de um festival ‘O Rio Grande Canta o Cooperativismo’, que poderiam se apresentar como alternativa cultural, fica evidente as ideias da lógica societal do sistema do capital.

As atividades culturais – organizações de festivais de música nativistas – são repetidoras das iniciativas comuns no Rio Grande do Sul dentro da tradição da Casa

Grande que submete os sem-terra (ou da senzala) como agregados de fazendas, ou

‘peões de estância’ que recebem, por vezes, renda que sequer atinge o salário mínimo, para cuidar do gado e das terras do patrão. Representam com isso contraditando os ideais de igualdade, valores e princípios cooperativistas que dizem defender.

Conforme Coradini (2009, p. 75), ao fazer referência ao papel que os grandes complexos cooperativos desenvolvem em suas estratégias subordinadas integradas ao sistema do capital, diz que,

A desmobilização política levada a efeito por essa forma de cooperativismo, em geral não se apoia na falta de discussão e participação, mas é através da manutenção e, conforme o caso, de sua intensificação que atua no sentido da persuasão e da reorientação das insatisfações e tensões sociais. O instrumento básico para tanto é a apresentação, perante o quadro de associados, de uma forma de desenvolvimento cuja concepção equivale essencialmente à modernização e aumento da produtividade física. Isso é complementado com a reorientação da mobilização político-ideológico no sentido de que não ‘extrapole os limites das propostas e das concessões e rearranjos permitidos pelo padrão vigente da acumulação e dominação social, ou, em outras palavras, de acordo com o capitalismo associado- dependente e o Estado autoritário.

No plano de gestão das cooperativas o sistema OCB oferece em seu sítio na Internet um Programa de Desenvolvimento da Gestão das Cooperativas (PDGC). A ferramenta está ancorada em consultorias que produzem modelos de gestão baseado na lógica do sistema do capital, não possuindo referências nas práticas cooperativistas que experimentam modelos alternativos de planejamento das organizações cooperativistas. É um instituto que utiliza um produto baseado em outro modelo de organização, isto é, o modelo das empresas do sistema do capital. Conforme diz em sua página, todaa a metodologia desse Programa está pautada no

Modelo de Excelência da Gestão® (MEG) da Fundação Nacional da Qualidade que é um modelo referencial, utilizado para promover a melhoria da qualidade da gestão e o aumento da competitividade das organizações. (Disponível em www.ocb.coop.br

– acesso em 10/01/2015)

A pretendida melhoria da qualidade e aumento da competitividade referem-se à inserção das cooperativas no mercado da bolsa de mercadorias ‘commodities’, de Chicago (EUA) e no que se refere à gestão identifica-a com o modelo empresarial de redução de custos, assalariamento dos trabalhadores, hierarquia, ou seja, o modelo heterogestionário.

A UNISOL Brasil, junto com o Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos – DIEESE, com a Fundação Banco do Brasil e com o sistema DESJARDINS sediado em QUEBEC no Canadá, trouxe ao debate uma metodologia de trabalho inspirada na experiência Canadense da Caisse d’economie Solidaire Desjardins, conforme Arruda, (2014) é uma cooperativa de crédito com mais de 5,5

milhões de associados agrupados em 397 cooperativas. Fundada em 1900 e que é o 6º maior banco (cooperativo) do Canadá40. Esse modelo canadense passou a ser o

referencial brasileiro de análise dos Empreendimentos de Economia Solidária considerando a especificidades de cooperativas (especialmente as de crédito) e empreendimentos econômicos solidários e o funcionamento como um roteiro analítico que deve ser adaptado à realidade e necessidades dos Empreendimentos.

Assim, se estabelece uma disputa político-ideológica entre o cooperativismo tradicional, com suas proposições de manutenção da ordem vigente compondo, tão somente, uma estratégia para dar conta do excedente de mão de obra, e o cooperativismo que pressupõem a solidariedade que transcende o universo segregado, que une os tabalhadores da cidade e do campo, que promove um constante processo de reflexão/ação sobre a produção, a gestão e a interconexão entre os trabalhadores livremente associados.

40 A experiência da Desjardins, pode ser lida na Tese de Alessandro Arruda USCS, 2014 na qual