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O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO COMO EXPERIÊNCIA PIONEIRA

3. DEMOCRACIA E PLANEJAMENTO PARTICIPATIVOS NO BRASIL E NA BAHIA

3.2 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO COMO EXPERIÊNCIA PIONEIRA

A ausência de normatização específica através de lei complementar cria dificuldades para o funcionamento do ciclo orçamentário, mas permitiu o surgimento de experiências inovadoras que foram se disseminando pelo Brasil e que hoje, inclusive, são empregadas em países como o Uruguai, a França, a Argentina, o Canadá e a Bélgica (POMPONET, 2009). A primeira delas foi o Orçamento Participativo (OP), em Porto Alegre (RS), em 1989, embora Souza (2001) observe que, ainda durante o regime militar, experiências participativas de caráter consultivo foram tentadas em Piracicaba (SP) e em Lages (SC). No primeiro caso, a intenção era dar visibilidade às dificuldades financeiras enfrentadas pela administração municipal e, no segundo caso, houve apenas intervenções pontuais, sem o envolvimento da comunidade no processo orçamentário (SOUZA, 2001).

A experiência de Porto Alegre, no entanto, se tornou emblemática por surgir em um cenário posterior à Ditadura Militar, quando já estavam em vigência a Constituição de 1988 e os instrumentos de planejamento e orçamento empregados até os dias atuais. Foi emblemática também porque produziu transformações sobre a relação entre Estado e Sociedade, incorporando demandas de segmentos sociais tradicionalmente excluídos das decisões políticas (e orçamentárias) e inaugurando, no Brasil, uma forma mais inclusiva de organização política (LARANGEIRA, 1996). Avritzer (2002) aponta que, entre as razões da adoção do OP em Porto Alegre está a campanha eleitoral de 1988 na capital gaúcha, quando o tema da participação popular norteou a disputa pela prefeitura entre o Partido dos Trabalhadores (vencedor da disputa com Olívio Dutra) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Larangeira (1996) e Avritzer (2002), assim como Fedozzi (1998) e Navarro (2000) são unânimes em apontar que a adoção do OP na capital gaúcha contribuiu para reduzir os métodos tradicionais de se fazer política no município, a exemplo do clientelismo.

Ao longo da década de 1990 o Orçamento Participativo se disseminou em diversos estados brasileiros, alcançando 194 municípios em 2004, incluindo capitais como Belo Horizonte, Recife e Aracaju (OLIVEIRA, 2005). Note-se que parcela expressiva dos municípios que aderiram à iniciativa localizava-se em estados do Centro-Sul, particularmente no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Na Bahia, à época, somente seis municípios estavam incluídos na relação, com destaque para Vitória da Conquista que aderiu à experiência em 1997 (MILANI 2006; POMPONET, 2008). Com o passar dos anos os processos de consulta à sociedade

foram se transformando e, atualmente, há municípios que inclusive utilizam a Internet como instrumento de participação, através do chamado OP Digital (FIGUEREDO ET AL, 2009).

Mais tardia, no entanto, foi a adoção de processos participativos no âmbito dos planos plurianuais. No governo Olívio Dutra (1999-2002) tentou se fazer um processo de consulta à sociedade para a construção do PPA, mas dada a escassez de tempo prevaleceu a ideia da elaboração do Orçamento Participativo (FIALHO, 2010). Com a ascensão de Lula à presidência da República, em 2003, o governo se mobilizou para promover audiências públicas em todo o país com a finalidade de colher subsídios para a elaboração do documento. No total, foram realizados 27 fóruns com a presença média de 70 entidades e 150 participantes. Dadas as dimensões territoriais do Brasil, a complexidade e a diversidade dos movimentos sociais e de outros segmentos da sociedade e o caráter consultivo da proposta, pode-se avaliar que o PPA 2004-2007 do Governo Federal teve alcance limitado em relação à participação social.

Somente em 2007, quando foram elaborados os planos plurianuais relativos ao período 2008- 2011, é que de fato houve uma maior abertura para a participação da sociedade. As dificuldades impostas para o envolvimento popular na elaboração do PPA, no entanto, não se limitam à capacidade de organização dos movimentos sociais, à adoção de métodos mais modernos de gestão, que implicam em uma maior proximidade entre Estado e Sociedade ou ao descompasso inicialmente existente entre o que previam os planos plurianuais e os orçamentos anuais, como observou Fialho (2007).

Inicialmente o grande obstáculo foi resgatar a função planejamento no âmbito da Administração Pública: o Estado inchado e endividado legado pelos militares, associado à anarquia inflacionária que mergulhou o país em uma sucessão de planos econômicos fracassados entre 1986 e 1994 praticamente eliminou da agenda governamental qualquer iniciativa de planejamento (ALMEIDA, 2004). Por outro lado, conforme aponta Anderson (1995), a ascensão de governos conservadores nos Estados Unidos e na Europa, que retomaram o discurso liberal do Estado mínimo após as crises da década de 1970 e disseminaram a ideologia gerencialista no Estado, paralisando e depois forçando os governos a uma reflexão sobre o papel do planejamento nos dias atuais, conforme ressalta Paula (2005).

Conflitos dessa natureza alimentaram transformações na gestão do Estado, com o fortalecimento do modelo conhecido como Administração Pública Gerencial: ênfase no empreendedorismo, controle e orientação das organizações para o objetivo de alcançar o máximo de eficiência e competitividade (PAULA, 2005). Esse ideário influenciou o debate sobre a organização do Estado no Brasil a partir de 1995 e orientou reformas e privatizações de órgãos e empresas públicas, a partir do diagnóstico de que o Estado brasileiro conservava, ainda, muito dos valores e das práticas burocráticas e patrimonialistas, em alguns casos.

Curiosamente, a absorção pela sociedade da agenda liberal e dos conceitos gerencialistas na administração do Estado, de alguma forma, favoreceu a expansão dos processos participativos à medida que, visto como cliente, o cidadão – ou a Sociedade – interfere mais sobre o Estado, influenciando em suas decisões e, em alguma medida, agregando-se às decisões sobre políticas públicas. Trata-se, portanto, da acomodação de um conflito político discutido por Poulantzas (1977). É necessário ressaltar, no entanto, como aponta Dagnino (2004), que essa disseminação foi acompanhada de um esvaziamento do conteúdo político desses processos consultivos, que tendem a se transformar em meros processos de consulta de caráter administrativo, em alguns casos e não em instrumentos de democracia participativa, conforme propôs Pateman (1992).

A incorporação do novo conceito, por outro lado, também repercutiu sobre as antigas práticas políticas, como o clientelismo, que em certa medida começou a refluir. No entanto, a velocidade dessas transformações não foi homogênea sobre o país, avançando mais facilmente em regiões como o Centro-Sul e encontrando resistências em regiões mais atrasadas, como o Nordeste e o Norte. A própria forma como evoluiu o Orçamento Participativo nos municípios brasileiros – aludida anteriormente – é bastante ilustrativa desse cenário. Em regiões mais urbanizadas e com mais elevada consciência política, os conflitos surgiram primeiro, exigindo adaptações na estrutura do Estado, como analisaram Poulantzas (1977) e Pateman (1992).