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3 O PÚBLICO E O PRIVADO NO BRASIL ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

3.1 O público e o privado na educação básica brasileira

O fornecimento de recursos públicos para o setor privado de ensino reporta-se ao Brasil Colônia. Com a chegada das caravelas portuguesas chegam também os padres jesuítas e seu sistema de ensino, cujo financiamento, usando uma linguagem contemporânea, caracteriza-se de forma clara como uma parceria público-privada (PPP). Nesse modelo, aplicado em todo o reino de Portugal até 1759, data de sua expulsão, tal ordem religiosa detinha o monopólio da

oferta educacional, enquadrando a Coroa no fornecimento de recursos. Como a Coroa não possuía posses ou mesmo interesse em assegurar esse financiamento numa colônia tão dispersa e ampla, a fundamental fonte de verbas da Cia de Jesus provinha dos privilégios reais de comércio, de doações de particulares, administração de terras, rendas e propriedades que englobavam fazendas de criação de gado e engenhos de cana-de-açúcar (PINTO, 2016).

A expulsão dos jesuítas a partir de 1759, distante de representar a possibilidade do nascimento de uma escola pública estatal, terminou abrindo caminho para diferentes ordens religiosas, lançando os pilares de um sistema que durou até os fins da década de 1950, em que o sistema público, de forma singular os governos estaduais, financiava, de forma escassa, as escolas primárias, e as outras etapas da educação básica ficavam sob a responsabilidade da rede privada, com hegemonia das escolas católicas (ROMANELLI, 1978).

No Brasil, ainda no Período Imperial, iniciou na educação a liberdade para a iniciativa privada poder atuar. Em 30 de junho de 1821, a Regência do Reino Português, através do Rei D. João VI, aprovou um decreto em 28 de junho daquele ano, concedendo a qualquer cidadão o ensino e a abertura de escolas de primeiras letras (CURY, 2005).

Para o mesmo autor, esse decreto contém em si alguns elementos importantes para reflexão como, historicamente, aconteceram as relações entre o público e o privado na educação escolar no Brasil, não passando desinformada a qualquer leitor a disputa que acontece entre o poder da liberdade da iniciativa privada e o poder do Estado.

A educação escolar no Brasil, de acordo com Cury (2005, p. 5), tem que obedecer a quatro instituições “ao Estado, pois ele é o sujeito capaz de garantir o comum para todos; à família, pelo princípio ex generatione; à iniciativa privada, que invoca o mercado e cobre a impotência do Estado; e à Igreja, que pede a seu favor a proteção da tradição” e a relação entre elas atravessa nossa história como um todo e não está ausente na nossa legislação.

Misturam-se nem sempre de forma harmônica os quatro âmbitos que se aspiram autoridade no campo da educação, inclusive a escolar, sendo esses os sujeitos relevantes que entrarão em cena na realidade do Brasil, cujo legado colonial não foi reduzido e atravessou nossa evolução histórica (CURY, 2005).

Saviani (2005) cita na abordagem teórico-histórica quatro proposições para o debate sobre o público e o privado. A primeira cita que tais termos formam categorias conectadas e indissociáveis entre si, comportando-se como polos antagônicos que se supõem um ao outro, já que este só pode ser entendido por referência àquele.

A segunda assertiva diz que público e privado são categorias específicas e originárias do período moderno, dela decorrendo sua especificidade conceitual. Tal fenômeno relaciona-

se ao surgimento do capitalismo, característico da modernidade, que incorporou por meio do “fetichismo da mercadoria” o obscurantismo nas relações sociais.

A terceira proposição diz, de forma rigorosa, que só podemos considerar público e privado como categorias educacionais a partir do Século XIX, porque é só a partir dessa época que se caracteriza de forma nítida a educação pública. O excerto abaixo é bem esclarecedor:

Embora Luzuriaga se refira a uma “educação pública religiosa” que teria vigorado nos séculos XVI e XVII e de uma “educação pública estatal”, própria do século XVIII, ele próprio admite que foi apenas na Alemanha da segunda metade do século XVIII, sob Frederico II, o Grande, que se tomaram medidas relativas à organização de escolas inteiramente secularizadas sendo que a “obra capital” desse período foi o Código Geral Civil que definiu as escolas e universidades como instituições do Estado e estabeleceu que “todas as instituições escolares e de educação, públicas ou particulares, estão sendo submetidas à inspeção do Estado” (LUZURIAGA, 1959, p. 30). No entanto, esse código foi publicado apenas em 1794, sob o reinado de Frederico Guilherme II, portanto já no limiar do século XIX (SAVIANI, 2005, p. 170).

E a quarta assertiva cita que só é possível falar de público e privado em educação no Brasil após 1890, sendo a primeira etapa definida como “os antecedentes” a qual engloba três períodos: o primeiro (1549-1759), que correspondeu à pedagogia jesuítica; o segundo (1759- 1827), representado pelas “Aulas Régias” criadas pela reforma pombalina; e o terceiro período que consistiu nas primeiras tentativas, intermitentes e descontinuadas, de se formar a educação como responsabilidade do poder público representado pelos governos provinciais e imperial (1827-1890).

A segunda etapa definida como “história da escola pública propriamente dita” teve início em 1890, com a criação dos grupos escolares, distinguindo os seguintes períodos: a) o nascimento das escolas primárias dos estados (1890-1931) incentivada pelas ideias do iluminismo republicano; b) regulamentação, no campo nacional, das escolas primárias, secundárias e superiores (1931-1961), introjetando de forma crescente as ideias pedagógicas renovadoras; c) unificação da regulamentação da educação nacional (1961-1996) abarcando as redes públicas (municipal, estadual e federal) e privada que, de forma direta ou indireta, foram sendo adaptadas a uma acepção produtivista de escola (SAVIANI, 2005).

A problemática do público e do privado na história da educação brasileira exige o reconhecimento, tanto quanto a historiografia também corrobora, que “público” aqui é semelhante a estatal. A natureza do Estado ou o que é estatal, na visão de Karl Marx, não é do interesse público ou público, mas tende a favorecer o interesse privado ou os interesses desse Estado com a sua relativa autonomia. A problemática acima pode ser reformulada da seguinte

forma: “a) sempre tivemos, desde os primórdios da colonização, uma educação escolar estatal, b) tivemos iniciativas privadas na educação escolar estatal e c) nunca tivemos educação pública escolar” (SANFELICE, 2005, p. 182).

Esse mesmo autor dispõe que se o estatal e o privado se configurarem imbricados, então o foco da problemática muda para tal formulação: a problemática do estatal, do privado e do público na história da educação brasileira. Essa contribuição de José Luís Sanfelice ajuda-nos a compreender como essa problemática se configura também no âmbito dos níveis de ensino e na modalidade específica da educação profissional brasileira. Nas próximas subseções discorreremos sobre o público e o privado, a partir da década de 1990, com a chegada da Reforma do Estado no país, na educação básica.

3.2 O público e o privado na educação básica brasileira com o advento da reforma do