• Nenhum resultado encontrado

O Papel do Estado no Desenvolvimento Sustentável do Turismo

Capítulo 2 – O Setor Público e o Desenvolvimento do Turismo

2.1 O Papel do Estado no Desenvolvimento Sustentável do Turismo

Conforme relatado no capítulo 1, o turismo impacta diretamente a economia, sociedades, cultura e economia tanto das regiões emissoras como recetoras. De forma a

47 controlar as consequências nocivas do turismo, urge, portanto, a necessidade de um desenvolvimento sustentável da indústria turística, sobretudo se atendermos ao facto de que, como constata Butler (1993), a mesma depende da manutenção do ambiente (apud Dodds, 2007, p. 297). À medida que os efeitos negativos do turismo começaram a ultrapassar os positivos em certos destinos, aumentou também a necessidade de um maior controlo da indústria por parte do Governo, conduzindo a que, na segunda metade do século XX, se enraizasse este novo paradigma do desenvolvimento sustentável, onde “os governos voltaram a assumir grande parte da responsabilidade pela implementação de desenvolvimento sustentável nos destinos turísticos (Ruhanen, 2013, p. 80). Entre os principais motivos pelo qual a ação governamental se torna tão relevante para o desenvolvimento sustentável do turismo, encontra-se o facto de o setor público possuir a responsabilidade de atender aos interesses da população, a sua imparcialidade e ausência de interesses comerciais, o poder legislativo necessário à implementação de mudanças, assim como um menor foco em objetivos financeiros a curto prazo, ao contrário do setor privado (Ruhanen, 2013, p. 81). De forma análoga, os governos possuem a capacidade necessária de conduzir o desenvolvimento em direções distintas daquelas que se focam exclusivamente no desenvolvimento económico e não diversificado que constitui, conforme constata Williams (1993), uma ameaça à sustentabilidade de qualquer região (apud Farsari, Butler & Prastacos, 2007, p. 72). Posto isto torna-se fulcral a elaboração de políticas de desenvolvimento do turismo, de uma forma ponderada, com o objetivo de, entre outros, “ajudar a orientar o desenvolvimento de infraestruturas” (Edgell, Allen, Smith & Swanson, 2008, p. 333). Segundo a OMT, é necessário o desenvolvimento de esforços conjuntos para que os princípios de turismo sustentável sejam alcançados, nomeadamente, o desenvolvimento e estabelecimento de estruturas políticas integradas por parte dos governos, o empenho por parte dos negócios na aplicação dos modelos de negócio e cadeias de valor sustentáveis, e a adoção, por parte dos indivíduos e da sociedade civil, de práticas e comportamentos sustentáveis (World Tourism Organization, 2018, p. 13).

Na explanação do papel da ação governamental no desenvolvimento sustentável do turismo, parece-nos pertinente deslindar ainda as nuances de um conceito que frequentemente é estabelecido como análogo ao desenvolvimento sustentável: o turismo sustentável. Como consideram vários autores (Butler, 1999; Hunter & Green, 1995), o supracitado conceito trata-se de um termo flexível, na medida em que se encaixa em diferentes perceções e se ajusta para assumir diversos significados para pessoas ou

48 grupos distintos (apud Farsari et al., 2007, p. 60). Autores como Hunter (1997) salientam o facto do turismo sustentável ser “orientado para o produto” e de “usar o ambiente como uma forma de atingir novos alvos e novos produtos” (apud Farsari et al., 2007, p. 73). Coccossis (1996) segmenta o turismo sustentável em quatro formas: a sustentabilidade económica de turismo; a sustentabilidade ecológica de turismo; o desenvolvimento turístico sustentável com a necessidade de garantir a longo-prazo a viabilidade da atividade turística; e, por fim, a perspetiva que encara “o turismo como parte da estratégia do desenvolvimento sustentável, na qual a sustentabilidade é definida com base em todo o sistema humano/meio ambiente” (apud Farsari e al., 2007, p. 60). Já Hall (2008) considera que o turismo sustentável diz respeito à aplicação prática dos conceitos de sustentabilidade no setor do turismo e aos “consequentes efeitos sociais, ambientais e económicos” (Hall, 2008, p. 27). A sustentabilidade, por sua vez, refere-se a um objetivo político que não é específico, compreensível nem quantificável e que trata de “horizontes temporais que geralmente não são adotados no planeamento e na tomada de decisões públicos ou privados” (idem). Pesem as diferentes interpretações do conceito, autores como deKadt (1992) e Bramwell (2005) são unânimes ao considerar que o turismo sustentável “é altamente político” (apud Farsari et al., 2007). Esta simbiose do conceito de sustentabilidade com a política suscita, no entanto, críticas entre as quais o facto de esta ser usada como “uma tática política que serve para a acumulação de capital” (Dodds, 2007, p. 315).

No que diz respeito ao desenvolvimento sustentável, este atua “numa escala mais ampla que incorpora todos os aspetos da interação humana com o meio ambiente” (Hall, 2008, p. 27). Hall e Gössling (2006) acrescentam ainda que o conceito surgiu devido a uma necessidade de reconciliar posições conflituosas, no que diz respeito aos recursos naturais e ao meio ambiente e à consciencialização de que existe uma crise que necessita de uma solução (apud Hall, 2008, p. 92). Assim sendo, na ótica de Hall (2008), noções de bem público ou de interesse público são temáticas fulcrais aquando da abordagem de assuntos de sustentabilidade e planeamento do turismo (p. 94). De acordo com vários autores, as estratégias de desenvolvimento sustentável devem atender às expectativas locais e nacionais, sendo que, no caso dos países em desenvolvimento, devem sobretudo “contribuir para o crescimento do PIB numa escala macro”, enquanto deve, numa escala micro, “melhorar a segurança alimentar e as condições ambientais” (Dutra, Haworth & Taboada, 2001, p. 270). Hall e McArthur (1998) identificam três objetivos básicos das estratégias de desenvolvimento e planeamento sustentável, mais

49 concretamente “assegurar a conservação de recursos de valor do turismo”, ”melhorar as experiências dos visitantes que interagem com os recursos do turismo” e a “maximizar os retornos económicos, sociais e ambientais para as partes interessadas nas comunidades recetoras” (apud Hall, 2008, p. 64). Neste sentido, os líderes globais têm- se demonstrado cada vez mais conscientes da importância da aplicação dos princípios de sustentabilidade na política, salientando-se a “Agenda Local 21”, considerada “a iniciativa mais conhecida para abordar a sustentabilidade a nível local” e que surge na “Cimeira da Terra” no Rio de Janeiro, em 1992 (Dodds, 2007, p. 299). Embora cada programa da “Agenda Local 21” possa variar, dependendo do país, os seus princípios deverão ser os mesmos, requerendo um comprometimento a longo-prazo e deve incluir igualmente o envolvimento e a participação das comunidades locais no “processo de tomada de decisão e no seu desenvolvimento e implementação” (CRC for Sustainable Development, 2002, p. 50). Segundo os princípios estabelecidos na “Agenda Local 21”, o desenvolvimento sustentável só pode ser atingido através de “meios planeados, democráticos e cooperativos”, sendo igualmente fulcral, conforme relatam Jackson e Morpeth (2000), o “envolvimento da comunidade na tomada de decisões sobre o meio ambiente e o desenvolvimento” (apud idem).

Pesem os esforços globais para o estabelecimento de padrões de atuação mais sustentáveis a nível local, há evidências de que “os humanos estão a viver para além dos seus meios naturais” (Hall, 2008, p. 21). Assim sendo, os governos, nos seus diferentes níveis de intervenção (local, regional e local) deparam-se com dificuldades na implementação de um turismo mais sustentável. Esta situação torna-se mais evidente em destinos cujo desenvolvimento é mais maduro e notório, sendo mais fácil, como denotam Butler e Stiakaki (2001), introduzir novos princípios mais sustentáveis em regiões que se encontram em etapas iniciais de desenvolvimento (apud Farsari et al., 2007, p. 74). Todavia, os entraves ao desenvolvimento sustentável não se prendem apenas com o grau de desenvolvimento de um país ou região e relacionam-se, por vezes, com a capacidade dos próprios governos de implementar eficazmente práticas sustentáveis aquando do planeamento do turismo (Ruhanen, 2013, p. 81) ou ainda as lutas de poder que emanam em várias áreas e que podem obstaculizar a implementação de certas medidas do governo (Dodds, 2007, p. 310). No que concerne a ineficácia dos governos na implementação, certos autores, como é o caso de Ruhanen (2013), consideram que tal incapacidade reside na ausência de uma visão estratégica, com direção e a longo prazo (p. 83). Já no que diz respeito às lutas de poder, tais ocorrem, na

50 maioria das ocasiões, devido ao facto das partes interessadas possuírem agendas diferentes onde existe uma “desconexão entre as metas políticas ideais e os resultados alcançáveis” (idem). De forma a análoga, a responsabilidade pela implementação de medidas sustentáveis, não se limita aos órgãos institucionais, mas também às comunidades locais, na medida em que são estas que votam nos partidos políticos que se encontram no poder, sendo desta maneira igualmente e parcialmente “responsáveis pelas lutas de poder sobre a sustentabilidade” (idem).

Entre algumas das soluções apontadas para combater as barreiras à implementação e desenvolvimento sustentável encontram-se, como constata Hunter (1995), a “coordenação entre todos os níveis de elaboração de políticas” (apud Farsari et al., 2007, p. 61) e a coordenação entre vários setores de atividade, tais como, “transporte, habitação, desenvolvimento social, conservação e proteção ambiental e gestão de recursos” (Dodds, 2007, p. 316). Já Edgell e outros (2008) salientam a pertinência das parcerias no turismo como uma forma de cooperação que permite conciliar interesses que na maioria das ocasiões não são concordantes. Tais parcerias devem ocorrer em diferentes níveis de intervenção do governo e podem ainda implicar “a combinação de entidades do setor público e privado” (p. 345). Esta perspetiva é corroborada por Dodds (2007) que considera que, embora a implementação seja mais eficiente quando aplicada a nível local, é importante existir uma estrutura internacional ou nacional mais ampla, que forneça as linhas condutoras necessárias a uma aplicação mais eficiente dos princípios de sustentabilidade (idem, p. 314). Também o envolvimento de várias partes interessadas no processo de planeamento é vista como uma forma de diminuir os problemas à implementação dos princípios de desenvolvimento sustentável (Hall, 2008, p. 67). Entre as partes interessadas encontra- se, naturalmente, a comunidade local, cujo envolvimento no planeamento mais sustentável da indústria constitui uma das questões mais abordadas por parte da literatura sobre os impactos sociais e princípios de turismo sustentável, como consideram Inskeep (1991) e Eber (1992) (apud Farsari et al., 2007, p. 72). Segundo Doods (2007) é necessário que as partes interessadas sejam responsáveis também pela implementação e “não apenas pela formulação de medidas mais sustentáveis” (p. 316), acrescentando ainda a premissa da necessidade de uma visão a longo prazo da sustentabilidade, assegurando a sua continuidade independentemente das mudanças que possam ocorrer no poder político (idem). Sem embargo, o planeamento participativo torna-se mais difícil de ocorrer eficientemente aquando da existência de um

51 desenvolvimento em massa do turismo (Farsari et al., 2007, p.72). Segundo vários autores, o turismo em massa é responsável inclusivamente pelo aumento de posições de conflito, constituindo-se como um fenómeno diretamente oposto ao turismo sustentável (Farsari et al., 2007, p. 65).

Perante tamanhos desafios que os governos enfrentam na procura da sustentabilidade no turismo, é necessário que os mesmos concedam especial enfoque à melhoria e eficácia do planeamento do turismo e ao seu caráter democrático, como destacam Bramwell e Lane (2010) (apud Ruhanen, 2013, p. 93). Desta forma, pretende- se que as políticas efetivamente se preocupem com questões sustentáveis, ao invés do seu caráter pró-crescimento e concentração nos retornos económicos (Ruhanen, 2013, p. 84). Se corretamente gerida, a indústria do turismo possui o potencial de “aumentar as sociedades globais e de contribuir para as proteção dos recursos turísticos para as gerações futuras” (Edgell et al., 2008, p. 334).

Documentos relacionados