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3.3 – O PAPEL DOS INTELECTUAIS NA RURBANIZAÇÃO

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Definida a importância das Ciências Sociais na produção do conhecimento para sustentar a política geral, observaremos como o autor atribuía o papel social dos intelectuais na concretização da Rurbanização. Desde 1956, em seu já conhecido texto dedicado às professoras primárias de Pernambuco, Freyre idealizara um lugar de destaque para essas personagens no desenvolvimento da política social rurbanizante. Como já apresentamos anteriormente nesse capítulo, as professoras seriam aquelas divulgadoras de uma nova mentalidade rurbana. Por ser uma figura “anfíbia”, que transitava tanto em ambientes urbanos como rurais, ela seria a responsável por introduzir em seus alunos novos valores que conciliassem os dois mundos, o urbano e o rural.

O ruralista nascia e crescia cercado de sugestões, livros, revistas, além de uma concepção de mundo que glorificava os valores urbanos ao mesmo tempo em que desprestigiava os rurais, identificados como sinônimo de atraso e inferioridade. A proposta de Freyre era a de que professores, médicos, clérigos, homens públicos e intelectuais de uma forma em geral juntassem seus esforços ao do agrônomo, no sentido de valorização da vida rural, buscando no passado brasileiro a história reconstruída de valores positivos que deram origem a cultura nacional. Citaremos, pois, uma passagem do texto “Os Brasis pobres em face dos Brasil ricos” do livro de 1968 em que Freyre discorre sobre esse assunto:

“Como líderes em potencial de comunidades rurais, professores, padres, agrônomos, veterinários, médicos, farmacêuticos rurais e, até certo ponto, magistrados e advogados – em geral, transeuntes nos meios rurais, ainda mais que as professoras e os padres – em vez de se comportarem nessas comunidades como exilados de olhos voltados nostalgicamente para meios urbanos, devem integrar-se o mais possível nelas. Dada a atual disparidade entre meios urbanos e meios rurais no Brasil, tais atividades guardam ainda, quando exercidas em meios rústicos, alguma coisa de ação ou esforço missionário. E a atividades desses missionários deve ser a de profunda identificação e simpatia com os meios rurais, com sua gente, seus problemas, suas angústias, com as artes domésticas, populares, folclóricas peculiares a esses meios, como a da renda em Caruaru, por exemplo, a da cerâmica em Taquaratinga, a de trabalhos de palha em Águas Belas, a de bonecas de pano em vários povoados do Nordeste, e também de identificação uns com os outros – agrônomos com padres, veterinários com professores, médicos com zootécnicos, farmacêuticos com advogados – pois nenhum desses trabalhos em meio rural alcançará êxito, senão sob a forma de esforços que de técnicos se alarguem em campanhas sociais: esforços de cooperação sociologicamente orientados e para os quais deve concorrer toda gente mais culta” (FREYRE, 1968: 87-88). Freyre pedia que se propagasse a origem rural de grandes homens, como Santos Dumont, Prudente de Morais, Joaquim Nabuco, Epitácio Pessoa, entre outros, além da “inspiração rural ou agreste de grande parte da música de Villa-Lobos” (FREYRE, 1968:90). O esforço de valorização de tais homens “autenticamente grandes” e de suas criações, “autenticamente brasileiras em seus motivos, em suas raízes, em seus efeitos mais profundos” (idem: 91), era o resgate do que se constituía no mais genuíno da cultura brasileira. Para o autor, valorizando-se o rural da cultura brasileira em detrimento do esquecimento desse em razão da glorificação dos elementos urbanos de importação, estaríamos conservando ao mesmo tempo elementos éticos e de possibilidades intelectuais e estéticas rusticamente brasileiros, guardados pela gente rural. Tais elementos, alimentados pelas constâncias rurais da nossa vivência, eram constantes e não transitórios. Deveríamos, então, exaltar elementos de valor permanente e não reflexo de modas ou caprichos metropolitanos que importávamos de outras civilizações e que não vinham correspondendo ao desenvolvimento simplesmente material ou técnico que nos dava a aparência (FREYRE, 1968).

O sociólogo pernambucano sugeria também que, para a divulgação dessa cultura nacional, era preciso que, além da moderna expansão do rádio, do cinema, do tráfego aéreo e terrestre – com a melhoria das estradas de chão e de ferrovias – nos sertões de países da extensão do Brasil, os governos e particulares, donos de empresas ou indústrias rurais,

fizessem chegar às populações do interior um maior número de livros e revistas de qualidade, além de eventos culturais como teatro, cinema e concertos também de qualidade para que o homem rural não precisasse deixar o campo para conhecer a cultura brasileira restrita às cidades. Dizia Freyre que “o brasileiro do interior é(ra) quase sempre um São Tomé que quer(ia) tocar com os dedos nos valores urbanos” (FREYRE, 1995: 166).

Para a implementação dessa política cultural, seriam necessárias a consolidação e a condensação administrativa de dois ou três municípios em um só, criando-se assim os centros transmunicipais, o que seria possível por meio da melhoria das condições de transportes. “Esses centros transmunicipais de cultura, assistência e recreação dariam vida intelectualmente nova ao interior do Brasil, mostrando às populações rurais que elas têm direito ao contato vivo, direto, pessoal com o que a inteligência, o saber e a arte do país têm de melhor” (FREYRE, 1982: 87).

Raimundo Santos já observara em textos já citados12 que, para Gilberto Fryere, o Brasil tinha sua vocação de “política social” na rurbanização dependente de uma “vontade política” bem descondicionada. Ou seja, Freyre atribuía a concretização da política rurbana aos poderes governamentais, apostando a realização dessa idéia nas convicções dos homens públicos que, em geral, seriam sensíveis aos valores do rurbanismo proposto pelo sociólogo pernambucano.

Dessa forma, numa espécie de boa vontade nacional, Freyre esperava que os governos, os homens públicos e o congresso nacional, além de grandes empresários, formulassem políticas de ocupação de espaços rurbanos:

“Neste sentido é o meu apelo: no sentido de liderarem os industriais paulistas um movimento de integração de atividades industriais paulistas um movimento de integração de atividades brasileiras, agora desarticuladas, que faça deles, mais do que líderes de uma atividade particular, substitutos de estadistas, aos quais estão faltando olhos para ver e ouvidos para ouvir as terríveis advertências bíblicas que só faltam estourar-nos os olhos e arrebentar-nos os ouvidos. É preciso que os industriais brasileiros – sobretudo os paulistas – assumam essa responsabilidade, assistidos ou orientados por cientistas sociais; e unidos numa vasta obra intranacional de engenharia social” (FREYRE, 1968: 122)

E continuava o autor na página seguinte do texto acima citado:

12 Nos textos de 2001, Rurbanização e Revolução Agrária em Dois Registros Clássicos, e 2006, Rurbanização

“Pois tudo indica poder o Brasil tornar-se uma saudável civilização rurbana, através de inteligente articulação ou integração de tais valores. Articulação ou integração que se opere através de cuidadoso esforço de engenharia social, em que – repita-se – os cientistas sociais colaborem com os líderes das indústrias, os líderes das indústrias com os líderes operários, os homens de governo com os particulares, numa obra verdadeiramente de conjunto que além de integração nacional seja de integração humana” (FREYRE, 1968: 123).

Uma das grandes responsabilidades dos líderes brasileiros, para Freyre, era a de promoverem a diminuição da distância tanto física quanto social entre as populações rurais e urbanas assim como as de diferentes regiões do país, não procurando uniformizá-las segundo um padrão considerado arbitrariamente como superior – e aqui Freyre se referia ao paulista – mas buscando desenvolver nelas especialidades regionais de atividade econômica e cultural, colocando-as todas em plano nacional: um plano nacional que se estendesse do Norte ao Sul do país, sob o critério de que diferenças não só sócio-econômicas, mas também culturais não significassem inferioridades em face de superioridades, mas diferenças capazes de se complementarem, com vantagens para o vasto sistema nacional constituído pelo Brasil (FREYRE, 1968).

A construção de Brasília teria sido, nessa argumentação, a grande oportunidade política e administrativa de se implementar o ideal rurbano. A cidade levantada no centro do país, interligando as várias regiões brasileiras, teria sido a solução genuinamente nacional encontrada para o programa de desenvolvimento brasileiro. No entanto, para Freyre, e essa será nossa próxima discussão, faltou ânimo criativo em se buscar adaptações regionalmente brasileiras para a nova capital brasileira. Buscou-se, novamente, soluções importadas de outras realidades que foram mal ajustadas no nosso trópico.

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