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Capítulo III – COMPETÊNCIA CAUTELAR DO TRIBUNAL ARBITRAL

1. PROVIDÊNCIAS CAUTELARES NO PROCESSO ARBITRAL

1.3 O papel do Tribunal Estadual no exercício da competência cautelar do Tribunal

Os sistemas jurídicos vanguardistas na arbitragem fundamentam-se no reconhecimento do princípio genérico de intervenção mínima e/ou excepcional dos tribunais judiciais na atividade arbitral239.

Assim foi no caso Chambre arbitrale de Paris v. République de Guinée240, em que a Corte entendeu que as partes, ao submeterem seus diferendos a resolução de um árbitro, substituindo a justiça pública pela privada, aceitam o preceito da intervenção mínima do tribunal judicial, inerente a arbitragem.

Trata de princípio essencial a eficácia da arbitragem, pois permite o transcorrer do processo de acordo com a vontade das partes ou sob a condução do tribunal arbitral e sem

234 NUNES, Pedro Caetano. Arbitragem ..., pp.104-106; BARROCAS, Manuel Pereira. Lei da ..., p. 97;

SILVA, João Calvão da. Tribunal arbitral e providências cautelares. 2008. p. 106.

235 GOUVEIA, Mariana França. Curso de ..., p.224; LEW, Julian M.; MISTELIS, Loukas A., KRöLL,

Stefan Micheal. 'Chapter 23 Interim and conservatory Measures'. 2003. p. 598.

236 Posicionamento verificado no art. 1696º n.º 1, do Código Judicial belga 237 É o que se extrai do art.º 593 do CPC alemão (ZPO).

238 SILVA, Paula Costa. A arbitrabilidade ..., pp. 2-3.

239 PASCUAL, Sala Sánchez. El principio de mínima intervención judicial en el arbitraje y sus principales

manifestaciones. 2016, pp.335-337.

ter que lidar com qualquer problema relacionado à ação judicial interlocutória241.

No que concerne às providências cautelares, é pacífico que o pedido de uma medida cautelar ao tribunal comum, antes ou durante um processo arbitral, bem como o decretamento de tais medidas pelo referido tribunal, não é incompatível com a convenção de arbitragem242.

Isto é, a formalização de uma convenção de arbitragem não implica em exclusão de competência do tribunal estadual para apreciação do pedido cautelar, pois, se assim o fosse, ao coibir a parte de buscar ao tribunal judicial para haver resguardado o seu direito, estaríamos negando o direito constitucionalmente previsto de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva243.

Considerando natureza urgente das providências cautelares, agregada a plenitude de jurisdição dos tribunais estaduais, a solução que se revela mais adequada a proteção dos interesses do requerente da medida cautelar, sem sombra de dúvidas, é o reconhecimento de uma competência concorrencial entre os tribunais arbitrais e judiciais. Isso porque obstáculos de ordem formal ao exame do pedido cautelar consiste sério prejuízo a necessária célere apreciação e consequente adoção da providência cautelar244.

O art. 17.º J da Lei-Modelo da UNCITRAL reconhece ao tribunal estadual competência para decretar providências cautelares no âmbito de um processo arbitral, de acordo com os seus próprios procedimentos.

Nesse sentido, dentre outras legislações, tanto a lei de arbitragem espanhola assim como a lei de arbitragem voluntária portuguesa dispõem que o requerimento de providências cautelares perante tribunais judiciais não é incompatível com a convenção de arbitragem em si, de modo que, face a competência concorrente do tribunal arbitral e do tribunal judicial, a escolha por um ou por outro será uma questão de estratégia processual da parte requerente245.

Fundamentadas no preceito da intervenção mínima do tribunal judicial,

241 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. 2014, pp. 2186 - 2196.

242 Vide art. 9.º da Lei-Modelo da UNCITRAL. O mesmo é assegurado na lei alemã (art. 1.033.º do ZPO),

no Código Judicial belga (art. 1679.º, n.º2), CPC francês (art. 1449.º), entre outros dispositivos legais; Também nesse sentido, convém mencionar o acórdão do TRÉvora, de 29/01/2009. Proc. n.º 2985/08-2.

243 Cfr. art. 20.º, nºˢ 1, 4 e 5 da CRP; A garantia constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional

efetiva foi utilizada pelo TRL para apreciar e julgar pedido cautelar apresentado por empresa portuguesa contra empresa espanhola, enquanto o processo arbitral transcorria em Paris - cfr. o acórdão do TRL, 02/12/2003. Proc. n.º 6985/2003-7.

244 SILVA, Paula Costa. A arbitrabilidade ..., p. 11.

ordenamentos jurídicos246 e até mesmo alguns regulamentos de instituições arbitrais247 admitem a competência judicial concorrente, entretanto, restringem apoio judicial à circunstâncias específicas248.

Apesar de reconhecer a dualidade de competências cautelares, ao contrário do que ocorre com a competência do tribunal arbitral face o caráter privado convencional da arbitragem, não é permitido às partes excluírem, ainda que por acordo, a competência cautelar do tribunal judicial249.

Em sede de providências cautelares, a cooperação do tribunal judicial resta evidenciada quando, uma vez decretada a medida, esta não é voluntariamente cumprida pela parte requerida, momento em que o juiz interferirá, promovendo atos coercitivos, para que a providência possa ser realmente concretizada250.

A depender do caso concreto, mesmo após a constituição do tribunal arbitral, o recurso direto ao tribunal judicial pode-se mostrar recomendável, uma vez que o tribunal judicial é capaz, desde logo, de executar a medida cautelar251.

Há hipóteses que a via judicial não é obrigatória como, por exemplo, quando os efeitos práticos do decretamento de uma providência cautelar refletem no direito de terceiros estranhos à arbitragem, pois a jurisdição arbitral está delimitada às partes que firmaram a convenção de arbitragem252.

Contudo, em qualquer circunstância, o recurso a tutela judicial como elemento de apoio ao procedimento cautelar arbitral deve ser utilizado de forma ponderada, sob pena de prejudicar o bom funcionamento da arbitragem253.

Ademais, a competência concorrente do tribunal judicial para decretamento de providências cautelares suscita dúvida sobre a possibilidade ou não de um tribunal arbitral

246 O art. 5.º da Lei-Modelo da UNCITRAL limita a intervenção dos tribunais estaduais na arbitragem

quando dispõe que sua atuação somente está autorizada nos casos expressamente previstos nesta lei; Adotam o mesmo entendimento o art. 19.º da LAV e o art.7.º da LAE.

247 Regulamento da LCIA (art.25.3) quando menciona “casos excepcionais” e o Regulamento da ICC

(art.28.º, n.º2) ao aludir “circunstâncias apropriadas”.

248 LEW, Julian M.; MISTELIS, Loukas A., KRöLL, Stefan Micheal. Comparative International

Commercial Arbitration. 2003. p.618.

249 RISUEÑO, Francisco Ruiz. Los Árbitros. …, p.118.

250 MIMOSO, Maria João. Arbitragem do ..., p.333; O art. 27.°, n.°1 da LAV prevê que a providência

cautelar arbitral pode ser coercitivamente executada

251 PINHEIRO, Luís de Lima. Arbitragem Transnacional ..., p.87.

252 ROZAS, José Carlos Fernández; LORENZO, Sixto A. Sánchez; STAMPA, Gonzalo. Principios …,

p.112.

253 PINHEIRO, Luís de Lima. Arbitragem Transnacional …, p.87; GOLDMAN, Fouchard Gaillard.

International …, p.710; LEW, Julian M.; MISTELIS, Loukas A., KRöLL, Stefan Micheal. Comparative …, p.593

poder modificar providência cautelar decretada pelo tribunal judicial e vice-versa254

O juiz, em qualquer hipótese, somente deve decretar providência cautelar em auxílio à arbitragem e, apesar de, em regra, a medida decretada por um ser respeitada pelo outro255, há situações em que a modificação e/ou a revogação são deliberações que se impõem256.

É pacífico o entendimento de que os tribunais judiciais não dispõem de poderes para revogar medidas cautelares decretadas pelo tribunal arbitral, entretanto, a lei de arbitragem voluntária portuguesa257, por exemplo, admite que o tribunal estadual

modifique providência cautelar arbitral se, e somente se, sem qualquer discricionariedade, para adaptar a medida à sua competência ou ao seu regime processual, sem, todavia, realizar uma revisão de mérito258.

Em contrapartida, há controvérsia sobre a outorga de poderes aos tribunais arbitrais para revogar ou modificar providências cautelares determinadas pelos tribunais judiciais, pois, em se considerando viável, poderia ocasionar problemas complexos de compatibilização de regimes jurídicos, não havendo posicionamento uniforme sobre a matéria.

254 STAMPA, Gonçalo. El juez de apoyo al arbitraje: nombramiento judicial de árbitros, práctica de

pruebas y adopción de medidas cautelares. La nueva Ley de arbitraje. 2006, p.190.

255 BARROCAS, Manuel Pereira. Algumas notas sobre medidas cautelares no direito comparado da

arbitragem. 2011, pp.495-496.

256 RISUEÑO, Francisco Ruiz. Los Árbitros …, p.119. 257 Cfr. art.28.°, n.°1, b), i) da LAV.