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O Paradigma do País de Origem das Multinacionais Emergentes

2.2 A Importância das Competências Organizacionais para as Multinacionais

2.2.4 O Paradigma do País de Origem das Multinacionais Emergentes

A teoria econômica clássica explica o êxito dos países com base nos fatores de produção, como terra e mão-de-obra. Os países obtêm vantagem comparativa nos setores que usam de forma intensa os recursos que possuem em abundância. Em contrapartida, a teoria da competitividade nacional (PORTER, 1990) tem como objetivo explicar por que determinado país reúne condições domésticas que garantem uma competitividade não baseada em custos, mas em qualidade, diferenciação e inovação.

Certas empresas localizadas em determinados países são mais propensas a criar inovações porque determinados países reúnem atributos que, isolados e sistematicamente, permitem a construção da vantagem nacional sustentada. Esses atributos são em número de quatro: condições dos fatores; condições da demanda; setores correlatos e de apoio; e estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. Constituem as quatro arestas do que Porter (1990) chama de ‘Diamante da Vantagem Nacional’.

Cerceau (2001) mostra, por exemplo, que o investimento da Gerdau no exterior, se não foi favorecido por todas as arestas do diamante da vantagem nacional, pelo menos teve nas condições dos fatores, tais como os recursos humanos e os naturais, o elemento essencial para o crescimento da empresa e sua expansão internacional.

Borini et al. (2006) encontrou sustentação na teoria da vantagem das nações para explicar os investimentos internacionais da CSN. A decisão da CSN de instalação de uma subsidiária nos EUA e outra em Portugal foi uma tentativa de acesso às fontes de vantagens dos “diamantes” americano e europeu. Os mercados apresentavam as condições da demanda e da competitividade favoráveis; eram os principais receptores de exportação da companhia e, embora existisse uma forte concorrência, essa dinamizava a constante atualização tecnológica do processo produtivo. Por outro lado, na opinião de alguns especialistas, os negócios, principalmente em solo norte-americano, necessitavam de confiança quanto à rentabilidade futura, em razão da debilidade dos fatores de produção da indústria e da deficiência dos setores correlatos.

Entretanto, outra corrente de estudiosos concorda plenamente com o preceito de Doz, Santos e Williansons (2001) de que não existe o conceito de empresa que “nasce no lugar errado”. Nessa perspectiva de que não existe lugar errado para nascer, o ponto que chama a atenção é a origem das multinacionais emergentes como offshoring de multinacionais tradicionais, dentro da lógica das cadeias globais verticais de produção (FLEURY; FLEURY, 2005; BONAGLIA, GOLDSTEIN, 2007).

O fenômeno das global value chain (GVC), associado à queda de barreiras e custos de transportes e a interligação dos negócios mundiais, por meio do avanço da telecomunicação, permitiu que um grande número de multinacionais tradicionais fizessem a opção estratégica e operar offshoring nos países em desenvolvimento (GEREFFI; HUMPHREY; STURGEON, 2005). Assim, muitas empresas offshoring das multinacionais tradicionais acabaram se tornando multinacionais emergentes. Os fatores precursores da internacionalização não foram os fatores de inovação do local, ou seja, as vantagens competitivas nacionais oriundas dos clusters nacionais, mas inicialmente a tradicional vantagem comparativa baseada em custos baixos de acesso aos recursos físicos e de mão-de-obra.

Dentro da lógica das GVC, as empresas nos países em desenvolvimento responsáveis pelas tarefas de manufatura capitalizaram-se sem exposição ao risco de atividades de marketing, P&D e distribuição. Com o crescimento da economia de mercado dos países emergentes, tais como os do BRIC, aliado à maior competitividade e achatamento das margens de lucro para atividades de menor valor agregado, muitas empresas que anteriormente operavam como

simples offshoring de atividades de manufatura (BONAGLIA; GOLDSTEIN, 2007; SIM; PANDIAN, 2003), passaram a desenvolver seus produtos (Original Design Manufatures) e, em alguns casos, avançaram mais, a ponto de operar com marca própria (Original Brand Manufactures) (BONAGLIA; GOLDSTEIN, 2007).

Entretanto, o desafio de uma marca global é muito maior que o da simples subcontratação para manufatura. Não tendo uma marca global, as multinacionais emergentes que decidiram seguir este curso precisaram adquirir recursos como reputação e reconhecimento para se equiparar às multinacionais tradicionais oriundas dos países desenvolvidos. Tal fenômeno deu origem a um processo de internacionalização em busca da constituição de uma operação mundial com marca global (BONAGLIA; GOLDSTEIN, 2007).

Bonaglia e Goldstein (2007) investigaram três empresas multinacionais emergentes do setor de linha branca, a saber, a chinesa Haier, a turca Arçelik e a mexicana Mabe. Todas são multinacionais emergentes offshoring de grandes multinacionais tradicionais e investiram fortemente em P&D e inovação, introduzindo sucessivamente substanciais mudanças no processo e produtos como forma de se atualizar na competição global (BONAGLIA; GOLDSTEIN, 2007). Suas filias estrangeiras adotaram numerosas inovações, associadas a uma intensiva busca de recursos tecnológicos que as multinacionais emergentes não possuíam nas suas operações domésticas. Isso mostra que a aquisição e o desenvolvimento de competências em subsidiárias estrangeiras é uma premissa essencial para a competitividade das multinacionais emergentes.

Não se restringindo ao enfoque das subsidiárias sub-contratadas, Bartlett e Ghoshal (2000) compartilham de semelhante idéia: as multinacionais emergentes precisam subir na curva de valor. Os autores defendem a premissa que o sucesso das multinacionais emergentes depende da parte da curva de valor escolhida para atuar.

A curva de valor possui dois eixos: (x) a complexidade tecnológica e de marketing e (y) a margem bruta. Quanto maior a complexidade, maior a margem. Os autores exemplificam com a indústria farmacêutica, que parte de substâncias intermediárias em grandes volumes e chega à descoberta de novas fórmulas químicas com alto valor agregado e margem bruta de 60 a 100%.

As empresas de países periféricos hesitam em subir a curva de valor, competindo exclusivamente por baixos custos, pois há um problema de limitação do mindset do corpo executivo das empresas: os gerentes não têm confiança em suas habilidades gerenciais para subir a curva de valor ou não têm coragem de comprometer recursos para vencer esse desafio. A solução seria a perspectiva geocêntrica, alinhada aos modelos de rede diferenciada e metanacional. Essa mesma solução permite superar a segunda justificativa para o fato de a empresa não subir na curva de valor: “nascer em lugar errado”.

Teixeira (2007), em sua dissertação de mestrado a respeito das competências essenciais para a internacionalização das empresas multinacionais brasileiras em comparação com multinacionais estrangeiras, concluiu que não foi possível identificar competências organizacionais essencialmente brasileiras e fortemente relacionadas à internacionalização. O estudo não constata vantagens no fato de a empresa ser brasileira. Conclui que não é a origem que determina o sucesso internacional, mas o grau de exposição a desafios em mercados competitivos, os quais exigem o desenvolvimento de competências equivalentes. Assim, a internacionalização da empresa seria mais favorável ao desenvolvimento de competências organizacionais do que a origem da empresa, em especial nas empresas pertencentes a determinados setores dinâmicos da economia global.

Nem todas as multinacionais “nascem no lugar certo”. Cabe a elas adquirir e integrar recursos em outros países por meio de suas subsidiárias, que deveriam ser responsáveis pelo desenvolvimento de competências locais, mas, sobretudo, de competências não-locais, para garantir o ciclo de competências, essencial à sobrevivência da corporação ao longo do tempo. A competência não-local poderia ser transferida para a matriz, uma vez que as condições da subsidiária proporcionariam o desenvolvimento de competências não-locais. Entretanto, tal como quando a matriz transfere uma competência para a subsidiária, a competência transferida da subsidiária para a matriz sofreria uma descaracterização, dadas as necessidades, contingências e dinâmicas de adaptação da empresa, constituindo-se ao longo do tempo numa competência local ou específica. Caberia então à matriz reinventar as competências para torná-las novamente não-locais e transferi-las para as subsidiárias.

Logo, a sobrevivência ao longo do tempo das multinacionais emergentes depende não somente de competências desenvolvidas na matriz, mas também do desenvolvimento de

competências nas subsidiárias e da constante transferência de competências entre as unidades da rede corporativa da multinacional.