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O CONCEITO DE NATUREZA EM ARISTÓTELES

1 O pensamento metafísico e o conceito de natureza

1.1 A técnica enquanto metafísica

Vivemos na época da técnica. A técnica hoje não diz apenas do que é produzido pelo homem artesanal ou industrialmente, mas fala antes do modo como “a figura do trabalhador mobiliza o mundo” (JÜNGER, 2002, p. 191). Na época atual, o trabalho alcança status metafísico de objetificação incondicional de tudo o que existe e que se essencia como vontade, mais precisamente como vontade de vontade.

Tal expressão nos remete ao horizonte da filosofia de Nietzsche enquanto vontade de poder, isto é, ao fim da filosofia entendida como metafísica. Nesse sentido, a técnica é a última imagem da metafísica enquanto história do esquecimento do sentido do ser, e quiçá sua culminação: esquecimento do esquecimento.

Em sua essência a filosofia é tão originariamente ocidental que carrega dentro de si o fundamento da história do Ocidente. E é unicamente desse fundamento que nasce a técnica. Só existe uma técnica ocidental. Ela é a conseqüência da filosofia e nada além disso (HEIDEGGER, 1998, p. 3).

Isso significa que, no fim da metafísica, o ser do ente no seu todo é marcado pela técnica. Em outras palavras, ser algo significa ser produto. Nesse contexto, existir não mais significa deixar ser, mas antes querer dominar e controlar: vontade de poder. E a vontade de poder não quer nada senão mais poder.

Só que, se por um lado, um tal processo de objetificação técnica do ente no seu todo, fundado na vontade de poder, é condição de progresso, por outro lado, ele aparece como fonte de perigos. A técnica, então, se revela como o perigo extremo do ser humano: ela se manifesta em que tudo quanto é mundo, inclusive o próprio homem, venha a ser produzido tecnicamente.

Breisgau. Em 1927, publicou Ser e Tempo, obra que se tornou referência no pensamento contemporâneo. Orientou seu pensamento em direção a uma superação da metafísica, procedendo a uma releitura de toda a tradição filosófica. Faleceu em 1976.

O homem é a matéria-prima mais importante porque permanece o sujeito de todo e qualquer uso e abuso [...] Na era em que apenas o poder tem poder, isto é, na era da afluência incondicional dos entes ao abuso do consumo, o mundo torna-se sem- mundo na mesma medida em que o ser ainda vige, embora sem vigor próprio (HEIDEGGER, 2001, p. 80).

Os produtos da técnica aparecem, então, como desumanizados porque

desmundanizados: o mundo já não “munda”. Um perfume, por exemplo, já não mais perfuma, mas é tomado unicamente como objeto, instrumento de conquista e dominação do outro. Esquece-se com isso o que seja propriamente perfume. Em outras palavras, perde-se o sentido do seu ser.

Esse esquecimento do sentido do ser, que está na origem da técnica e que já não é mais produzido pelo homem, ameaça, assim, a própria essência do ser humano. Dos produtos da técnica, que já não são sequer coisas, não faz mais sentido falar de nascer ou morrer. E o homem, tomado unicamente em vista da dominação e do controle, se torna tão produto quanto as batatas na agricultura moderna.

Diante do exposto torna-se necessário, segundo Heidegger, ultrapassar a metafísica mediante o retorno a um modo anterior àquele que se iniciou com a técnica. Mas se a técnica é a fase terminal da história do ser, onde sua fase inaugural? Se a época da técnica é o esquecimento do esquecimento, onde propriamente o início do esquecimento? Em outras palavras, onde o início da metafísica?

Metafísica se diz, em grego, metà tà physiká. Na tradição filosófica, denominou-se Metafísica um conjunto de escritos de Aristóteles, ainda que, mais propriamente, o pensamento metafísico tenha sua origem com Platão e o platonismo. Cumpre, além disso, observar que a expressão grega metà tà physiká não ocorre em nenhum dos escritos de autoria de Aristóteles.

A mais antiga referência que temos a metà tà physiká remonta a Nicolau de Damasco, que viveu no século I a.C. e escreveu uma obra intitulada Acerca da

filosofia de Aristóteles, esta considerada a primeira apresentação sistemática do

pensamento de Aristóteles. Como, a partir dele, a expressão ocorre

constantemente, atribui-se sua origem ao trabalho de Andrônico de Rodes (REALE, 2001, p. 37).

Desde a morte de Teofrasto, sucessor de Aristóteles na direção do Perípatos, os escritos do Estagirita permaneceram ocultos na Ásia Menor e só foram

descobertos entre os anos 80 e 20 a.C, quando Andrônico de Rodes procedeu à sua sistematização e publicação. Nesta, a expressão Metaphysica designava apenas os tratados inseridos depois (metá) daqueles da Physika (phýsis, tá

physiká), e que Aristóteles denominava filosofia primeira (próte philosophía).

Filosofia se diz em grego: philía toû sophoû, isto é, amor ou amizade da sabedoria enquanto tó sophón. E o que seja propriamente tó sophón, isto é, aquilo que é

anterior à filosofia, quem o afirmou por primeiro foi provavelmente o pré-socrático Heráclito de Éfeso, a saber, que o uno é tudo – hén pánta (DIELS, 1960, p. 342). Assim, a transformação de tò sophón em philía toû sophoû marca o início da metafísica, o esquecimento do ser que caracteriza o Ocidente como ocidente e que desemboca hoje na técnica. E se somente o retorno ao início da metafísica pode preparar o advento de um novo modo distinto daquele que culmina com a técnica, então se torna necessário o retorno a Heráclito, passando por Aristóteles. Em seu escrito Sobre a essência e o conceito de Phýsis: Aristóteles, Physika B 1, Heidegger narra as tentativas de Aristóteles de apreender a essência da natureza que, na época da técnica, está completamente ofuscada e caiu em total esquecimento. À luz dessa obra, é possível se aclarar o conceito aristotélico de natureza enquanto phýsis, reconduzindo-o àquele modo originário tal como nomeado por Heráclito.

1.2 A Metaphysica e a Physika

Palavra fundamental do pensamento grego, phýsis foi traduzida pelos romanos como natura. O caráter fundamental dessa palavra se mostra em que, no Ocidente, ela sempre nomeou as relações essenciais do homem com esse ente que ele é e não é. De fato, a palavra “natureza” sempre esteve presente em cada diferente época da história ocidental, ainda que determinada de diferentes maneiras.

Não obstante essas diferenças, a palavra natureza sempre diz de uma interpretação do ente no seu todo. Ela não faz referência unicamente ao “ser do homem”, mas ao Ser entendido como “totalidade”. Por esta razão, “natureza se converte na palavra para o Ser, pois este é anterior a todos os entes, os quais se limitam a receber emprestado dele aquilo que são” (HEIDEGGER, 1983, p. 241). Portanto, compreendida a modo grego e originário de phýsis, a natureza diz sempre respeito a Ser. Apenas em uma abordagem posterior ou derivada, natureza refere-se a um ente em particular ou a uma determinada região de entes como, por exemplo, os entes naturais em oposição àqueles culturais ou espirituais.

Nesse sentido, a palavra natureza está presente naquela investigação que, desde o seu início com os gregos, o Ocidente faz sobre o Ser, a saber, a Metaphysica. O que é metafísica? “Metafísica é aquele saber no qual a humanidade histórica ocidental guarda a verdade sobre as referências ao ente no seu todo, assim como a verdade sobre o próprio ente” (HEIDEGGER, 1983, p. 242).

Mas a palavra natureza está presente não só na Metaphysica, mas também em um outro conjunto de escritos de Aristóteles denominado Physiké Akróasis, a saber, audição sobre a phýsis. Neste escrito, que foi traduzido pelos romanos simplesmente como Physica, Aristóteles, partindo de uma interpretação da phýsis, faz várias tentativas de captar o que seja propriamente a essência da natureza. Daí que os tratados de Aristóteles reunidos sob o título de Physiké Akróasis nada têm a ver com a Física moderna. Ainda não existe propriamente ciência física na Grécia, ao menos não como se a entende hoje. Pois a Física só pode existir como ciência moderna desde o tempo em que o homem é determinado como “sujeito”, o que só acontece tardiamente no século XVI.

A Physica de Aristóteles, portanto, significa tão-somente a tentativa empreendida por Aristóteles de escutar aquilo que Heráclito nomeou como natureza (phýsis), a saber, “o que a partir de si mesmo surge para o aberto e o livre e que, nesse surgimento, permanece e aparece, doando-se para o livre no aparecimento, embora sempre siga uma regra” (HEIDEGGER, 1998, p. 39).

Assim, não é propriamente em Aristóteles que se encontra o mais alto esboço pensante da essência da natureza (phýsis), uma vez que este se conserva nas sentenças de Heráclito, Parmênides e Anaximandro. Mas, por outro lado, é em Aristóteles que encontramos “uma ressonância do grande início da filosofia grega e do primeiro início da filosofia ocidental” (HEIDEGGER, 1983, p. 300).

Nisso a importância e a necessidade de se retornar a Aristóteles e à sua Physiké

Akróasis. Porque “a Física aristotélica é o livro fundamental da filosofia ocidental,

um livro indecifrado e que, por isso, nunca foi pensado de maneira suficiente e profunda” (HEIDEGGER, 1983, p. 242).

2 O conceito de natureza na Physiké Akróasis

2.1 A essência da natureza (phýsis) enquanto forma (morphé)

Segundo o próprio Aristóteles, a sua investigação acerca da natureza tem o caráter de epagogé. Esta palavra grega é geralmente traduzida por “indução”, e interpretada como o método que, observando entidades singulares e fatos particulares, classifica-os em vista de um elemento comum e universal. Contudo, uma tal compreensão, própria da ciência moderna, originariamente nada tem de grego.

Em Aristóteles, epagogé tem um sentido diferente daquele de indução. Isso porque ele não olha para o ente, nem comum nem individual, mas sim para o Ser. Assim sendo, epagogé significa antes “ver e fazer visível aquilo que está na mirada” (HEIDEGGER, 1983, p. 244), como, por exemplo, a arvoridade da árvore.

Ora, aquilo que rege toda árvore como árvore, não é, em si mesmo, um ente, a saber, uma árvore que se pode encontrar entre as árvores.

Nesse sentido, podemos dizer que a concepção aristotélica da natureza enquanto phýsis é ontológica e não ôntica. O conceito de natureza em Aristóteles se move em termos não de uma causalidade epistemológica no modelo de causa-efeito, mas antes em termos de causa originária (aitía) e, mais propriamente, da consideração do princípio (arché).

Dos entes (no seu todo), alguns procedem da natureza (phýsis), enquanto outros procedem de outras causas (aitíai); porém da natureza (phýsis) procedem, como dissemos, tanto os animais como seus membros, assim como as plantas e os elementos simples dos corpos como terra, fogo, ar e água (ARISTÓTELES, 1995, p. 59).

A natureza enquanto phýsis é, portanto, causa originária. E isso precisamente porque “todos os entes que procedem da natureza têm em si mesmos o princípio de mobilidade e de repouso” (ARISTÓTELES, 1995, p. 60). Cumpre ressaltar que, no pensamento de Aristóteles, o conceito de natureza está sempre associado ao de mobilidade (kínesis) e de mudança (metabolé).

De fato, nos tratados de sua Physiké Akróasis, Aristóteles nomeia a própria natureza como princípio de mobilidade do que se move por si mesmo.

A phýsis é arché, a saber, partida para e disposição sobre a mobilidade e o repouso, e precisamente de algo que se move e que tem esse arché nele mesmo” (HEIDEGGER, 1983, p. 247).

E, seguindo Aristóteles, pode-se completar uma tal clarificação do conceito de natureza, observando que natureza não é somente princípio (arché), mas também é essencialmente forma .

Em um sentido, portanto, natureza (phýsis) se diz deste modo: a matéria (hýle) que subjaz de antemão aos entes que têm em si mesmos o princípio de mobilidade e de mudança. Em outro sentido, porém, natureza é a forma (morphé) e o aspecto (eîdos) que se mostra quando se a interpela (ARISTÓTELES, 1995, p. 63).

A palavra grega morphé é geralmente traduzida por “forma”. Ainda que cientificamente correta, esta tradução se presta a concepções errôneas, sobretudo quando se considera forma em oposição a matéria. Em sua investigação, contudo, Aristóteles é claro ao apontar que forma deve ser entendida essencialmente como aspecto .

Tal afirmação nos provoca a uma outra compreensão de forma e aspecto que não aquela metafísica compreendida a partir de oposições. Sendo assim,

eîdos significa o aspecto de uma coisa e de um ente como tal, mas o aspecto enquanto a perspectiva, a visão, vista, idéa, que oferece e só pode oferecer

porque o ente se expõe sob esse aspecto e, estando ali, se apresenta, quer dizer, é (HEIDEGGER, 1983, p. 275).

Tal associação indicada pelo próprio Aristóteles entre aspecto e forma nos leva a conceber esta última não mais como uma propriedade como que sobrenatural presente na matéria, mas antes como uma tomada de forma no apresentar-se. Uma tomada de forma que se dá tanto a modo de presenciação como a modo de mobilidade (kínesis). Nesse sentido, a presenciação está ligada a visibilidade, isto que é garantido pela forma.

Tais considerações possibilitam uma compreensão da natureza a partir do que os gregos indicavam com a palavra alétheia. Esta palavra fundamental grega, ainda que traduzida pelos romanos simplesmente como “verdade” (veritas), guarda um significado de desvelamento e desencobrimento, possibilitando, assim, uma leitura alética (desvelante) da natureza.

A presenciação diz do modo fundamental de mobilidade que vai da ausência para a presença, e que implica em surgimento, emergência, presentação, mostração; permitindo assim a manifestação de algo que estava oculto e ausente. Uma tal compreensão acentua justamente o caráter emergencial dos entes, tanto no sentido de aflorar como de florescer.

Na atualidade, temos que conseguir duas coisas: nos livrarmos da opinião de que o movimento é antes de tudo uma mudança de lugar, e chegar a entender que para os gregos o movimento, na sua qualidade de modo de ser, tem o caráter de vinda à presença (Heidegger, 1983, p. 249).

Ora, uma tal compreensão da natureza como surgimento e emergência é justamente o que nos oferece o caráter fundamental que a distingue essencialmente da técnica. Esta distinção corta, por assim dizer, pela raiz qualquer possibilidade de interpretação do movimento da natureza como produção, uma vez que esta sempre pressupõe um princípio externo como causa de mobilidade e mudança.

E, mais do que isso, a compreensão da natureza como surgimento e emergência nos oferece a possibilidade que permite o ultrapassamento da técnica, uma vez que instaura uma estância originária (ousía) que permite às coisas ser e se mostrar como são, totalmente fora da dominação e do controle próprios da época da técnica. Em outras palavras, um espaço extremamente importante onde nada ainda é agenciado, padronizado ou transformado em produto.

2.2 A essência da natureza (phýsis) enquanto ausência (stéresis)

Numa primeira abordagem, observou-se como, a partir da consideração de sua essência como essência, enquanto forma, a natureza encontra o seu sentido no

surgir e no presentar-se, isto é, em colocar-se na presença de e tornar-se visível. Nesse sentido, natureza é essencialmente manifestação. Observou-se também como esta afirmação permite a Heidegger uma leitura “alética” da natureza.

Só que, no pensamento de Aristóteles, pertence à verdade (alétheia) da natureza não apenas o elemento de manifestação, mas igualmente um elemento de velamento (léte). A partir disso, em se tratando da essência da natureza, torna-se necessária agora a investigação a respeito do local onde é possível se vislumbrar esse momento velado (lético).

A natureza (phýsis) é certamente forma (morphé). Porém, a forma (morphé) e a natureza (phýsis) se dizem de dois modos, pois também a ausência (stéresis) é, em certo sentido, aspecto (eîdos) (ARISTÓTELES, 1995, p. 65).

A palavra grega stéresis é geralmente traduzida como “privação” ou “ausência”. Segundo essa tradução, ela é sempre compreendida metafisicamente como o mero contrário do estar aí presente. Só que, para Heidegger, a ausência aristotélica enquanto ausentar-se (Abwesung) deve ser compreendida em direção ao seu presentar-se (Anwesung).

Stéresis enquanto ausentar-se (Abwesung) não é simplesmente estado de

ausência (Abwesenheit), mas antes presentar-se (Anwesung), a saber, de tal modo que nele propriamente se apresenta (anwest) o ausentar-se e não o que está ausente (HEIDEGGER, 1983, p. 297).

Se assim é, então a ausência não significa originariamente carência ou ausência de algo que estava presente, mas antes diz respeito à própria constituição da presença. Tudo só pode faltar quando o próprio faltar se constitui igualmente ser, pois, como escreve Aristóteles, também a ausência é um certo tipo de aspecto . Nesse sentido, o próprio “poder estar ausente” é condição, a saber, um presentar- se no qual precisamente se presenta o ausentar-se. Nisso verificamos, então, que a mobilidade (kínesis) ela mesma já sempre possui em si mesma um elemento de ausência, esterético, privativo, quiçá correspondente ao que se denomina alfa privativo da palavra grega alétheia.

Por esta razão, Aristóteles afirma que na ausência se oculta a essência da natureza. E justamente nessa afirmação se estabelece uma ponte entre Aristóteles e Heráclito de Éfeso, o pensador que fala desde o grande início da filosofia grega e no primeiro início da filosofia ocidental. Mas o que diz Heráclito acerca da natureza pensada assim inicialmente?

Em um dos fragmentos de suas sentenças, mais precisamente o de número 123 na edição organizada por Hermann Diels, Heráclito de Éfeso diz: phýsis phîlei

krýptesthai (DIELS, 1960, p. 462). Quando de sua tradução para a língua

portuguesa, alternam-se duas possibilidades: “a natureza ama ocultar-se” e “surgimento tende ao encobrimento”.

A sentença de Heráclito nos fala a partir da natureza (phýsis) originária, a saber, a

phýsis enquanto acontecência do Ser. Ela é anterior a qualquer investigação

objetivante, de modo que a natureza descrita por Aristóteles como ser do ente é apenas como que uma débil ressonância. E sua anterioridade consiste justamente nisso, que ela tende ao encobrimento (krýptesthai phîlei).

O encobrir-se (Sichverbengen) pertence à pré-dileção do Ser, isto é, faz parte daquilo no qual ele fixa a sua essência. E a essência do Ser é descobrir-se (entbergen), abrir-se (aufzugehen), vir à luz para dentro do não-oculto – phýsis (HEIDEGGER, 1983, p. 300).

Heráclito fala do auto-ocultamento originário da natureza , o como que abismo a partir do qual ela surge. Enquanto elemento constitutivo, um tal auto-ocultamento não é nunca superado, mas encontra-se sempre resguardado, uma vez que ele próprio guarda e protege tudo quanto surge, vem à luz e aparece no seu sentido.

Por isso, não se trata de superar o krýptesthai da phýsis e de eliminá-lo, mas antes o que cumpre fazer é muito mais difícil: deixar ser krýptesthai enquanto pertencente à phýsis e em toda sua essencialidade. Ser é o desencobrir que se encobre: phýsis em um sentido inicial (HEIDEGGER, 1983, p. 301).

Assim, a natureza pensada originariamente por Heráclito, anterior à qualquer metafísica, fala do descobrir-se encoberto. Nesse evento recebe força e sentido a investigação aristotélica acerca da natureza , em sua dupla articulação de forma e ausência . E nesse acontecimento a filosofia enquanto philía toû sophoû é reconduzida à unidade do tò sophón.

Torna-se, portanto, sem sentido buscar, no conceito de natureza em Aristóteles, a compreensão da verdade da natureza. Pois verdade enquanto alétheia já não fala de um caráter epistemológico, como daquilo que pode ser conhecido pelo homem, mas antes diz do Ser ele mesmo onde, originariamente, natureza é verdade (alétheia).

Referências

ARISTÓTELES. Metafísica. Texto greco a fronte. Trad. Giovanni Reale. Milano: Rusconi Libri, 1993.

ARISTÓTELES. Fisica. Texto greco a fronte. Trad. Luigi Ruggiu. Milano: Rusconi Libri, 1995.

BITTAR, Eduardo C. Curso de filosofia aristotélica: leitura e interpretação do pensamento aristotélico. São Paulo: Manole, 2003.

DIELS, Hermann. Die Fragmente der Vorsokratiker: griechisch und deutsch. 10. ed. Berlin: Weidmannsche, 1960.

HEIDEGGER, Martin. “Vom Wesen und Begriff der : Aristóteles Physik B I”. In: Wegmarken 1919-1961). Gesamtausgabe Band 9. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1983.

HEIDEGGER, Martin. Heráclito: a origem do pensamento ocidental. Lógica: a doutrina heraclítica do logos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998. HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001.

JÜNGER, Ernst. “A mobilização total”, in: Revista Natureza Humana, v. 4, n. 1, 2002, pp. 189-216.

LOPARIC, Zeljko. Heidegger. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores. 2004. (Col. Passo a passo).

REALE, Giovanni. Introdução a Aristóteles. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2001.

A IMAGEM DE NATUREZA E O PROJETO FÍSICO-MATEMÁTICO