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Este constituinte permite-nos relacionar a qualidade do relacionamento entre filho/a e pai/mãe, com as histórias de vida contadas pelos entrevistados, e perceber como a culpabilidade e inferioridade podem condicionar as atitudes destes e dos seus pais.

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Análise dos constituintes essenciais

Figura 2: Esquema dos mecanismos defensivos mais usados para gestão da

culpabilidade.

1. Desresponsabilização da decisão de institucionalizar

F1. “Então, o meu pai tinha tido um avc com 50 e poucos anos, estava em cadeira

de rodas, e a minha mãe tinha que cuidar dele. Entretanto, ela começou a ter algumas dificuldades de memória e de fazer as coisas básicas. Começámos a ver que ela não estava bem, foi a um neurologista e tinha um princípio de demência. Viviam os dois lá na aldeia, longe dos filhos (eu, um irmão e duas irmãs) e não podiam continuar sozinhos. Então, a minha mãe é que tratou de tudo.”

F2. “Isto tudo começou, a minha mãe esteve hospitalizada durante quase três

semanas, depois desorientou-se completamente, já não dizia coisa com coisa, mas entretanto no hospital recuperou, veio para casa. (…) a gente távamos a ver que ela

Culpabilidade NEGADA IDEALIZAÇÃO Desresponsabilização na decisão Contradições Racionalização

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sozinha estava mal e metemos ali uma rapariga a fazer os serviços da casa e a fazer-lhe algum tipo de comer, mas começámos a ver que não resultava, e então começámos a mandar vir o comer do lar e elas vinham cá fazer a limpeza e faziam essas coisas. (…) E então vimos que ela estava bem e ela começou a dizer “ah, eu faço o comer e pronto”, mas a gente ainda fomos a ver se arranjávamos uma pessoa para vir dormir (…), um dia de manhã cai, bate com a cabeça no guarda-fato, abriu a cabeça, (…) eu falei com ela e com a minha irmã e disse-lhe “oh mãe, você não pode estar aqui sozinha, o que é que quer fazer?”, “ah, eu vou pro lar, se me arranjares lugar no lar, eu vou pro lar”.

F3. “Ela estava em casa, ela tem uma dificuldade imensa em se locomover e faz

fisioterapia. Em casa tínhamos uma senhora que tratava dela, pagávamos imenso, pagávamos o dobro do que pagamos aqui, não tinha as condições nem de perto nem de longe que tem aqui. Essa senhora só estava lá até às 19, a partir daí a minha mãe ficava sozinha, quer dizer, ficava com o meu pai. Depois tinha crises grandes, fazia anemias, lá tínhamos que chamar o INEM. Numa dessas estadias dela no hospital, acabou por apanhar uma bactéria, esteve mal, depois voltou para casa. Esteve mal outra vez, e então chegámos à conclusão que não podia ser, porque ela em casa não tinha as condições, nós não conseguíamos dar-lhe as condições que ela precisava, que era estar sempre com alguém do lado e com alguém que soubesse cuidar dela e dar-lhe mais assistência. E então, eu e o meu irmão, e o meu pai, os três, resolvemos procurar uma instituição.

F4. “A decisão foi tomada porque ele [o pai]) veio do hospital, esteve hospitalizado em X, veio do hospital referenciado pela unidade da C. V. para recuperação; entretanto, não havia vagas, pediu-se a alguém que nos ajudasse e esteve três semanas no lar, numa enfermaria à espera da vaga, até que surgiu a ida para a C. V. para Y aí, esteve algum tempo, dois meses mais ou menos, e ao fim desses dois meses, foi transferido para Z para a C. V.. (…) aí, saiu numa situação em que tínhamos praticamente as esperanças perdidas que ele sobrevivesse porque estava mesmo, mesmo mal. Felizmente chegou a Z e ao fim de dias, começou a recuperar, ou porque teve outra assistência ou porque tinha mesmo de recuperar.

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F5. “Então a minha mãe, é insulinodependente, há muitos anos e vivia sozinha lá em B., (…) depois começou a deixar de comer, os diabetes começaram-se a alterar, começou a ter distúrbios. Entretanto (…) as minhas primas, telefonaram-me (…) eu fui, nesse dia logo, trouxe-a para a minha casa. Esteve seis meses a viver comigo em casa, pronto, foi um bocado complicado porque ela depois durante a noite desorientava-se, eu ia trabalhar. Cheguei ao fim daqueles seis meses, que achei que era um bocadinho complicado e já estava a ficar um pouco saturada, porque eu não dormia nas noites e tinha de vir trabalhar, resolvi metê-la no centro de dia, pronto, eu ia levá-la às 9 e depois ia busca-la às 7 da noite. (…) nesse período que ela teve comigo em casa caiu, partiu o coxis e eu disse que a partir daí ela nunca mais poderia ficar em casa sozinha (…) a partir daí foi mais complicado, as noites cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais, pedi ajuda ao meu irmão, para tentarmos resolver a situação e ele disse que decidisse o que achasse que era melhor e pronto, a minha mãe foi para o lar.”

F6.” Foi mais ou menos entre os três [ele, o irmão e a mãe], Numa altura em que ela estava já sozinha lá em casa e que às tantas as coisas não estavam a começar a funcionar, ela perdeu os medicamentos, mesmo que a gente fosse lá todos os dias era difícil, então entre os três e ela aceitou que íamos fazer uma experiência para lá. Que ela foi para lá já um bocado debilitada, e acho que para... o feitio que a minha mãe tem, ela achava que já estava debilitada em relação a isso, então nós concordámos, aceitámos e colocámo-la lá, pronto.”

F7. “…a minha mãe já sofre, de há muitos anos, de artrite reumatoide, tem problemas de coração, tem problemas de diabetes, tem uma data de complicações. O… os ossos, em si, estão-se a começar a deformar, tem as mãos a ficar deformadas. (…) a situação dela agravou-se…, em questão de pulmões, em questão de coração. Ficou muito tempo metida na cama, perdeu a massa muscular, deixou de andar. Entretanto, ela depois recuperou. Entretanto, nós, as três, entendemos que ela não tinha condições para estar sozinha. Além da medicação que tinha que tomar, a casa tem degraus… e já tinha acontecido uma vez ela lá, … de noite, levantar-se, ter caído, ficou lá em casa caída, gritava, gritava, até que as vizinhas deram por ela... tiveram que arrombar a porta, para… chamar a polícia e tudo mais (…) E então nós, depois de ela ter vindo de V., achámos que era a melhor situação era ela ir… para um Lar. Decidimos que seria

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melhor ela estar numa instituição onde fosse vigiada dia e noite, onde tivesse alimentação a horas, onde lhe dessem a medicação…”

F8.” Essa decisão, da minha parte, eu queria que ela fosse para um Lar, assim que faleceu meu irmão, o F., porque ela ficou sozinha em casa, num primeiro andar, umas escadas antigas, difíceis, e ela não queria. Não queria abandonar a casa dela, de maneira nenhuma. Depois, a 16 de julho teve a infelicidade de cair lá no quarto, partiu a cabeça do fémur, foi hospitalizada, foi operada e a partir daí, seguiu para M., para os Cuidados Continuados. Esteve lá 30 dias, de M. passou para os … também nos cuidados continuados, mais dois meses e meio. Dali é que teve uma vaga para a S. C.de M. de B., onde está desde 22 de novembro de 2016. Foi quando surgiu a oportunidade e ela aceitou.”

F9. “Primeiramente entrou na vertente de dia, um mês antes, durante o mês de junho, (…). Ia de manhã e eu ia buscá-la à tardinha. Até que, depois, quando vagou uma cama, ficou lá. (…) comecei a ver que ela estava a perder aquelas faculdades dela, aquelas pequenas coisas que ela, que toda a gente faz, no dia a dia. (…) com a morte da minha irmã, isto veio-se a precipitar tudo, né? (…), tornou-se completamente dependente. Entretanto, levei-a ao neurologista e ele disse que aquilo era demência e que, realmente, não podia estar sozinha”.

F10. (…) “porque já não têm capacidade para estarem, para se cuidarem, para terem todo o apoio que é preciso, porque eles não têm, já, quando chega a uma certa idade, não têm essas capacidades, embora eles não admitam, mas já não têm, precisam de ter alguém com eles 24 horas por dia (…), e nós não temos possibilidades de estar com eles o tempo todo, temos a nossa casa, a nossa família, marido, filhos, trabalho, é impossível! E eles precisam, chega a uma certa altura que tem mesmo que ser. (…) Ele

[o pai] precisava de todos os cuidados, ele era cem por cento dependente para tudo: ir

à casa de banho, para comer, para tudo, ele dependia sempre 24 horas por dia, dependia de todos para tudo”.

Todos os filhos/as entrevistados/as respondem exaustivamente à questão sobre as razões que levaram à institucionalização do pai ou da mãe, descrevendo todas as etapas do processo de doenças e perdas de capacidades, numa demonstração de que a decisão de institucionalizar foi precedida de motivos suficientemente fortes, objetivos,

48 impossibilitadores da continuação do idoso/a no meio em que, antes, vivia. Em comum, surgem a solidão, o isolamento, as quedas, o agravamento das perdas cognitivas.