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O PICADEIRO NO PALCO: A RECONSTRUÇÃO DA ESPACIALIDADE E

5. PEQUENO ITINERÁRIO DE PESQUISA OU ROTEIRO DE UMA

1.4. O PICADEIRO NO PALCO: A RECONSTRUÇÃO DA ESPACIALIDADE E

O encontro com os Palhaços, as entrevistas, a transcrição das brincadeiras, a criação da maquiagem, a composição do figurino, o espaço de trabalho, a compreensão e apropriação desses elementos só foi possível graças às visitas aos Circos. Passado esse momento, era hora de voltar à sala de ensaios, de corporificar tantos saberes construídos. E então trechos de entrevistas viraram falas do espetáculo, números compunham o roteiro da

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peça, sonoridades coloriram as gags. Quase tudo pronto, mas e os FIGURINOS, e o CENÁRIO? Como personificar tantos signos que compõem o Circo e sua figura cômica?

Imagem 9. Palhaçadas – História de um circo sem lona. Foto de Natália Souza.

Para a cenografia, tomamos como ponto de partida os elementos macros que compõem a estrutura física do Circo: lona, ferragem, picadeiro, arquibancada, pano de roda. Elencamos esses elementos e, como na peça é apresentada uma estrutura circense em decadência, optamos por simbolizá-la com dois elementos: o picadeiro e a cortininha. Clássicos e óbvios, no entanto, precisávamos de algo que comunicasse a espacialidade instantaneamente, e os elementos citados cumpriam essa missão. O que traríamos de peculiar a esse espaço? Que especificidade teria o picadeiro do Circo Brasil? Optamos pela utilização de cores em tons pastéis, um picadeiro monocromático, apenas um amarelo envelhecido, desgastado, cortininhas em tons de marrons e adereços na cor laranja, tudo meio sem vida, sem cores vivas, resistindo.

As malas são utilizadas como adereço central, representam a itinerância do Circo, a vida mambembe, a gente que vive com a casa nas costas, como dizia minha avó. São delas que saem grande parte dos adereços cênicos, bem como são delas que partem muitas das cenas do espetáculo num jogo constante de resignificação que transforma as malas em automóvel, palco,

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bancos de assentos para os músicos e para os próprios Palhaços e até em cama.

Completam a lista de adereços do espetáculo o cirquinho e a Flor do Circo. O primeiro é formado por uma estrutura de ferro em formato de Circo e coberto por papel crepom, servindo como acabamento. O adereço citado é utilizado na cena do incêndio do Circo, constituindo um dos momentos de ápice da encenação. O segundo é composto por uma Flor artificial posta em um vaso de planta. Construída exclusivamente para o espetáculo, seu caule é manipulável dando a ideia de que a flor murcha quando manuseada por um dos Palhaços-músicos. A Flor, no espetáculo, simboliza a resistência do Circo tradicional frente às tantas transformações na sociedade contemporânea, a ausência de espaços para armar a lona nas grandes cidades, a falta de políticas públicas que ajudem na manutenção dessa arte e, até mesmo, a escassez de escolas que formem e capacitem circenses no país.

Na elaboração do figurino, dialogamos com a cenografia, tons pastéis, cores descoloridas, peças monocromáticas e pouca utilização de estampas. Para a caracterização do Patrão: uma cartola em tons escuros, um blazer vermelho, com aspecto de desgastado, com detalhes construídos com gravatas de cor laranja, uma calça verde musgo, uma camisa de listas em tons alaranjados, uma espécie de cinto em tons marrons e uma bota, estilo militar, de cores preta e cinza. A caracterização desse personagem toma como referência as personas do cavaleiro e do Mestre de pista, figuras icônicas na história circense e ligadas diretamente ao Circo moderno. Botas, calça e blazer rementem a figura do cavaleiro e a camisa e a cartola a figura do mestre de pista. Uma meia máscara completa a caracterização do Patrão, personifica o elo Circo e Teatro, expressa o próprio arquétipo dessas figuras circenses, pondo em diálogo dois diferentes tipos de máscaras: a teatral, utilizada pelo Patrão, e a circense, usada pelo Palhaço.

Na caracterização de Risadinha, tomamos como referência a figura do Augusto, compõem o figurino: um macacão laranja, uma camisa de estampa de corações e um sapato de Palhaço. O desajuste é a característica principal na composição do figurino dessa personagem, sapatos grandes que indicam que o mesmo foi doado por alguém, um macacão que faz lembrar a figura do operário da revolução industrial, bem como o desajuste do camponês ao tentar

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usá-lo. A camisa reforça a personalidade infantil do Risadinha, externa sua forma de ver o mundo e colocar-se nele. Completa a caracterização do Palhaço um penteado, tipo coqueirinho, habitualmente utilizado no universo feminino, mas que perde a lógica de gênero ao ser utilizado na figura do Palhaço.

Para os Palhaços-músicos, pensamos em figurinos bases, comuns aos dois: shorts e camisetas de estampas amarronzadas e sapatos de operários customizados com tecidos.

Composta pelas cores branca, preta e vermelha, usadas na tradição circense, a maquiagem do espetáculo é dividida em dois tipos: a do Palhaço e a dos músicos. Uma preparação base serve a ambas: olhos esfumaçados de pancake branco que ajudam a tornar mais visíveis o olhar, bem como o uso do branco na região da boca para maximizá-la ou realça-la. Traços e contornos individualizam as maquiagens no Palhaço: a construção de sobrancelhas com lápis de olho e o contorno da boca que alarga a mesma. Nos músicos, sobrancelhas realçadas, bocas alargadas com pancake branco e contornadas com lápis preto. O pancake vermelho é usado para colorir a maçã do rosto, bem como para enrubescer os lábios, intensificar essas partes da face, construindo um triângulo formado por pontos de realces que tem na sua ponta a boca, nos lados as bochechas, na base os olhos e no centro a máscara do Palhaço. Na imagem do rosto, um triângulo de cabeça para baixo, que estabelece a composição básica da maquiagem do Palhaço.