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3 A FORMAÇÃO PARA A ALFABETIZAÇÃO

3.3 O planejamento

O planejamento do bimestre era feito coletivamente pelas professoras de cada turma. As professoras dos primeiros anos se reuniam, as dos segundos, terceiros e assim sucessivamente, cada grupo em dias alternados. No dia agendado, as professoras se reuniam na sala da supervisora e com os materiais em mãos passavam o dia planejando o bimestre.

Outras pessoas da escola ficavam nas salas de aula no dia do planejamento para as professoras se reunirem. A sequência era sempre a mesma: a supervisora determinava uma palavra com as devidas orientações, apresentava os materiais e as deixava sozinhas para elaborarem o plano. Elas discutiam os temas a serem abordados no bimestre e o principal procedimento era eleger as capacidades a serem trabalhadas.

Foram realizadas, ao longo do ano, quatro reuniões de planejamento, uma para cada bimestre, todas seguindo o mesmo procedimento. As anotações eram feitas sempre por Cintia, no plano modelo,30

Era nesta hora que as atividades se diversificavam e o jeito de registrar de cada uma delas era diferente. Cintia e Erica usavam cadernos e colavam as folhas de atividades nele ou anotavam as atividades a serem trabalhadas, como textos e exercícios. Laura optou por pasta. Digitava apenas a data e algumas frases para lembrar o que deveria fazer num pequeno roteiro e não arquivava as atividades. Minha participação no planejamento se resumiu ao coletivo e poucas sugestões, pois elas já tinham suas forma de agir e eu não vi muito espaço ou formas para intervir.

e Erica digitava e entregava para a supervisora. Depois da reunião, cada uma delas tinha o seu caderno ou pasta de plano, onde faziam suas anotações pessoais e os desdobramentos do plano geral.

Laura foi criticada por Eliane por causa de seu plano que não esclarecia detalhadamente o que ela fazia. Esse caderno ou pasta deveria estar disponível para possíveis consultas da superintendente. Ajudei Laura a elaborar uma folha para sua pasta que continha mais detalhes, como os horários e uma pequena descrição das atividades desenvolvidas. Laura mostrou a Eliane e ela se agradou do formato do plano, pois assim qualquer pessoa que pegasse a pasta poderia entender o que Laura tinha feito.

No início da reunião, Maura, a supervisora, sempre definia as diretrizes, tais como:

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“O 1º ano precisa sair da sala e realizar atividades fora, jogos pedagógicos, utilizar os recursos e espaços da escola.”

“Se o aluno faltar três vezes, o conselho tutelar vai na casa da criança (se a família não der notícias).”

“Na hora de planejar, vocês devem planejar todos os conteúdos de forma interdisciplinar.”

“Na próxima semana haverá reunião de pais. Os assuntos particulares deverão ser tratados nos horários vagos. Essa reunião é para assuntos gerais.”

“Os materiais que vocês devem utilizar são: Guia do Alfabetizador, Cadernos do CEALE, PCN, Dia a dia-do-professor etc.”

“Em matemática utilizar bastante material concreto, tem que trabalhar pela minoria, por quem não sabe. O estado não quer prestação de contas de uma turma, mas do individual. A professora ERICA faz planos diferenciados para crianças em condições diferentes de aprendizado. O objetivo é ajudar as próprias crianças.” (DIÁRIO DE CAMPO, 11 mar. 2009).

As orientações eram modificadas em cada reunião, de acordo com os eventos e acontecimentos da escola. A orientação quanto ao material a ser utilizado estava presente em todas as reuniões. Nunca houve modificação até o final do ano.

Percebi que o organizar o dia a dia de uma sala de aula é uma tarefa extremamente delicada e essencial para garantir uma aprendizagem global às crianças. Quando digo global, estou pensando em incluir no planejamento de cada dia, semana e bimestre os elementos essenciais de cada área de conhecimento e também elementos que não são ligados a conteúdos, mas à formação pessoal e social das crianças.

Não é possível fazer tudo de uma vez e se algo for deixado de lado, alguma área fica “deficitária”. Então o cuidado com o planejamento é de fundamental importância para um trabalho eficiente. Laura se preocupava muito em não apenas alfabetizar e dar outros conteúdos, mas nem ela e nem as outras professoras conseguiam pensar em alfabetizar a partir de outras áreas de conhecimento, numa aula de Ciências, História ou mesmo Matemática.

Faltavam também às professoras, além de conhecimentos mais organizados da própria teoria de alfabetização, conhecimentos acerca da organização do tempo escolar e interdisciplinaridade para integrar os conteúdos. Teoricamente, isso aparece nos discursos das professoras. Mais uma vez aparece a necessidade de orientação às professoras no sentido de integrar todos os conteúdos para, assim, proporcionar às crianças a aprendizagem que eu chamei de global e que Laura, muitas vezes, me disse que “é no todo”, que precisa trabalhar a

criança “no todo”. Laura tentava fazer isso com projetos de trabalho, como o da alimentação ou o do trânsito.

Penso que isso deveria ser uma missão da escola toda e não tentativas de uma única professora. Laura sempre me dizia que queria tempo para ser mais lúdica, mas não era possível porque tinha que alfabetizar. Como não? Não é possível alfabetizar pela ludicidade? Isso revela claramente um conflito acerca da organização do tempo para as atividades necessárias a cada turma.

Erica tinha certeza de que um bom planejamento e seu acompanhamento com fidelidade era o primeiro passo para conseguir êxito em alfabetizar as crianças. Ela não tinha tantos conflitos com isso, planejava, mesmo que fosse só para alfabetizar e seguir seu plano. Mas todas elas trabalhavam também com as outras áreas de conhecimento, só que em número muito menor que as atividades de alfabetização.

Com certeza era necessário organizar melhor o tempo escolar e, nessa parte, eu não trabalhei muito com elas, mas não pude deixar de perceber isso como uma grande necessidade do grupo. O interessante é que eu não imaginava que planejar é uma tarefa de tanta importância.

Segundo Silva (2008, p. 35), o “planejamento é algo importante para o desenvolvimento de ações autônomas e efetivas dos profissionais da educação”. A ação de planejar é “intencional” e deve ter objetivos claros e definidos e necessita ter como bases para sua elaboração o conhecimento da turma, o conhecimento dos conteúdos a serem ensinados e o perfil da turma.

Nesse sentido, podemos dizer que Eliane tem razão em não gostar da troca de matrizes porque cada turma tem seu perfil. O fato de trocar atividades pode significar que o planejamento não está seguindo o curso que deveria de acordo com as necessidades de cada turma e aluno. Ainda existe o fato de que, no dia a dia do professor, surgem ações imprevistas que necessitam de sua intervenção em pensar algo para aquela situação específica.

De acordo com Silva (2008), por mais que um professor conheça a realidade de sua sala de aula e o funcionamento de classe de alfabetização:

as situações vividas quando o professor ensina a ler e escrever são singulares, não se repetem e muitas vezes são imprevisíveis. Por isso o professor precisa atuar como agente desse processo, definindo as diretrizes de seu trabalho, sabendo conduzi-las e adequá-las às condições de sua realidade concreta (SILVA, 2008, p. 36).

O planejamento coletivo de Erica, Laura e Cintia era pensado apenas de acordo com as capacidades a serem alcançadas pelas crianças e não ia além de propostas de atividades que possibilitassem o alcance dessas capacidades. Em relação às outras áreas de conhecimento, o planejamento também era pensado a partir de algumas atividades e temas selecionados em livros didáticos. O planejamento individual só segue o coletivo na parte das capacidades selecionadas. As atividades e propostas de trabalhos eram outras que cada uma pensava individualmente e às vezes trocavam em forma de folhas xerocadas ou mesmo de ideias.

Segundo Silva (2008), “o principal objetivo da organização do planejamento é o de possibilitar que o professor desenvolva um trabalho sistemático de conteúdos e habilidades que envolve o processo de alfabetização e letramento” (SILVA, 2008, p. 37). As aulas não tinham sequência definida e continuidade entre elas, de maneira que as atividades, em sua maioria, eram independentes. Uma pequena sequência acontecia de vez em quando, como num projeto de Laura, que às vezes durava uma ou duas semanas, mas não se ligava às outras atividades de alfabetização ou de outras áreas de conhecimento.

Para planejar os conteúdos e as habilidades referentes ao processo de alfabetização, as professoras tinham em mãos materiais para trabalhar, como os cadernos do Ceale. Maura dizia que ele era o principal, que deveria ser “o livro de cabeceira das professoras”, mas como já dito acima, elas só utilizavam o caderno cinco e elegiam aos poucos capacidades que elas priorizavam como essenciais para cada bimestre.

No primeiro bimestre inteiro, só priorizaram atividades de conhecimento do alfabeto e diferenciação de desenho, letras e números. Atividade de valorização da cultura escrita, ou de produção de texto e até mesmo de desenvolvimento de linguagem oral estavam sendo deixadas de lado para os próximos bimestres.

Nos estudos dos módulos sobre os eixos da proposta31

Silva (2008) nos aponta que um planejamento contém duas dimensões: a coletiva e a individual. A coletiva envolve metas estabelecidas por toda a “comunidade escolar” e “educadores” deve envolver inclusive “a definição de instrumentos permanentes de avaliação e auto-avaliação do trabalho realizado pelos profissionais” (SILVA, 2008, p. 38). A dimensão apresentada no caderno dois, consegui mostrar a elas a importância de se trabalhar com as outras capacidades também, especialmente as de apropriação do sistema alfabético, pois, do contrário, estariam perdendo tempo para alfabetizar as crianças.

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individual envolve o professor e suas escolhas para a sua turma. Mas a autora ainda considera outras dimensões que surgem, tais como:

a relação entre as diversas disciplinas a serem trabalhadas, a organização da dinâmica dos trabalhos, os desdobramentos das atividades a serem desenvolvidas, no cotidiano da sala de aula e a natureza das avaliações a serem implementadas. Além desses aspectos, os professores precisam saber administrar as expectativas dos próprios alunos [...], dos familiares e dos diferentes grupos sociais que buscam legitimamente influenciar na definição das finalidades da escola e de seu trabalho em uma comunidade (SILVA, 2008, p. 39).

Então podemos perceber que planejar não é uma tarefa simples de apenas eleger algumas atividades para trabalhar alguns conteúdos. É antes uma tarefa complexa que envolve dimensões complexas e não dá para deixar o professor sozinho nesta caminhada. Este é mais um tipo de conhecimento no qual o professor necessita de auxílio. Como diz Silva (2008), o planejamento depende tanto da competência do professor quanto das condições de trabalho que ele possui.

As professoras da escola possuem mais do que a maioria, em termos de condições de trabalho. Segundo Eliane, elas ganham até a caneta para trabalhar e até livros, se forem necessários, a diretora compra. Mas o planejamento é mais um tipo de conhecimento em que elas necessitam de apoio para compreender como funciona em sua totalidade, em suas várias dimensões. Quando olhamos de fora, podemos perceber muitas coisas que não vemos de dentro da sala de aula.

Por isso considero que uma ajuda externa, como a de um coordenador pedagógico, por exemplo, deve ir além de expor os materiais e regras, mas participar junto com elas no processo todo, ajudando-as a perceber o que falta, fazendo reflexão e avaliação na hora de planejar.