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3. LABORATÓRIO EXPERIMENTAL DE CANTO PARA ATORES

3.2. O PLANEJAMENTO

Foi determinado um período de três semanas de trabalho, com três encontros semanais, cada qual com três horas de duração. O tempo total, relativamente curto, foi assim estabelecido com o intuito de viabilizar ao máximo a assiduidade dos participantes. Em compensação, optou-se por trabalhar com uma turma reduzida, de modo a aumentar a possibilidade de atenção individual: a princípio foram convidados oito atores e atrizes, número máximo estimado para uma distribuição das músicas pela qual cada participante pudesse experimentar o canto como solista, ao tempo em que compunha também a assistência, por sua vez enriquecida pela observação do trabalho dos colegas. O número também possibilitaria a execução de trechos cantados em coro uníssono ou a duas vozes, ou mesmo uma música com solos de vários personagens.

Dos oito atores previamente convidados28, cinco puderam garantir disponibilidade; porém, no primeiro encontro, um deles declarou que vinha trabalhando e estudando o canto com dedicação nos últimos meses, e colocou-se à disposição para continuar ou não no trabalho, reconhecendo, com a concordância dos demais colegas, que ele estaria em um nível mais avançado quanto à prática do canto em cena.

Em verdade, sua presença no laboratório não seria necessariamente um problema; diferenciada ou não, sua participação poderia ser levada em conta nas observações e reflexões acerca do processo. Porém, considerando os interesses da pesquisa, conforme foram devidamente explicitados no convite feito a todos os participantes, optei por abrir mão da sua presença no trabalho, agradecendo por seu interesse e compreensão, que aqui registro. Assim, a turma ficou formada por uma atriz e três atores29.

Destes quatro integrantes, três haviam participado comigo da Oficina de Técnica Vocal e Interpretação no Canto, destinada a atores e ministrada pela professora Marilda Costa, em Salvador, entre os meses de março e abril de 2008, com duração de 16h. Naquele processo, pude conhecer o interesse que tinham em comum com relação ao canto, como também sua insegurança quanto a cantar sozinhos qualquer música ou

28

Foram convidados atores profissionais formados pela Escola de Teatro da UFBA e atuantes na cidade de Salvador, com pouca ou nenhuma experiência com o canto em cena, e com interesse em desenvolver a habilidade de cantar.

29 Após o primeiro encontro, o ator Joedson Silva deixou a turma e permaneceram os atores Anderson Dy

até mesmo um vocalise (frase musical para exercício da voz), e a tensão que sentiam em sua relação com um instrumento harmônico que os acompanhasse. Além destes três, o outro ator que integrou este laboratório havia participado da montagem de O mambembe realizada pela turma de Interpretação da Escola de Teatro da UFBA, em 2007.1, em que fui codiretora musical; foi ele um dos colegas em quem pude observar a eficácia da estratégia de utilização dos elementos atoriais para o trabalho com o canto. No entanto, o laboratório oferecia uma nova situação, pois, além de não se tratar de uma montagem, as músicas eram desconhecidas para ele.

Para que todos tivessem clareza acerca da proposta, fez-se necessária a inclusão de uma breve explanação introdutória, situando o espetáculo O mambembe no contexto do teatro musicado brasileiro do início do século XX, com seus respectivos procedimentos de atuação e condições de representação. Ainda que a proposta do laboratório não fosse de montagem, importava dar a conhecer o modo de atuação característico do espetáculo cujas músicas trabalharíamos; não para efeito de uma recuperação daquela atuação, mas no sentido de refletir sobre o quanto a cumplicidade alcançada entre atores e público pode ser útil para contornar as dificuldades dos atores quanto ao seu desempenho vocal e atenuar a sua própria tensão em relação a este desempenho, no contexto de um espetáculo musical em que precisem cantar.

3.2.1 Objetivos: o necessário ajuste de foco

A proposta deste laboratório consistia em trabalhar com os atores o desenvolvimento da sua habilidade de intérpretes na execução das músicas, dando ênfase aos aspectos expressivos do canto, os quais se relacionam estreitamente ao trabalho atorial. O pensamento inicial era de que o trabalho com as músicas de O

mambembe fosse introduzido pela leitura do texto e experimentação de algumas cenas

escolhidas, a fim de instalar a atmosfera na qual as vozes dos diversos personagens apresentariam essas músicas. Estas, então, se tornariam o material do trabalho musical de percepção e memorização, respiração, afinação e interpretação.

Entretanto, no decorrer da primeira semana de atividades ficou clara a necessidade de dedicarmos um tempo maior do que o previsto para o trabalho musical propriamente dito, a fim de possibilitar aos atores o rompimento de resistências e

inibições para um desnudar tranquilo das suas vozes, a partir da conquista gradual da confiança mútua e da familiaridade com o acompanhamento harmônico. Para atender a esta necessidade primordial, não haveria tempo hábil para que o trabalho com as cenas se tornasse um apoio para o canto, como aconteceria no caso de uma montagem. Ao contrário, ao invés de termos a cena a nosso favor, nós a teríamos como um entrave, pois os atores se sentiriam inibidos e inseguros.

Deste modo, abandonamos a experimentação das cenas, uma vez que estas funções de apoio cênico e plástico para o canto e de liberação corporal e emocional seriam exercidas pelos jogos e brincadeiras associados aos exercícios de percepção musical e ao trabalho específico com as músicas, de modo que, na intimidade criada com estas, ficassem os atores liberados ao máximo das preocupações com a execução musical.