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O Plano de Viena: o início do compromisso internacional

1 O FENÔMENO DO ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NO

1.3 O Plano de Viena: o início do compromisso internacional

Como fenômeno de grande relevância na contemporaneidade, tendo em vista as suas repercussões sociais e os desafios que apresenta, o envelhecimento populacional ganha maior destaque, tornando-se objeto de discussão, no final do século passado.

Ocorrida em Viena, no ano de 1982, a primeira Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento é considerada o marco inicial do empenho internacional dos membros das Nações Unidas em favor da garantia dos direitos da pessoa idosa. Essa assembléia foi o primeiro fórum global intergovernamental voltado para a questão do envelhecimento populacional e teve como resultado a aprovação de um plano global de ação.

A Assembléia Mundial de Viena significou um importante passo para a promoção do amparo ao envelhecimento porque, até então, essa questão não tinha sido objeto de análise de nenhuma das assembléias gerais, tampouco, de nenhuma agência especializada, programa ou fundo das Nações Unidas, apesar de a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 já ter mencionado, no art. 25, a velhice como situação de proteção pela perda dos meios de subsistência.

Observa-se que, antes do plano global de ação de 1982, apenas havia algumas recomendações isoladas, a exemplo da Recomendação 162 de 4 de junho de 1980 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)26 aplicada a todos os trabalhadores que, pelo avanço de sua idade, estão expostos a encontrar dificuldades em matéria de emprego e ocupação. Esse instrumento recomenda a adoção de medidas de proteção ao trabalhador idoso, tais como a redução das dificuldades de adaptação desses trabalhadores; a diminuição progressiva da duração de trabalho para aqueles que solicitarem; a permissão para que os trabalhadores idosos organizem, à sua própria conveniência, o tempo de trabalho e o tempo livre; entre outras recomendações.

Antes da primeira Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, existiam ainda outras referências marginais aos direitos dos idosos como parte das atividades especializadas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

      

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ILOLEX. Base de datos sobre las normas internacionales del trabajo. Disponível em <http://www.ilo.org/ilolex/spanish/recdisp1.htm>. Acesso em: 16 jul. 2009.

Entretanto, foi com a Assembléia de Viena que se consolidou a cooperação internacional para a promoção do direito ao envelhecimento com dignidade e foi elaborado o específico Plano Global de Ação, que teve como marco referencial a Conferência dos Direitos Humanos realizada em Teerã em 196827 e seu fim era garantir a segurança econômica e social das pessoas idosas e identificar as oportunidades para a sua integração ao processo de desenvolvimento dos países.

O Plano Internacional de Ação adotado na primeira Assembléia Mundial é composto de 66 recomendações aos Estados membros destinadas a sete áreas: saúde e nutrição, proteção ao consumidor idoso, moradia e meio ambiente, família, bem-estar social, previdência social, trabalho e educação. A maioria desses temas era tratada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em comissões de natureza econômica ou política.

Um dos principais resultados do Plano de Viena foi destacar, na agenda internacional, as questões relacionadas ao envelhecimento individual e da população. O modelo a seguir era a situação de bem-estar social dos idosos dos países desenvolvidos.

A partir da Assembléia de Viena, verificou-se que a formulação e a execução de políticas relativas ao envelhecimento são um direito soberano e uma responsabilidade de cada Estado e que a segurança e o bem-estar das pessoas de idade devem ser parte essencial de um esforço integrado e conclusivo de desenvolvimento realizado no marco da nova ordem econômica internacional, tanto nas partes desenvolvidas do mundo, como nas que estão em vias de desenvolvimento. Por isso, a cooperação internacional e regional deve desempenhar um papel importante.

O Plano de Ação Internacional apoia-se nos seguintes princípios: a) O objetivo do desenvolvimento é melhorar o bem-estar de toda a população mediante sua plena participação no processo de desenvolvimento e de uma distribuição equitativa dos benefícios dele derivados. O processo de desenvolvimento deve realçar a dignidade humana e criar igualdade

      

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A Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada em Teerã entre os dias 22 de abril a 13 de maio de 1968, para examinar os progressos alcançados nos vinte anos transcorridos desde a aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos e preparar um programa para o futuro, declarou solenemente o incentivo a todos os povos e governos à consagração dos princípios contidos na Declaração Universal de Direitos Humanos e a intensificação de esforços para oferecer a todos os seres humanos uma vida livre e digna que lhes permita alcançar um estado de bem estar físico, mental, social e espiritual. (cf. BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Geral da República – Direitos Humanos. Conferência Internacional de

Direitos Humanos de Teerã. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/legislacao-pfdc/direitos-

entre os distintos grupos de idade para compartilhar os recursos, direitos e obrigações da sociedade. Todas as pessoas, independentemente de idade, sexo ou crenças, devem contribuir segundo suas capacidades e receber ajuda segundo suas necessidades; b) A contribuição que é valiosa para a sociedade, do ponto de vista espiritual, cultural e socioeconômico das pessoas de idade, deve ser reconhecida e mais incentivada. Os gastos relacionados com o envelhecimento deverão ser considerados um investimento duradouro; c) A família, em suas diversas formas e estruturas, é uma unidade fundamental da sociedade que vincula as gerações e deverá manter-se, fortalecer-se e proteger-se de acordo com as tradições e costumes de cada país; d) Os governos e, em particular, as autoridades locais, as organizações não-governamentais, os voluntários individualmente e as organizações de voluntários, incluídas as associações de idosos, podem contribuir para prestar apoio e atenção às pessoas de idade avançada na família e na comunidade. Os governos devem apoiar e fomentar as atividades voluntárias desse tipo; e) Um importante objetivo do desenvolvimento social e econômico é uma sociedade integrada do ponto de vista da idade, em que se tenham eliminado a discriminação e a segregação por motivos de idade e se incentivem a solidariedade e o apoio mútuo entre as gerações; f) As pessoas de idade deverão participar ativamente na formulação e aplicação das políticas, incluídas especialmente as que lhes afetam; g) Os governos, as organizações não-governamentais e todos os interessados têm uma responsabilidade especial para com os idosos mais vulneráveis, em particular as pessoas pobres, muitas das quais são mulheres, e das zonas rurais; h) É necessário que prossigam os estudos de todos os aspectos do envelhecimento.

Percebeu-se a necessidade do reconhecimento de um novo sujeito social - o idoso - com todas as suas necessidades e especificidades que caracterizam a identidade de um grupo, que reclama ações políticas garantidoras de seus direitos:

O surgimento de diferenças que exigem reconhecimento no espaço público – entendido este último tanto em sentido jurídico como político –, reclama bens e recursos para sujeitos que têm uma específica identidade de grupo. Essa exigência põe em crise ou, de qualquer modo, propõe desafios inéditos ao papel e à função do direito nas sociedades contemporâneas.28

Entretanto, nesse momento histórico, o Plano de Viena objetivava transpor tais desafios em favor da pessoa idosa, incluindo entre suas principais metas, o fortalecimento da capacidade dos países para enfrentar, de maneira efetiva, o envelhecimento de sua população,

      

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LORETONI, Anna. Estado de direito e diferença de gênero. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (Orgs.). O

a partir da qual, restaram fixados como objetivos mais emergentes: o fomento da compreensão nacional e internacional das consequências econômicas, sociais e culturais que o envelhecimento da população tem no processo de desenvolvimento; a promoção da compreensão nacional e internacional das questões humanitárias e de desenvolvimento relacionadas com o envelhecimento; o estímulo à criação de políticas e programas orientados à ação e destinados a garantir a segurança social e econômica às pessoas de idade; o estímulo ao desenvolvimento de ensino, capacitação e pesquisa que respondam adequadamente ao envelhecimento da população mundial.

Ainda que, nesse momento, os países desenvolvidos tenham ocupado o centro das atenções, desde a primeira Assembléia, também os países em desenvolvimento passaram a incluir, em suas agendas político-sociais, a questão do envelhecimento. Alguns países da América Latina alteraram suas Constituições em graus diferenciados, ensejando, a partir disso, a criação de leis que favoreciam a população idosa: Brasil (1988), Peru (1993), Bolívia (1994), Equador (1998) e Venezuela (1999), esses países promoveram um importante avanço em suas legislações, como também, na área de políticas e programas especiais voltados às pessoas idosas.

No entanto, a maioria das recomendações trazidas pelo Plano de Viena exigiam a implementação de políticas e programas dependentes da alocação de considerável soma de recursos que muitos países em desenvolvimento não dispõem ou optam por empregá-los em fins que consideram mais emergentes.

Muitas dessas recomendações visavam promover a independência e autonomia do idoso, envolvendo, evidentemente, gastos públicos, especialmente na área social, como a concessão de pensões, aposentadorias, benefícios assistenciais, ações e serviços de saúde e infraestrutura urbana, relacionadas à garantia de acessibilidade adequada à população idosa; gastos muitas vezes não priorizados, já que sugeridos a título de recomendações – instrumentos, ainda que de porte internacional, com frágil traço de efetividade –, posto que apenas figuram como sugestões que se dirigem aos Estados para que, se forem aceitas, formule-se um encaminhamento legislativo nacional.

As recomendações do Plano de Viena, com natureza de fonte material, serviram apenas de inspiração para a atividade legislativa dos países. Elas não passaram por um processo de ratificação, daí serem menos cogentes. Tiveram apenas a finalidade de fornecer

orientações aos Estados-membros na condução da ordem interna e na adoção da legislação. As recomendações serviram como instrumentos de aproximação das legislações dos Estados que aceitaram dar-lhe seguimento, implementando-as, mais ou menos fielmente na ordem jurídica interna.

Em 1991, na Assembléia Geral das Nações Unidas, 18 princípios em favor da população idosa foram prestigiados. Esses princípios podem ser agrupados em cinco grandes demandas: independência, participação, cuidados, autorrealização e dignidade.

A garantia da independência para a pessoa idosa exige políticas públicas que efetivem a sua autonomia física e financeira, ou seja, que assegurem o acesso aos direitos básicos de todo ser humano: alimentação, habitação, saúde, trabalho e educação.

A participação do idoso é assegurada mediante sua integração ao meio social e isso ocorre quando se reservam para ele espaços adequados à vazão, partilha e troca de conhecimentos e habilidades com outras gerações e ambientes propícios à socialização intergeracional.

Os cuidados dizem respeito à necessidade de gozo pelos idosos de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, por intermédio, primordialmente, da convivência e trato familiar ou, na ausência desses, de cuidados institucionais.

Autorrealização ocorre quando a pessoa idosa faz uso das oportunidades para o desenvolvimento do seu potencial, por meio do acesso a recursos educacionais, culturais, espirituais e recreativos.

Por fim, a dignidade requer que se assegure aos idosos a possibilidade de vida digna e segura, livre de toda e qualquer forma de exploração e maus-tratos.

Ao longo da década de 90, os idosos passaram a ser considerados, também, em outros fóruns das Nações Unidas, como, por exemplo, as conferências mundiais sobre população, aspectos sociais, gênero e meio ambiente.

Em 1992, foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU a Proclamação sobre o Envelhecimento e eleito o ano de 1999 como o Ano Internacional do Idoso, definindo-se,

nessa oportunidade, os parâmetros para o início da elaboração de um marco conceitual sobre a questão do envelhecimento.

O conceito de uma “sociedade para todas as idades”, formulado como tema do Ano Internacional do Idoso, congrega quatro dimensões: desenvolvimento individual durante toda a vida; relações entre várias gerações; relação mútua entre envelhecimento da população e desenvolvimento; e a situação dos idosos.

O Ano Internacional do Idoso contribuiu para a promoção da consciência desses problemas, assim como para a pesquisa e ação em matéria de políticas, em todo o mundo, composta dos esforços por incorporar as questões relacionadas com o envelhecimento às atividades de todos os setores e promover oportunidades relativas a todas as fases da vida.